UM MUNDO JUSTO E PERFEITO
Na encruzilhada de um caminho dois andarilhos se encontraram.
― Quem és tu? ― perguntou o primeiro.
―Alguém que caminha pelo mundo ―, respondeu o segundo.
―De onde vens?
― Do norte, seguindo o vento.
― O que acontece lá de onde vens?
― Ah! Lá os passarinhos cantam, as flores desabrocham, a chuva cai, os arroios correm para os rios, os rios para o mar, o mar alimenta os peixes, os peixes alimentam os homens...
─ Porque deixastes a tua terra?
─ Queria ver o que existe além do horizonte.
― E agora, onde pensas que estás?
― Nos campos do meio-dia.
― Porque pensas assim?
―Vejo abelhas e borboletas pousando de flor em flor, a luz da manhã dançando nos lagos, o vento penteando a copa das árvores, as folhas caindo e seguindo as ondas que o pente do vento levanta...
― O que acontece no teu coração?
― Mar, luar, calor, frio, amor, solidão, uma criança que chora...
─ O que pensa que acontecerá quando chegares nos campos do anoitecer?
─ Tranquilidade, tolerância, contemplação, sabedoria...
― E tu?, perguntou o segundo ao primeiro: ― Quem és e para onde vais?
― Alguém que anda em busca de um porvir. Venho do sul e caminho para o norte e para o leste e o oeste ― respondeu o segundo.
― O que acontece lá de onde viestes?
― Gatos, leões, formigas, árvores, certidões de nascimento e atestados de óbito, leite, cópulas, chuva, sol, palhaços e equilibristas, poeira e zumbidos...
― E onde pensas estar agora?
― Nas montanhas do anoitecer.
― Porque pensas assim?
― Vejo o sol se esconder atrás da montanha, os pastores prenderem os rebanhos em seus apriscos, as mulheres recolherem das cordas as roupas lavadas, um homem voltando do trabalho, um passarinho retornando ao ninho...
― O que acontece no teu coração?
― Música, viagem, medo, fome, alegria, curiosidade...
Assim terminou o diálogo dos dois andarilhos. Nesse justo momento, uma serpentezinha de anéis pretos acabara de botar um ovo, um tenro broto desabrochou no galho de uma árvore ressequida, uma mulher deu à luz um filho, um sabiá cantou na copa de uma árvore, uma gota de orvalho beijou uma flor, uma formiga passou correndo, carregando uma enorme folha de grama, e a natureza deu um grande e amplo sorriso para o sol que despontava no horizonte. Tudo estava justo e perfeito no mundo.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 05/03/2015