KARMA, A JUSTIÇA QUE NÃO FALHA
Karma não é destino
Em primeiro lugar Karma não se refere á destino nem tem a ver com o velho conceito muçulmano do Mak Tub, perante o qual tudo está previamente definido e por mais que se faça na vida, não é possível escapar.
A lei do Karma envolve algo mais que o simples conceito da fatalidade. Em primeiro lugar, não há nenhum desígnio divino a fundamentar o conceito. Assim, fica bem mais fácil para uma mente ocidental entender o Karma do que o Mak Tub. Porque a lei do Karma combina muito bem com a ideia, bastante cristã, diga-se de passagem, do livre arbítrio.
O Karma não é definido por uma força que está além da nossa vontade, mas sim pelas nossas próprias escolhas na vida. A lei do Karma nos ensina que certos tipos de ação nos leva inevitavelmente à resultados similares. É, pois, um processo de causa e efeito, ação e consequência, atitude e resultado.
Quando fazemos algo bom para o mundo (e bom aqui significa uma ação que trás felicidade para o próximo ou melhora as condições de vida no ambiente) cedo ou tarde um resultado proveitoso acontecerá para nós também. Ao inverso, se fizermos algo que prejudique pessoas ou o ambiente, inevitavelmente um resultado danoso para nós também advirá em algum momento.
Parece lógico isso. Afinal vivemos em mundo onde o movimento circular é a tônica. Tudo que um dia passa por nós tende a voltar em consequência desse movimento. Se jogamos lixo na rua ele não deixa as águas da chuva escorrerem; o resultado é inundação. Se não educamos os nossos filhos eles irão aprender com outros; a consequência disso pode ser catastrófica. Se matamos ou roubamos alguém, incumbamos o crime em nosso ambiente e cedo ou tarde o resultado dele também nos atingirá. Isto é o que diz conceito budista de causa e efeito: certas causas produzem efeitos particulares que são similares á natureza das causas que os produziram.
Tudo isso é muito natural. Porcos produzem porcos, abutres produzem abutres, pessoas produzem outras pessoas, minhocas e lagartixas produzem outras minhocas e outras lagartixas. Assim, pessoas más tendem a produzir outras pessoas más e pessoas boas tendem a produzir pessoas boas.
Dizemos tendem porque o ser humano tem o livre arbítrio e a capacidade de mudar o rumo da sua tendência genética e da sua orientação sociológica. Os animais não. Só o ambiente pode fazer isso com eles.
Mas os seres humanos podem mudar até o ambiente. Por isso é importante entender o que significa, de fato, a lei do Karma. Essa lei diz que para todo evento que ocorre no mundo, obrigatoriamente seguirá outro evento, cuja existência foi causada pelo primeiro; e este segundo evento poderá ser bom ou ruim para a pessoa que o causou se a sua causa foi benéfica para o universo ou não.
Um evento útil e benéfico para o mundo (no conceito budista) é aquele que não foi produzido por cobiça, resistência ou ilusão. Os eventos produzidos com essas causas (que na maçonaria chamamos de vícios, ou seja, um evento viciado) são chamados de eventos incorretos. São incorretos porque são produzidos por uma forma incorreta, ou viciada de pensar. Decorrem de uma forma equivocada de usar a mente.
Assim, a lei do Karma atribui ao ser humano uma grande responsabilidade pela construção de um mundo justo e perfeito. É o correspondente budista da metáfora maçônica “levantar templos á virtude e cavar masmorras ao vício”. Diferente do Mak Tub, a responsabilidade pelo que virá no futuro é toda nossa. Não depende de uma divindade onisciente e onipotente que nos vigia noite e dia para ver o que estamos fazendo para depois premiar ou castigar a gente por isso. Dessa forma, alguém que crê na lei do Karma jamais mataria alguém em razão de uma recompensa no céu, mas sim pelas suas próprias razões de viver.
O conceito do Karma, a contrário, ensina que o Criador de todas as coisas já pôs no universo leis que regulam essa matéria. Leis que a própria linguagem humana define em suas parábolas e metáforas: aqui se faz, aqui se paga; quem planta chuva, colhe tempestades; só se colhe o que se planta, etc.
E ninguém precisa acreditar em reencarnação para estar sujeito á lei do Karma. Aliás, basta uma única vida para se construir o mérito que torna um homem imortal. Por que, pela lei do Karma, as ações humanas, boas ou ruins, repercutem na eternidade.
Karma é ação
Literalmente a palavra Karma significa “ação”. É uma vontade que inicia um movimento em algum tempo no passado e tem um efeito em algum outro tempo no futuro. Não precisa ser o passado anterior a nós nem o futuro posterior a nós. Pode ser o nosso próprio intervalo de vida, embora a doutrina budista acredite na existência de vidas passadas e pregue a possibilidade de vidas futuras, com consequências que se transmitem de uma vida á outras. Isso quer dizer que podemos estar pagando pecados de vidas passadas e poderemos pagar em vidas futuras os erros que estamos cometendo agora. Ou ao inverso, se estamos bem agora, pode ser consequência da nossa virtude anterior, ou então seremos pagos em vida futura pelo bem que fazemos nesta. Assim, inferno e paraíso ficam mais próximos ou mais distantes de nós e o caminho para um ou para outro fica bem menos incerto do que nas doutrinas judaico-cristãs. Existem mapas bem precisos que nos levam a um ou outro lugar.
A lei do Karma não significa necessariamente uma coisa negativa, como usualmente se pinta. As pessoas costumam dizer, quando acontece alguma coisa ruim “isso é o Karma de fulano”. Uma grande bobagem. Karma é apenas o resultado de uma ação. O Karma é neutro. Não tem nada a ver com recompensas divinas. Ele é o resultado do funcionamento da lei do equilíbrio universal, perante a qual todo movimento, por menor e mais imperceptível que seja, provoca um desequilíbrio em algum lugar, que por sua vez, terá que ser compensado por outro movimento.
Isso porque o universo é um animal único, um organismo tecido por uma rede de relações, indissociáveis e interligadas por todos os pontos. A lei do Karma atua como um sistema dinâmico, auto ajustável, que emite um feedback constante que funciona de acordo com a maneira com a qual nós aprendemos com cada experiência que vivemos. Assim, a reação que temos com o resultado delas é mais importante do que a própria experiência. Por que não é o ato em si que se julga, mas como encaramos o resultado desse ato que importa, por que é esse julgamento que nos levará ao refinamento da virtude ou ao aperfeiçoamento do vício.
É por isso que os termos "bom karma" e "mau karma" não são usados no budismo no sentido de "bem e mal", mas sim como virtudes a serem desenvolvidas no caráter da pessoa. Destarte os termos kushala (inteligente, habilidoso, virtuoso, bom) e akushala (néscio, inábil, mau, prejudicial etc.) designam resultados obtidos pelas pessoas em suas ações, mas não a própria pessoa que age. Isso porque, as pessoas, em si, não são importantes, mas sim os resultados que elas produzem para o mundo em que vivem.
É, portanto, uma doutrina que mitiga as razões do ego em proveito de um melhor resultado para a coletividade. Daí porque a doutrina budista propõe uma troca de atributos egocêntricos (apego, aversão, ódio, indiferença, inveja, arrogância) por outros menos egocêntricos, tais como renúncia, desapego, amor, compaixão, humildade, etc.
Portanto Karma é resultado de uma ação intencional, consciente, deliberada e voluntária, e nada tem a ver com destino, fatalidade ou recompensa divina.
Por isso é que as ações sem intenção, como caminhar, dormir, respirar, que não geram consequências morais, constituem um Karma neutro. Só geram consequências as ações cujo arbítrio são inerentes á atividade de pensar.
As “portas” do Karma
A doutrina budista ensina que existem três portas de entrada para as atividades prejudiciais ao Karma: corpo, mente e voz. Lista três ações prejudiciais que podem ser praticadas pelo corpo, quatro pela voz e três pela mente. As três ações prejudiciais do corpo são matar, roubar e a prática de comportamento sexual impróprio. As quatro ações prejudiciais da voz são mentir, incitar a prática de atos maldosos, caluniar e repetir inverdades sobre ações de outras pessoas. Já as três ações prejudiciais á mente são a avareza, a raiva e a ilusão. Evitando-se a prática destas dez ações prejudiciais ao nosso Karma, nós não atrairemos consequências similares para nossas vidas presentes ou futuras.
Karma, a balança da justiça universal
Toda causa tem seu efeito, que é proporcional á energia (física e mental) empregada na ação e consoante o seu resultado. Isso quer dizer que as condições que determinam a força ou o peso do Karma aplicam-se ao sujeito e ao objeto da ação. Dessa forma, a lei do Karma funciona como se fosse um processo judiciosamente julgado por uma inteligência superior, cujos parâmetros de julgamento são: ela é a justiça que não falha.
A persistência da ação, sem se importar com o resultado; Contumácia.
A intenção da ação e a determinação com que é praticada; Intencionalidade e energia empregada.
A energia mental posta em ação para o planejamento da ação. Planejamento.
A inteligência da pessoa que pratica a ação. Discernimento.
Os resultados (bons ou ruins) das ações pregressas da pessoa (em vidas passadas ou na atual). Antecedentes.
Alinhamento kármico
Portanto, Karma não significa um destino traçado ou um livro de vida escrito, como acontece na doutrina do Mak Tub. Cada pessoa escolhe seu Karma pelas ações que realiza na vida. Alinhar-se com nosso Karma significa descobrir qual é a nossa missão de vida. Uma pergunta útil que pode fazer nesse sentido é a seguinte: qual será a consequência da minha ação para as outras pessoas e para o mundo em que vivemos? Se tivermos uma resposta positiva para essa pergunta estaremos no caminho certo para um Karma alinhado. E então poderemos repetir as palavras de Plotino com uma boa dose de certeza científica: “As estrelas em seu percurso combatem pelo homem justo”.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 13/03/2015
Alterado em 13/03/2015