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ESTUDOS MAÇÔNICOS- A SIMBOLOGIA DO ALEPH Existe uma tradição, muito comum entre os cabalistas, de representar o início do universo através da letra Aleph (אּ). Essa tradição se justifica pelo fato de essa letra ser a primeira do alfabeto hebraico. E como o alfabeto hebraico, na tradição cabalística, mais que um sistema de escrita, tem um sentido escatológico e simboliza o próprio processo de construção e desenvolvimento do universo, a letra Aleph é o começo desse processo. Por isso ela tem um papel fundamental no entendimento da cosmogonia cabalística. Nota-se que o desenho dessa letra, é, na verdade, feito de três letras diferentes, ou seja, dois yods, um embaixo, outro em cima e um vav, que é a barra transversal. Sabemos que a letra yod ( י), na tradição cabalística, simboliza a presença manifesta de Deus no mundo das realidades físicas. E a letra vav (ו), simboliza o mundo manifesto. Dessa forma, um yod acima significa Deus como energia criadora e o yod abaixo significa o universo como realidade manifestada, ou seja, a própria criação, na qual a energia divina se manifesta. Há outras interpretações do significado dessa letra, que não cabem no contexto deste estudo, mas no geral é através do Aleph que a Cabala representa a interação de Deus com a sua criação. Por outro lado, sabe-se também que toda letra do alfabeto hebraico, além de ter um significado linguístico, também representa um som e um valor numérico. Assim, além do significado semântico que uma palavra tem, elas podem ter significados ocultos que só os mestres da Cabala conhecem. Esse significado é obtido pela técnica da gematria, fórmula que combina o número, o som e a posição das letras na palavra e da palavra na frase. Como a palavra Abrão significa chefe, patriarca, e Abraão (com a aposição de um a) signfica "pai de uma multidão". No sistema hebraico o valor numérico do Aleph é 1, número que simboliza a unidade de Deus. Sendo ele formado por três letras (dois yods e um vav), seu valor final de base é 26, já que um yod tem valor numérico igual a 10 e um vav é igual a 6 (10+10+6= 26), que corresponde, na grafia alfabética do sistema hebraico ao Tetragramaton, ou seja, o Inefável Nome de Deus, que é composto pelas quatro letras letras Y-H-V-H.
Como a gematria do Yod (=10), o Hei (=5), o Vav (=6) e o Hei (=5) totalizam 26, verifica-se que existe uma correspondência que esse símbolo ( O nome inefável de Deus) tem com aquele que é representado pela letra Aleph., ou seja o 1, que é primeiro número da escala numérica e o número indivisível, símbolo da unidade. Destarte, dentro dele coexistem uma letra positiva (yod) e uma negativa (vav), ambas secundadas por uma letra neutra (hei), que proporciona o necessário equilíbrio entre as duas potências geradoras da realidade universal. Segundo o Rebe[1], no sistema linguístico hebraico, o Aleph tem três significados diferentes. Um é deles é aluf, que significa mestre ou chefe. O segundo é ulfana, definido como sendo uma escola de aprendizado, ou uma doutrina. O terceiro significado é obtido quando se leem as letras da palavra Aleph (alef em português) de trás para a frente (pronuncia-se pelê), termo que corresponde, em português, a ideia de maravilhoso, fundamental, magnífico. Assim, a letra Aleph se subsume ao conceito de “mestre”, cuja obra é única e maravilhosa. A Shepher Dtzniouta (O Livro do Mistério Oculto) chama Deus de “O Vasto Semblante”, ou seja, um metafórico desenho formado a partir de um Ponto Único de máxima densidade energética que se manifestou do Nada Absoluto.[2] Isso significa que o universo não emergiu simplesmente por si mesmo, mas que houve um Princípio Energético onipotente que o forjou a partir do nada cósmico.
Simbolicamente, a tradição da Cabala usa a letra Aleph para representar esse ponto único, primeiro e fundamental, no qual tudo que existe, existiu e existirá, ja estava contido antes de se manifestar como realidade positiva. Por isso, no sistema numeral hebraico, ele é representado pelo número 1, ou seja, a expressão numérica da divindade. Na teosofia, doutrina que combina a mística das antigas religiões orientais com os conceitos da Cabala, essa representação é dada pelo ponto, símbolo do surgimento da matéria positiva em meio ao nada cósmico. Na tradição cabalística é no Aleph que passado, presente e futuro, em todas suas manifestações, se apresentam concomitantemente, na mais ínfima fração de tempo e espaço, fração essa que só pode ser representada numericamente pelo conceito de unidade. Essa ideia foi magistralmente aproveitada pelo escritor argentino Jorge Luis Borges em um famoso conto que leva esse nome. “ O que a eternidade é para o tempo, o Aleph é para o espaço. Na eternidade, todo tempo ― passado, presente e futuro ― coexiste simultaneamente. No Aleph, a soma total do universo espacial encontra-se em uma diminuta esfera resplandecente de pouco mais de três centímetros de diâmetro”, escreveu o famoso poeta e contista argentino para explicar a ideia que ele tinha da energia fundamental que representa a totalidade da realidade manifesta.[3] Essas intuições místicas dos escritores esotéricos, como Borges, Paulo Coelho, Willian Blake e outros que abordaram temas semelhantes, são inspiradas na visão dos mestres da Cabala sobre as origens do universo, expressa pela letra Aleph. Elas correspondem também á outras intuições surgidas entre os mestres das antigas civilizações, como a hindu e a chinesa. Na filosofia védica, por exemplo, os antigos mestres da Índia viam o universo nascendo de um “ovo cósmico”, que era descrito de uma forma bastante poética, mas não menos sugestiva: “No início, Vixinu-Xiva repousava em plena latência, prenhe de todas as suas vidas futuras”, escreve o poeta em sua descrição do nascimento do universo.[4] Nessa concepção, ele descreve o momento em que Deus se manifesta no território das realidades positivas, figurando-o através da relação masculino-feminino, representado pelos deuses Vixinu e Xiva, que na tradição vedanta, são os responsáveis pelo surgimento do universo físico. Na tradição milenar da China, o taoísmo, iremos encontrar um conceito análogo, expresso na ideia de equilíbrio entre as duas forças fundamentais do universo, o yin e o yang. No verso primeiro do Tao Te King, livro básico dessa antiga filosofia, Lao Tsé, escreve: “ Uma via que pode ser traçada não é a Via Eterna, o Tao. Um nome que pode ser pronunciado, não é o Nome Eterno. Sem Nome está na origem do Céu e da Terra. Com Nome é a mãe dos dez mil seres. Assim, um Não-desejo eterno exprime sua essência, e por meio de um desejo eterno manifesta um limite. Ambos os estados coexistem inseparáveis e diferem apenas no nome. Pensados juntos, Mistério. Mistérios dos mistérios, É o Portal de todas as essências”.[5] O Sem Nome é o Tao, princípio ativo que deu origem ao universo. Com Nome é o universo material que resultou da manifestação desse princípio. Os dez mil seres são a humanidade em sua totalidade. Em todas essas antigas concepções cosmológicas, Deus é visto como pura energia, e sua manifestação no mundo das realidades sensíveis se dá em forma de luz. Luz é o princípio básico de tudo que existe no universo. Essa concepção também é encontrada na Bíblia, onde, na gênese do universo, Deus tira a luz das trevas para com ela fazer o mundo. “ No princípio criou Deus o céu e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre as águas... E Deus disse: Haja luz. E houve luz. E Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas. Deus chamou à luz dia, e às trevas chamou noite. Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o primeiro dia.” [6] . Esse é um ponto em que todos os sábios da antiguidade concordam e a ciência moderna não refuta: o universo é feito de energia que se condensa em massa quando esta é acelerada na velocidade da luz. Daí a equação de Einsten, enunciando a equivalência massa-energia, conhecida como teoria da relatividade: e=mc². Assim, em analogia ao conceito bíblico de criação, poderíamos dizer que o Big Bang simboliza o momento em que Deus “separou a luz das trevas”, ou seja, o instante em que o Grande Arquiteto do Universo, que era pura energia, tornou-se o universo material. Se na tradição cabalística esse momento é representado pela letra Aleph, na tradição maçônica, ele é representado pela letra G, de Geometria, pois nesta concepção está integrada a mística da filosofia pitagórica e a sensibilidade dos maçons operativos, que viam na Geometria a base segundo a qual Deus “construía o edifício universal”.[7] Funde-se assim, a espiritualidade da intuição cabalística com a sensibilidade dos praticantes da Arte Real, no sentido de representar em signos de extraordinário sentido místico um conhecimento que a própria ciência vem tentando isolar na complexidade dos fenômenos físicos e astronômicos que deram origem ao universo. E seja em que sistema for, o que se busca é sempre o contato do próprio espirito humano com essa “primeira luz do mundo” ou Verbo Fundamental, que deu origem a tudo que existe e está no cerne de toda existência, física ou espiritual. Ciência, poesia, mística, filosofia. De tudo isso é feito o espírito humano. E quando compreendemos tudo isso, começamos, como diz o personagem de Borges, a comtemplar o nosso Aleph particular
[1] Rabi Shneur Zalman de Liadi. Rebe é a denominação de uma escola rabínica de estudos cabalísticos.
[2] Knorr Von Rosenroth- A Kabballah Revelada- Madras, 2005.
[3] Jorge Luis Borges- O Aleph- Ed. Globo, 1993.. [4] Do Livro dos Dzians- Citado por Pawels e Bergier em “O Despertar dos Mágicos.”
[5] Lao Tsé- Tao Te King- tradução de Marcos Marinho dos Santos-Attar Editorial- são Paulo 1995
[6] Gênesis 1: 1 a
[7] Ideias defendidas pelo arquiteto romano Vitrúvio, que dizia ser a geometria a sabedoria segundo a qual o Supremo Arquiteto do Universo construía o mundo. Essas concepções já estavam presentes nas ideias de Pitágoras,e na filosofia neo-platônica, que chamava Deus de ArkTecton, ou seja, o Grande Arquiteto.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 27/03/2015
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