João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


OS CHIFRES DO LEÃO

Que o sistema tributário brasileiro é um dos mais complicados do planeta todo mundo sabe. Até quem não é do ramo tem consciência da dificuldade que é administrar um sistema que tem mais de uma centena de diferentes imposições tributárias, que as pessoas físicas e jurídicas têm que pagar para viver, transitar, comprar, se divertir e até para morrer, neste país. O Brasil tem, possivelmente, o mais esdrúxulo sistema tributário do mundo. Aqui só para ser proprietário de um veículo automotor, a gente tem que pagar três tributos diretos anualmente (IPVA, Seguro Obrigatório e Taxa de Licenciamento) além daqueles que se paga quando compra o veículo (IPI, ICMS, mais  Imposto de Importação e TMP), se o veículo for de procedência estrangeira.  Além dos pedágios que se paga pela utilização das estradas. É uma loucura. Isso tudo poderia ser reunido em um dois tributos, no máximo, mas ninguém cogita em fazer isso. Facilitar não compensa. Por que quanto maior for a dificukldade mais cara fica a venda da facilidade.
Se para ter um carro é tudo isso imagine-se o que acontece com as demais necessidades da vida, cujo atendimento é tributado por imposições indiretas, como os tributos que incidem sobre os bens de consumo diário, por exemplo, cujos valores estão embutidos no preço dos produtos. Quem sabe quanto paga de ICMS, IPI, COFINS, etc quando compra um quilo de feijão, uma lata de óleo ou uma garrafa de cerveja?
Não é a toa que o Brasil é um dos países onde a sonegação de impostos tem uma das maiores taxas do mundo. Nem as grandes empresas do país, que contratam profissionais habilitados para manter seus sistemas contábeis atualizados conseguem acompanhar as bizarrices fiscais do sistema tributário brasileiro. Volta e meia aparece na empresa um fiscal trazendo uma autuação muitas vezes milionária, que se tivesse que ser paga, fecharia imediatamente a empresa. Nem sempre as autuações são devidas, por que também os fiscais, por mais preparados que sejam, também não conseguem ser tão competentes para entender e acompanhar um sistema tão complicado. Mas quando as autuações são amparadas em elementos indiscutíveis, o que resta, para a empresa, é tentar um acordo com os agentes do fisco. Por que muitas vezes é preferível pagar uma porcentagem de 10 a 20 por cento para os agentes do fisco do que ter que arcar com 100 por cento da autuação. Mas nem sempre isso é possível, por que, creia-se ou não, há fiscais honestos, que não aceitam propina, e muitas vezes a sonegação é tão evidente que qualquer acordo para escondê-la seria uma “fratura exposta” que nenhum agente fiscal se comprometeria a esconder.
E quando se trata de tributos federais, tem ainda o Carf – Conselho administrativo de recursos fiscais- cujo grupo de conselheiros, formado por auditores fiscais da Receita Federal e pessoas indicadas pelos próprios órgãos de representação dos contribuintes, se aproveitam da complicada estrutura tributária do país e da sua não menos esotérica jurisprudência para fazer acordos milionários com as empresas autuadas, acordos esses, que segundo a Policia Federal e o Ministério Público sobe a mais de vinte bilhões de reais, maior ainda que as propinas que rolaram pelos dutos da Petrobrás.
Alguns articulistas dos principais jornais do país estão estranhando a pequena repercussão que a mídia está dando a esse novo e milionário escândalo da indústria nacional da propina. Mas isso, na verdade, não é de se estranhar. É que os nossos legisladores complicaram tanto o sistema, que qualquer discussão acerca de tributação, no Brasil, torna-se uma complicada tese de filosofia. Ler um recurso fiscal, ou uma sentença que mantém ou derruba esse recurso, exige do leitor, no mínimo, um curso de doutoramento na matéria em uma boa universidade. Assim, os jornalistas tem medo de falar bobagem e escrevem pouco sobre o assunto, pois até que as coisas se tornem absolutamente claras, tudo pode verdadeiro ou não. É desse emaranhado jurídico-contábil-político que os tais conselheiros estão se aproveitando para fazer acordos milionários com as empresas autuadas. E cobrando gordas propinas.
Esse é um esquema que, diga-se, existe desde que Tomé de Souza aportou por aqui e dividiu o país em capitanias hereditárias. O sistema pegou tão bem que ele continua a ser aplicado até hoje. O Carf, por exemplo, é uma das capitanias mais rentáveis do país. Pelo menos por enquanto não se pode dizer que o PT tem alguma coisa a ver com esse novo escândalo, embora se saiba que a maioria dos conselheiros é indicada por critérios políticos. E evidentemente, quem está no governo é que faz ias ndicações. Mas todo auditor fiscal da Receita federal sabe o quanto é difícil ser nomeado conselheiro do Carf.
Diz-se que, em direito, um bom advogado consegue provar até que o diabo é inocente. Mas no sistema jurídico tributário brasileiro,  sempre há alguém que consegue botar chifre no leão. E o diabo, além de inocente, ele ainda pede e recebe uma gorda restituição. E na maior parte das vezes não precisa nem de advogado.
 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 05/04/2015
Alterado em 06/04/2015


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