João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


       
 
Para defender um verdadeiro amigo,
Qualquer um dá um passo á frente;
Mas se isso lhe trouxer algum perigo,
Três para trás ele dá imediatamente.

Normal é que ninguém se apresente;
A autodefesa sempre fala mais forte;
Pois só quem tem o coração valente,
Apostará nesse jogo a própria sorte.


Só mesmo um verdadeiro Tiradentes,
Pode morrer por aquilo que acredita:                       

A maioria é composta por descrentes.
 
Na dura prova só o mais forte resiste;
Pois o covarde foge, o fraco claudica,                    
O venal se vende e o delicado desiste.



QUEM FOI TIRADENTES

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, nasceu em 12 de Novembro de 1746 na Fazenda do Pombal, Minas Gerais, e morreu enforcado no dia 21 de abril de 1792 no Rio de Janeiro. Tinha 45 anos. Seus pais eram Domingos da Silva Santos e Maria Antônia da Encarnação Xavier pequenos proprietários rurais.
Em 1755, após o falecimento de sua mãe, mudou-se com a família para a Vila de São José, hoje rebatizada com seu nome. Depois da morte do pai a família ficou sem recursos e os sete filhos do casal se dispersaram. Joaquim José foi morar com um padrinho, que era cirurgião, o qual lhe ensinou os ofícios de pratico farmacêutico e dentista.
Evidentemente, ele não era formado em nenhuma dessas profissões, como a maioria dos práticos da época. A alcunha “Tiradentes” lhe veio dessa habilidade, pela qual ficou conhecido em toda a região das minas.
Foi na execução dessa tarefa que Joaquim José começou a perceber o quanto o país estava sendo dilapidado pela coroa portuguesa. Praticamente todo o ouro extraído ia parar na Metrópole, enquanto o governo português não devolvia absolutamente nada em forma de serviços públicos. Qualquer semelhança com o que acontece atualmente não terá sido mera coincidência. 
Nessa época, a população mineira já havia crescido bastante e as cidades da região aurífera haviam se tornado importantes centros populacionais. Cidades como Vila Rica (atual Ouro Preto) Mariana, São João Del Rey, Barbacena, demonstravam a pujança da região mineira, e para as autoridades portuguesas era a mais importante economicamente.

A insatisfação da população mineira com esse estado de coisas crescia dia a dia, mobilizando principalmente as pessoas mais importantes da região, as quais, cientes do que estava acontecendo em outros lugares ─ América do Norte e França, especialmente, onde revoluções libertárias e populares estavam em curso, começaram a pensar em fazer o mesmo por aqui. Entre esses estavam principalmente os profissionais liberais da região mineira, os quais, em sua maioria, tinham estudado na Europa e estavam a par dos movimentos que deram origem á chamada Idade Moderna.

Joaquim José não conseguiu progredir muito na carreira militar. Em 1787 havia chegado apenas ao posto de alferes, patente correspondente ao posto de primeiro sargento na atualidade. Por isso resolveu tentar outra profissão. Pediu licença da cavalaria em 1787 e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde morou cerca de um ano. Na capital federal ele tentou vender alguns projetos de saneamento básico para o governo, especialmente a canalização de córregos e construção de aquedutos, coisas que sua habilidade de mestre em obras, exercida antes de entrar para a milícia, era bem reconhecida. Todavia, seus projetos não foram aprovados pelas autoridades colôniais, que estavam mais interessadas em extrair recursos da colônia do que provê-la de serviços públicos básicos.
A irresponsabilidade e o descaso com que os portugueses administravam a colônia e tratavam as necessidades do povo brasileiro devem ter despertado em  José um desejo ardente de liberdade. Assim, depois de um ano tentando a vida no Rio, ele resolveu voltar para Minas Gerais e retomar sua carreira na milícia. Ao mesmo tempo deu inicio á uma atividade política, começando uma pregação em favor da autonomia da província mineira.

INCONFIDÊNCIA MINEIRA

Na época já havia um grupo de eminentes cidadãos em Vila Rica e cidades da região trabalhando a ideia de uma emancipação da região mineira. Esse grupo era liderado por indivíduos influentes em Vila Rica, dele fazendo parte os poetas Cláudio Manuel da Costa, antigo secretário de governo, Tomás Antônio Gonzaga, ex-ouvidor da comarca, Inácio José de Alvarenga Peixoto, rico empresário minerador. Dele também participavam vários religiosos e militares. Entre eles destacavam-se os padres Carlos Correia de Toledo e Melo, José da Silva e Oliveira Rolim e Manuel Rodrigues da Costa, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, comandante dos Dragões, os coronéis Domingos de Abreu Vieira e Joaquim Silvério dos Reis.
O movimento mineiro se inspirava na Revolução Americana e tinha planos para uma insurreição, primeiro na região mineira, e  depois a nível nacional. Nos planos também uma constituição semelhante à que os americanos tinham redigido para o seu jovem país, recém liberto do jugo inglês.
A insatisfação dos mineiros com o governo português já vinha de longa data. Por volta de 1780 as minas da região já davam sinais de esgotamento e as pessoas bem informadas da colônia sabiam que as autoridades da metrópole simplesmente abandonariam as províncias mineiras á sua própria sorte quando não houvesse mais nada a tirar dali . As receitas provinciais estavam caindo vertiginosamente, e isso desagradava a corte em Lisboa, que em face disso, impunha cada vez mais um regime de tirania, sujeitando o povo brasileiroa  um regime tributário escorchante e injusto.

Um desses odiados tributos era o chamado “quinto”, que obrigava a Província de Minas Gerais a pagar anualmente um quinto do ouro extraído na colônia; além disso, foi acrescida a obrigação de recolher anualmente cem arrobas de prata à coroa, independente de haver extração ou não. Face á queda da atividade mineradora, que se observava em fins do século XVIII, os mineiros não conseguiam cumprir esse compromisso. Foi em razão dessa inadimplência que o governo português decretou a chamada Derrama, operação de cobrança compulsória, para ser executada, sem aviso, em determinado dia, a ser definido pelo Governador.  Nesse dia, soldados do Governador das Minas Gerais, o Conde de Barbacena, varejariam todas as propriedades da região para efetuar a cobrança forçada.
Nessa altura a conspiração dos mineiros já havia se tornado um plano. Planejaram a insurreição para o dia da Derrama. Nascia então a chamada Inconfidência Mineira, que recebeu esse nome justamente pelo fato de que essa ação deveria ser conversada em segredo e não o foi. O plano era sair às ruas de Vila Rica, a principal cidade da região, e proclamar à República, sublevando a população e tomando, Palácio do Governador e as principais repartições públicas. Após o sucesso em Vila Rica, as ações seriam estendidas para as demais cidades mineiras, e logo, pensavam os conspiradores, ela se tornaria uma revolução nacional.

Todavia, entre os conspiradores haviam algumas pessoas que resolveram aproveitar a oportunidade para barganhar com o governo português o perdão de suas dívidas. Entre eles o coronel Joaquim Silvério dos Reis, o tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro e Inácio Correia de Pamplona, minerador luso-açoriano que tinha aderido ao grupo nos últimos dias. Esses traidores delataram ao Visconde de Barbacena o complô dos mineiros. Foi a primeira delação premiada que se ouviu falar no Brasil.
A Derrama estava programada para o dia 15 de março de 1789. Mas um dia antes, 14 de março, o Visconde de Barbacena, informado pelos delatores de que haveria muita resistência à ação, e que daí poderia uma sublevação cujas consequências eram impossíveis de prever, suspendeu a operação. Isso esvaziou o movimento e obrigou os inconfidentes a abandonar, momentaneamente, o plano.  
O fato foi comunicado ao Vice-Rei, que ordenou imediatamente a abertura de uma investigação. Essa operação, chamada Devassa, se transformou em um volumoso processo, que agora pode ser lido na íntegra na Internet. Todos os conspiradores foram imediatamente presos e interrogados. Joaquim José, que estava no Rio de Janeiro, provavelmente buscando apoio para a insurreição, foi preso em 10 de maio de 1789.



O PROCESSO

No processo que se moveu contra os conspiradores (erroneamente chamado de inconfidentes, pois inconfidentes foram os traidores), consta que eles pretendiam estabelecer um governo republicano autônomo, adotar uma constituição semelhante áquela que os americanos estavam adotando, montar fábricas de tecidos, munições e outras manufaturas, fundar uma universidade em Vila Rica e transformar a cidade de São João Del-Rei na capital da novel república. O primeiro presidente seria Tomás Antônio Gonzaga, que governaria por um período de 3 anos, após o que se promoveriam eleições para o cargo. Na república dos insurgentes mineiros não deveria haver um exército, mas toda a população seria autorizada a possuir armas e teria treinamento para formar uma milícia quando fosse preciso. Em principio, a ideia era lutar para obter a autonomia somente da província das Minas Gerais. O restante do país deveria promover seus próprios movimentos, os quais seriam apoiados pelos mineiros. Não se cogitava também, em princípio, em  dar liberdade aos escravos, mas aqueles nascidos no Brasil poderiam ter sua liberdade concedida, principalmente se aderissem ao movimento e lutassem por ele.
Consta das atas do processe que todos os conspiradores, com excessão de Joaquim José, negaram a sua participação no movimento. Ele não só confessou, mas também assumiu a responsabilidade pela liderança da conspiração, minorando a participação dos seus companheiros. Não se sabe por que ele assumiu essa postura. Provavelmente o fez por questões pessoais, já que ele foi pintado por algumas testemunhas como sendo uma pessoa vaidosa, que buscava promoção pessoal a qualquer custo. Ao assumir a liderança da insurreição, estaria Joaquim José, de olho na História. 

Durante os três anos de instrução do processo, os inconfidentes permaneceram presos. Alguns deles, cuja participação foi comprovada, foram condenados à morte; outros, sobre os quais pairavam dúvidas, foram condenados ao degredo. Mas por decisão de D. Maria I, regente de Portugal, algumas horas antes da execução da sentença de morte, todas foram alteradas para degredo. A única sentença de morte que foi mantida foi a de Joaquim José.
Tiradentes foi enforcado numa manhã de sábado, 21 de abril de 1792, em um patíbulo erguido no Largo da Lampadosa, Rio de Janeiro. Consta que a prolação da sentença era tão longa que o meirinho levou dezoito horas para lê-la por inteiro, como era praxe na época.
Após a execução seu corpo foi esquartejado. A cabeça foi pendurada num poste em Vila Rica e os demais restos mortais foram distribuídos ao longo do Caminho Novo,(estrada real que ligava o Rio às Minas Gerais).  Santana de Cebolas (atual Inconfidência, distrito de Paraíba do Sul), Varginha do Lourenço, Barbacena e Queluz (antiga Carijós, atual Conselheiro Lafaiete), são lugares onde, segundo consta do processo, ele fizera seus discursos sediciosos. Nesses lugares, partes do seu corpo ficaram expostas para mostrar ao povo da colônia como o governo português tratava os seus opositores. A casa onde morava Tiradentes foi arrasada e o chão salgado, para que nada ali mais nascesse.

O MITO

Historicamente, o personagem Joaquim José da Silva Xavier, chamado Tiradentes, só começou a ter alguma importância depois da proclamação da República. Essa falta de notoriedade deve-se ao fato de durante o período monárquico, sendo o trono ocupado por uma família portuguesa, os movimentos libertários de inspiração republicana eram propositalmente mantidos na obscuridade. Assim, nenhuma referência á insurreição mineira era permitida na mídia da época nem nos livros escolares.
Todavia, com a proclamação da República, seus inspiradores, todos de orientação positivista, começaram um trabalho de recomposição da memória nacional e estavam em busca de figuras heroicas que encarnassem o ideal republicano. Encontraram na figura de Tiradentes o personagem ideal, dai a mitificação da sua biografia, fazendo dele o herói nacional. A sua representação visual, de barba e camisolão, à beira do cadafalso, foi pintada com o propósito de apresentá-lo como um Jesus Cristo brasileiro, ou seja, o mártir da nossa independência. Na verdade, ele jamais poderia se apresentar assim na hora da sua execução, já que, na época era obrigatório que os presos tivessem a barba e a cabeça raspadas normalmente para evitar a proliferação de piolhos.
Tiradentes foi o único executado nessa conspiração, provavelmente pelo fato de ser talvez o mais humilde dos lideres dessa revolta e o único que, de fato, confessou ter tomado parte nela e até assumido a liderança. Os demais conspiradores eram figuras proeminentes na colônia e tiveram bons advogados, além do que, persistiram na sua inocência durante toda a fase do processo. A coroa precisava deles em outras funções, razão pela qual suas vidas foram poupadas. De uma forma geral a maioria deles foi reabilitada. Alguns, como o poeta Tomas Antônio Gonzaga terminou sua vida em Moçambique prestando relevantes serviços á coroa portuguesa.


O QUE TERIA ACONTECIDO SE ...

O que teria acontecido se a conjuração mineira não fosse atropelada e desmantelada pela delação premiada de Joaquim Silvério dos Reis e seus amigos é um exercício de imaginação que pode ser bastante atraente, especialmente após quase dois séculos de independência e ver que quase nada mudou em nosso país em termos de tradição e pensamento politico, econômico e social. Mudamos o nosso status de colônia subjugada por outro de colônia independente. Nossas instituições continuam tão feudais quanto o eram no tempo de Tiradentes. Especialmente em termos de Direito. Lendo o processo que foi movido contra os conjurados mineiros não conseguimos ver muita diferença entre o que se fazia na época de Tiradentes e o que acontece hoje, quando o julgamento envolve políticos ou gente, de alguma maneira, importante. Estes sempre escapam, enquanto os pobres coitados que se envolvem nesses casos é que sempre acabam como bodes do sacrifício. Ainda que seja um bode que se prontificou a ir para o sacrifício por conta própria, como parece ter sido o nosso glorioso Joaquim José da Silva Xavier. Um bode de coração valente.
Neste dia 21 de abril de 2015, não custa recordar o 21 de abril de 1792. E perguntar: o que fizemos até agora para merecer o sacrifício do Joaquim?
 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 21/04/2015


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras