“VENHA A NÓS TODOS OS VOTOS, SEJA FEITA A NOSSA VONTADE..”
“Pai nosso que estais no Congresso, santificado seja o seu Plenário. Venha a nós todos os votos, seja feita a nossa vontade, assim nas urnas como nas estatais. A grana nossa de cada dia dai-nos hoje e sempre, perdoai-nos a hipocrisia e a corrupção, assim como perdoamos os idiotas e ingênuos que votam em nós; e não nos deixeis cair na Polícia Federal, mas livrai-nos das garras do Janot. Amém.” (Pai Nosso dos políticos e da bancada evangélica no Congresso.)
Pedindo e rezando pelo fim da corrupção, milhares de evangélicos se reuniram na 23ª edição da Marcha para Jesus, em São Paulo, ontem, quinta-feira, dia de Corpus Cristi. A Polícia Militar estimou que 340 mil pessoas participaram do evento.
A caminhada, iniciada às 10h, na Estação da Luz, foi até a Praça Heróis da Força Expedicionária Brasileira, na região central da capital. Sem a presença de bebidas alcoólicas e com o apoio de 10 trios elétricos de música gospel, a multidão se aglomerou em frente a um palco montado na praça, onde artistas como Aline Barros, Ana Paula Valadão e outros davam os seus shows.
No meio da multidão podiam ser vistas algumas faixas pedindo intervenção militar. “SOS Forças Armadas” era a frase escrita nessas faixas, cujo grupo era liderado pelo empresário Renato Tamaio, que alega ter sido convidado pelos organizadores do evento. A passeata foi organizada pela Igreja Renascer em Cristo, mas contou com a participação de diversas outras congregações.
Os evangélicos são bem conhecidos pela sua militância política. Ao contrário dos católicos, cuja participação nessas lides sempre foi bem mais discreta, eles estão muito mais para o mundo em que vivem do que para aquele “outro mundo”, cujo reino Jesus Cristo reivindicava a coroa.
Historicamente essa movimentação evangélica se justifica plenamente. Afinal, a chamada Reforma Protestante protagonizada por Martinho Lutero teve muito mais fundamento político do que religioso, propriamente dito. E foi desencadeada justamente porque o poder dominante ─ uma coligação de príncipes e reis apoiados pelo Vaticano─ corrupto até a raiz dos cabelos, excluía a maior parte da sociedade dos benefícios e enchia as próprias burras á custa da credulidade popular.
Lutero, como se sabe, era um monge místico, fundamentalista, arrogante e intolerante, que julgava a si mesmo como um reformador da religião e um salvador do mundo. Sua rebelião arrastou um monte de políticos e religiosos que se ressentiam do domínio exercido pelo papa e seus bispos e acabou lançando a Europa num conflito que durou quase cem anos. E ainda conserva algumas brasas acesas pelo mundo atual.
Os evangelistas que escreveram as crônicas do Novo Testamento foram bastante cuidadosos em seus escritos ao falar de política. Todos eles cuidaram para que os adeptos da nova religião acreditassem que Jesus não se envolvia em política e que sua doutrina era essencialmente espiritualista, pois segundo todos eles “seu reino não era desse mundo.” Eles tinham uma razão muito pragmática para isso: não queriam chamar a atenção das autoridades romanas. Por isso preferiram centrar a sua propaganda no conteúdo espiritualista da mensagem de Jesus, escondendo o viés politico que ela continha. Mas a linguagem utilizada pelas pessoas, como bem demonstra Saussure, sempre denuncia os nossos pensamentos mais profundos, muito mais até que nossas palavras e atos. Ao usar palavras como “reino” “filho de Davi”, “rei dos judeus”, “Messias" como metáforas de um movimento que tinha por objetivo a divulgação de uma doutrina, implicitamente eles denunciaram o verdadeiro propósito de Jesus, que tinha em mente, com certeza, a visão de uma teocracia, talvez parecida com a que hoje pensam os jhiadistas do Estado Islâmico. Se alguém acredita que uma nação governada por um Deus é mais justa e humana do que aquela governada pelos homens, basta dar uma olhada na História, especialmente a História moderna, onde os “mensageiros de Alláh” tomaram o poder, para logo se desiludir.
Até hoje foi impossível separar religião de política. Talvez Jesus tivesse tentado, a se acreditar nos evangelistas, talvez não, a se crer nos judeus, que o prenderam e o entregaram ás autoridades para ser sentenciado e executado como perigoso agitador e inimigo da ordem pública. Destino bem apropriado, aliás, para um político cuja tentativa de revolução fracassou.
A marcha dos evangélicos contra a corrupção seria um fato novo e interessante se, no seu bojo, não estivesse presente a velha hipocrisia farisaica de todo movimento religioso quando se envolve em política. Pois são exatamente os evangélicos que elegeram uma das bancadas mais oportunistas, fisiológicas e corruptas que existem no Congresso Nacional: a chamada bancada do “venha a nós o vosso voto”. Eles são verdadeiros apóstolos de Edir Macedo, o aluno mais competente do inefável pastor Norman Vincent Peale, que transformou Deus em um gênio da lâmpada, realizador de todos os desejos humanos, inclusive os mais mesquinhos.
Eduardo Cunha, Antony Garotinho, Magno Malta e outros, fazem parte dessa bancada, só para a gente ter uma ideia de quem estamos falando. De acordo com dados obtidos através do site Transparência Brasil uma grande parte dos parlamentares pertencentes á bancada evangélica estão respondendo á processos judiciais na Justiça Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal por crimes de várias espécies, como peculato, improbidade administrativa, sonegação de impostos, formação de quadrilha ou bando, abuso do poder econômico nas eleições em que participaram, reprovação de prestação de contas nos Tribunais de Contas de estados e municípios de seus estados de origem.
É salutar que os evangélicos marchem e rezem pelo fim da corrupção. Mas antes seria de bom alvitre que eles parassem de plantar e adubar essa planta venenosa em seus próprios canteiros. E dessem o exemplo tirando o lixo do próprio quintal.
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João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 05/06/2015
Alterado em 05/06/2015