João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

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HOMEM MORRE APÓS COLISÃO FRONTAL ENTRE CARRO E CAMINHÃO  (...)
 
Um homem morreu após um acidente envolvendo um carro e caminhão na manhã deste sábado (20), na Rodovia  (..) . A vítima, de 43 anos, estava sozinha no carro, um táxi com placas de (...), e morreu no local. MSN - |Notícias- 21-06.2015
 
NÃO SAIA DE CASA ESTA NOITE
 
Heitor acordou com a aquela voz nos seus ouvidos. Foi a primeira frase articulada que vibrou dentro da sua cabeça naquela manhã.  Uma frase estranha, completamente estrangeira aos seus hábitos e aos seus interesses, que ele nem de longe conseguia suspeitar de onde viesse e por que motivos chegava ás bordas da sua consciência. Parecia vir do fundo de uma caverna, trazida pelo vento encanado de um túnel cheio de nichos e cavidades. Era uma voz cavernosa, espectral, sibilante, que lhe chegava como uma antiga transmissão de rádio feita em ondas curtas. Ele só conseguia distinguir uma frase curta, naquela profusão de chiados intermitentes, que incomodavam seus tímpanos e provocavam arrepios em sua pele como se alguém estivesse arranhando uma superfície rugosa, provocando aqueles ruídos que incomodam e fazem os pelos do corpo se arrepiarem todos.
“Não saia de casa esta noite” parecia ser a frase. Heitor convocou toda sua atenção auditiva para se certificar se era isso mesmo que ele ouvira. Talvez fosse apenas sua imaginação. Afinal, acabara de acordar. Podia ser apenas o eco de um sonho, uma frase solta que escapara de algum filme, música ou livro que lera no passado, e que perdida nos circuitos do seu cérebro, denunciara a sua presença e expressara a sua inconformidade por estar ali, expulsa do seu contexto, perambulando como uma alma perdida.
Sentado na cama tentara capturar de novo a voz, mas esta não estava mais nos condutos auditivos que levam o som á mente e depois aos órgãos da fala. Só ficara aquele chiado de onda curta que parecia bater nos seus tímpanos como se fossem as ondas do mar a quebrar em uma praia deserta.
Era estranho. Heitor não bebera a noite passada e no entanto acordara como se estivesse de ressaca. Aliás, ele bebia muito pouco. Raras cervejas em encontros com amigos, em um churrasco em fins de semana. E nem podia beber muito, pois seu trabalho assim o exigia. Depois de fazer a barba, tomar banho, beber o seu café da manhã, tudo estava esquecido. Teria sido mesmo um surto de imaginação, provocado pela memória desgarrada de um sonho que ele não conseguia lembrar. Uma bobagem que não valia a pena trabalhar como informação útil. Ele sabia que o nosso inconsciente é um celeiro que armazena tudo que o cérebro processa. Desejos conscientes e inconscientes, temores, prazeres, anseios, ódios e amores, sentimentos insuspeitos que jamais são trazidos á tona da nossa consciência porque a censura da nossa polícia moral não permite. Então, de vez em quando alguma dessas espécies submersas no pântano da nossa inconsciência escapa e sobe á superfície para nos lembrar que dentro de nós há uma fauna desconhecida, que não obstante todo o nosso esforço para suprimi-la, ela está lá, pulsante como uma célula viva, a reclamar um lugar nas nossas vidas.
Era nisso que Heitor pensava enquanto dirigia seu táxi pelas ruas da cidade. Durante o dia inteiro pensara nisso. Esquecera o incidente da manhã, mas não conseguira se livrar dos pensamentos que ele levantara. “Não saia de casa esta noite”. Seria o nome de um filme de suspense? Parecia. Uma frase solta, boba, despregada de qualquer contexto. E o entanto, quantos pensamentos e sentimentos ela não despertara nele. Pensamentos e sentimentos que nem julgava que tinha.
E eles o acompanharam o dia inteiro. E estavam ali, com ele, dentro do carro, naquele momento, como se fossem passageiros do quais ele não conseguira se livrar. Pensava no esforço que as pessoas fazem para enterrar em suas consciências o ódio, o rancor, a cobiça, a inveja, a mágoa de ser contrariado, a dor de não ser amado, a sensação angustiante da perda. “Aquele sujeito ali, que fica no meio da rua, esperando o semáforo fechar para fazer suas acrobacias idiotas em troca de algumas moedas que as pessoas lhe dão, muito mais por pena ou enfado, do que em troca da sua arte. Quanto não será o ódio que ele tem das pessoas que passam em seus luxuosos automóveis e olham para ele com aquela cara de desprezo e mal disfarçada tolerância? E no entanto ele tem que arquivar esse ódio no porão da sua consciência, pois se deixar que ele aflore, ao invés daquelas garrafas de boliche que ele usa para fazer acrobacias, ele comprará um revólver e sairá atirando em todo mundo.” E assim ele esquadrinhara a cidade inteira, no exercicio da sua profissão, dando campo a tais pensamentos,tentando adivinhar o que se passava na cabeça das pessoas.
 
Heitor é um professor de literatura que dá aulas durante o dia e á noite dirige um táxi para aumentar sua renda. Ele está dirigindo o seu táxi desde ás seis da tarde.  Dentro de alguns minutos ele irá parar em um semáforo. É quase meia-noite e ele está indo para casa depois de atender o último passageiro da sua longa e cansativa jornada diária. Durante o dia inteiro ele trabalhou como sempre fez, pensou, especulou, sepultou suas mágoas, dores, cansaço e desilusões, em uma conformada esperança de que o dia seguinte poderá lhe trazer alguma coisa melhor do que estava tendo hoje.
O semáforo ficou vermelho alguns segundos antes de ele invadir o cruzamento. As ruas estavam desertas e silenciosas. Não deu nem para ouvir o choque violento do caminhão que atingiu em cheio o seu táxi, praticamente cortando-o no meio. Ele não conseguiu ouvir porque justo naquele momento aquela voz cavernosa e sibilante, que o acordara pela manhã, tinha invadido novamente os condutos do seu aparelho auditivo. “Não saia de casa esta noite” dizia ela, agora em alto e bom tom. Mas agora já era tarde. Não dava mais para parar a roda do destino. Heitor morreu instantaneamente.
 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 22/06/2015
Alterado em 24/06/2015


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