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A MAÇONARIA E O MISTÉRIO DAS CATEDRAIS
Simbologia
Maçonaria é a arte que se propõe ensinar aos que nela se iniciam, a construção de um mundo melhor para si mesmo e para seus semelhantes. Isso se dá através da aquisição de um estado de consciência superior, que se pode chamar de espiritualidade. É um processo de aprendizado que se faz em direção ao exterior do ser, simbolizada pela construção de uma sociedade justa e perfeita, e na direção do interior do ser, que se realiza pela aquisição de um espírito livre, fraterno, leve, isento de preconceitos, ódios, temores e vícios que impedem o homem de ser verdadeiramente feliz. Por isso ela se resume numa metáfora muito citada na linguagem maçônica: “ erguer templos á virtude e cavar masmorras ao vício.” Esse processo é longo e exige máxima paciência, infinita tolerância e uma confiança sempre crescente nas virtudes do grupo e nos ideais que ele persegue. Simbolicamente, fazer Maçonaria é como construir um edifício. Cada Irmão é, ao mesmo tempo, uma pedra nesse edifício e um operário nesse canteiro de obras. Para o maçom, a pedra bruta que precisa ser lavrada é ele próprio. É seu próprio ser, sua própria mente que precisa ser libertada das “asperezas”, da mesma forma que a matéria prima sobre a qual trabalha o talhador. Iniciado, ele é uma pedra bruta que será trabalhada pacientemente a cuidadosos golpes de ponteira, como o faziam antigamente os maçons operativos. Quando ele se transformar numa pedra talhada deverá sofrer novo processo de aperfeiçoamento para se transformar em uma pedra cúbica. E como tal será levado ao “canteiro de obras da construção maçônica” Onde deverá cumprir uma função no “edifício” que a Arte Real se propõe a construir. O maçom aprende a trabalhar com martelo e cinzel da mesma forma que o artesão das pedreiras. Executa golpes estudados sobre a pedra para dar-lhe a conformação desejada: é bem como diz Lavagnini: “ Para labrar e pulir la piedra, asi como para darle o imprimir e grabar em ella uma forma ideal determinada, el martillo, solo nos sirve em proporción de como se aplica, de uma manera inteligente y disciplinada, sobre el cinzel. Y la combinasión de los dos instrumentos, expresando una idea o imagem ideal, hará de aquella misma piedra bruta (que puede ser inútilmente hecha pedazos com el sólo martillo, empleado sin la inteligencia constructiva) una hermoza obra de arte que, como La Vênus de Milo y el Apolo de Beldevere, son evidencias de um genio inspirador”[1] Maçonaria é, portanto, um processo, um magistério, um aprendizado que não se adquire em um só estágio, mas que demanda uma iniciação, uma preparação, um aperfeiçoamento e um acabamento. Uma longa jornada, que vai da mais humilde tarefa, praticada como mero reflexo muscular ativado pela repetição, à mais elaborada arte de engenho, na qual o espírito se envolve no seu mais alto grau de concentração.
A arte
Nas pedreiras de antigamente, o trabalho de cortar, desbastar e lavrar pedras era uma atividade de caráter iniciático. Trabalhava-se com maço, ponteira e cinzel em etapas distintas, conforme se quisessem pedras para alicerce, para parede ou para acabamento. Cada tipo de pedra era trabalhado por operários especialmente treinados para cada finalidade específica. Daí as graduações que se estabeleceram entre aprendizes e profissionais. Mais tarde, a atividade do artesão do maço (o maçom), evoluiu para um tipo mais sofisticado de trabalho, que já se podia chamar de arte. Foi quando ele começou a tirar da pedra outras formas, imitando a natureza no seu trabalho de formatação das realidades físicas. Esse tipo de trabalho demonstrava que o homem possuía uma inteligência criadora e que sua consciência podia ser refletida na natureza através das obras de suas mãos. A história da aplicação do engenho humano nas pedras se confunde com a história da evolução do seu próprio psiquismo. O termo maçom é derivado dessa ocupação e a espiritualidade que acompanha essa profissão é decorrente dessa projeção da consciência sobre a matéria, formatando coisas e objetos, numa imitação da própria atividade criadora de Deus. Podemos dizer que o primeiro maçom foi o homem que desbastou a primeira pedra bruta, transformando-a em material de construção. Daí dizer-se que a Maçonaria é tão antiga quanto a presença humana sobre a terra, pois ela é uma prática que pode ser considerada contemporânea dos primeiros grupos humanos. É bom que se diga, entretanto, que essa antiguidade só pode ser colocada enquanto prática operativa e atividade especulativa. Não é a Maçonaria como instituição, porquanto esta só apareceu no inicio do século XVIII a partir do trabalho de Anderson e seu grupo.
É também nesse sentido que podemos definir a Maçonaria como a arte de fazer interação entre a mente humana e os elementos da natureza para produzir obra de criação. Como prática operativa ela é o trabalho que constrói o mundo, e como atividade especulativa uma fórmula que aprimora o espírito. Em ambos os sentidos ela é arte de construir, é arquitetura. Nos antigos canteiros de obras do Egito e da Mesopotâmea já se costumava separar os trabalhadores em grupos distintivos pelos seus graus. Aprendizes não comungavam com Companheiros nem estes com seus Mestres. No próprio canteiro de obras do Rei Salomão, por ocasião da construção do Templo de Jerusalém, havia, segundo a Bíblia, profissionais e aprendizes de todos os tipos, desde cavouqueiros para abrir as valas, serventes para acarretar e transportar cargas, até mestres arquitetos e fundidores, como Hiram e Adoniram, este último também administrador da obra. Todavia, ainda que a mais acreditada tradição maçônica ensine que a formação da Loja Simbólica em Aprendizes, Companheiros e Mestres tem inspiração na construção do Templo de Jerusalém, que o Rei de Israel, Salomão mandou erguer em louvor á Jeová, a verdade é que essa estrutura vem dos antigos canteiros de obras egípcios e especialmente de suas pedreiras, cuja hierarquia contemplava essa divisão. Essa tradição iniciática, desenvolvida mais por necessidade prática do que por motivos religiosos, foi repassada aos canteiros de obras medievais diretamente dessa fonte, tendo incorporado a tradição salomônica muito mais pela influência que a Bíblia tinha sobre os espíritos medievais do que com base nas fontes históricas mesmo. Foi, entretanto, nos canteiros de obras medievais que a tradição de separar os trabalhadores por seus graus de profissionalização sacralizou-se, especialmente pelo fato das organizações dos pedreiros medievais estarem estreitamente ligadas á Igreja católica. Entretanto, como se nota nas obras dos antigos cronistas que escreveram sobre esse assunto, os Mestres maçons da antiguidade já haviam intuído a existência de um elo de ligação entre a arte de construir e as disciplinas morais e espirituais. Mestres que a história nomeou, como Nenrode, Hiram Abiff, Adoniram, Amemhotep, etc. foram, ao mesmo tempo, técnicos em construção de edifícios e taumaturgos. Nas suas obras se percebe, não só a obra do engenho humano, mas também a disciplina do espírito, a ensinar que a escalada do ser humano pelo edifício da vida cósmica deve ser feita em duas direções. Para fora de si, pela construção de uma sociedade justa e perfeita; e para dentro de si em busca de um caráter limpo e puro. Em todas essas obras há uma tentativa de conjugar o profano e o sagrado, como forma de realizar a tarefa que o Sublime Arquiteto nos confiou, que é a construção do universo, e ao mesmo tempo, consumar a união do espírito humano com a realidade divina, que é o Espírito do seu Sublime Arquiteto. O mistério das catedrais
O oficio de construtor sempre teve um caráter sacro, que incorpora uma mística própria e uma aura de espiritualidade que o tem acompanhado através dos séculos. Conquanto o costume de sacralizar seu ofício já existisse entre os artesãos da construção na antiguidade, foi somente na Idade Média que esse costume ganhou status de verdadeira tradição. A transformação da habilidade operativa em ideal especulativo foi a grande realização dos nossos Irmãos medievais. Foram esses profissionais, mais religiosos que técnicos, mais místicos que filósofos, que perceberam que o oficio de construtor, pelas suas características de integralização de formas, manipulação de símbolos e conhecimentos de geometria e matemática, era o que mais se prestava para atender á inclinação própria de uma cultura, que como a medieval, não distinguia o esotérico do exotérico. A arte de construir era aquela que permitia ao seu praticante, ao mesmo tempo, o provimento das necessidades profanas, necessárias para ganhar a vida, e uma realização espiritual, que levaria o seu praticante ao paraíso prometido pela religião. Especialmente a construção de igrejas, pela mística que nelas se imprimia, era o que mais se prestava a produzir nos seus construtores uma sensação de mágica transcendência, que os fazia crer serem eles os canais pelos quais fluía a própria inteligência divina. Na construção daqueles edifícios monumentais, os artistas da pedra acreditavam repetir o trabalho de Deus na construção do universo. Com efeito, a catedral medieval não era apenas o local onde os homens podiam sentir-se em comunhão com Deus. Ela era um simulacro do universo, onde todas as manifestações da existência humana se condensavam e encontravam o devido encaminhamento. Fulcanelli descreve magistralmente essa síntese do espírito medieval: “ Santuário da Tradição, da Ciência e da Arte, a catedral gótica não deve ser olhada como uma obra unicamente dedicada ao cristianismo, mas antes como uma vasta coordenação de ideias, de tendências, de fé populares, um todo perfeito ao qual nos podemos referir sem receio desde que se trate de penetrar o pensamento dos ancestrais, seja qual for o domínio: religioso, laico, filosófico ou social” escreve ele, denotando a densidade espiritual que se condensava naquele edifício, refletindo todas as tendências da vida medieval. “Se há quem entre no edifício para assistir aos ofícios divinos,” prossegue, “se há quem penetre nele acompanhando cortejos fúnebres ou os alegres cortejos das festas anunciadas pelo repicar dos sinos, também há quem se reúna dentro delas noutras circunstâncias. Realizam-se assembleias políticas sob a presidência do bispo; discute-se o preço do trigo ou do gado; os mercadores de pano discutem ai a cotação dos seus produtos; acorre-se a esse lugar para pedir reconforto, solicitar conselho, implorar perdão. E não há corporação que não faça benzer lá a obra prima do seu novo companheiro e que não se reúna uma vez por ano sob a proteção do santo padroeiro”[2]. Aí está, portanto, demonstrada de forma insofismável a convergência do espírito humano para um único ponto, onde ele poderia atingir um pico máximo de densidade, facilitando a comunicação com a divindade. Daí o fato de a catedral gótica ter sido considerada o arquétipo perfeito de todas as construções humanas e o modelo ideal para se realizar o aprimoramento do espírito através do trabalho manual. Essa mística, essa elevação da alma aos domínios mais sutis do espírito só iria ser alcançada mais tarde pela alquimia, cuja prática visava a mesma finalidade. Diante disso, parece-nos bastante apropriada a linguagem dos maçons operativos ao chamar Deus de o Sublime Arquiteto do Universo, enquanto eles eram seus Demiurgos, construindo fisicamente os modelos do universo divino, ou seja a igreja medieval, da mesma forma que que os arquitetos de Salomão o faziam com relação ao Templo de Jerusalém. Com efeito, na perfeição das formas, na solidez das estruturas, na harmonia do conjunto, obtida pela perfeição com que se elaborava cada detalhe, é preciso reconhecer, nessa obra máxima da arquitetura medieval, uma construção de espírito, realizada não só a partir da atuação do engenho humano sobre a matéria, mas da própria interação entre os espíritos da matéria trabalhada e do artesão que a manipulava. Dessa idéia á uma sacralização do oficio do construtor foi apenas um passo. E esse era o grande mistério das catedrais góticas.
O ofício sacralizado
Jean Palou diz que nos tempos primitivos o oficio sacralizado já pertencia ao domínio do esoterismo, razão pela qual seus conhecimentos eram transmitidos por iniciação.[3] Isso é verdade, pois embora todos os profissionais da construção, fossem, de certa forma, iniciados, somente a iniciação não lhe conferia uma realização espiritual total. Esta só acontecia com o cumprimento de uma longa cadeia iniciática, na qual se praticava uma liturgia ritual própria, onde o obreiro absorvia o “espírito” da profissão e com ele se interava tornando-se um eleito. “A iniciação”, escreve aquele autor, “em suas formas, em seus meios, em seus objetivos, Una em seu espírito, múltipla, porém, nas diferentes aplicações das técnicas peculiares a cada ofício, pela Sabedoria que preside á elaboração lógica da Obra, pela Força que possibilita sua realização efetiva, e pela Beleza que proporciona o Amor a cada realizador, isto é, o Conhecimento, ajudava o artífice a se despojar do homem velho, para se transformar num novo homem, criador de objetos e forjador de um novo mundo, finalmente harmonioso.[4] Eis o porquê de não se permitir ao iniciado, inicialmente um mero Aprendiz, compartilhar com os Companheiros-Mestres os mesmos símbolos, senhas, comportamentos e práticas. E mesmo entre Mestres se impunham distinções de grau, pois se todos eram iniciados e ostentavam os mesmos títulos profissionais, muitos poucos, entretanto, eram eleitos, ou seja, tinham obtido elevação espiritual de modo a serem considerados Mestres também nesse sentido. Quando a Maçonaria praticada mestres operativos evoluiu para o especulativo, e mais tarde, quando o especulativo integrou á sua liturgia as tradições do Hermetismo e da Gnose, a mística da profissão do construtor aliou-se ao encantamento próprio da prática alquímica e ao apelo emocional contido na mensagem gnóstica. Se anteriormente, o oficio de construtor se realizava num domínio que era antes de tudo religioso e social, passou, depois disso, a preencher um vasto campo no domínio filosófico e espiritual, pois a especulação, mais que a prática pura e simples de uma arte, ou uma técnica, exige mais da sensibilidade do artista do que a razão e a habilidade física requerem dele. O artista, o técnico, que antes aliava o sentimento religioso ás técnicas da sua arte, teve que buscar nos domínios do esoterismo as justificativas para a sua prática. Depois, no inicio do século XVIII, quando a Arte Real incorporou a mensagem iluminista, foi preciso o desenvolvimento de uma liturgia ritual que possibilitasse a divulgação da nova filosofia, mas que, ao mesmo tempo, transmitisse a mensagem iniciática original de uma sociedade que via nas técnicas de construção de um templo um reflexo do próprio pensamento de Deus aplicado na construção do mundo. A realização espiritual buscada no exercício do ofício, ou na prática da filosofia hermética, passara agora, a ser uma realização moral, onde o iniciado aprenderia a educar-se para ser virtuoso, a partir de um novo arquétipo de homem, que era o Homem Universal. Era um aprendizado de filosofia moral em busca de um êxtase espiritual que a cadeia iniciática da Maçonaria iria proporcionar aos que nela se iniciavam. Nascia assim, a Maçonaria moderna, aprendizado que combina a mística das grandes aventuras do espírito com a filosofia e a prática da ação social construtiva e inovadora.
[1] Aldo Lavagnini,- El Secreto Masonico,pg.61
[2] Fulcanelli- O Mistério das Catedrais, pg. 50
[3] Jean Palou- A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática, pg. 28
[4] Idem. Pg.39
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 31/07/2015
Alterado em 31/07/2015
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