João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


                                     
Sabemos que na tradição arcana, o termo Loja (em sânscrito Loka) designa as diferentes partes do universo onde a vida se manifesta. Essa é uma das informações que situa o conceito de Loja Maçônica no mesmo sistema de referências que temos da Árvore da Vida na doutrina da Cabala. em ambos os casos o têrmo refere-se ás diferentes idades, ou fases que a humanidade deve passar para cumprir o seu destino kármico.[1]
Destarte, na terminologia maçônica a terra seria uma Loka, assim como outras partes do Cosmo onde o Criador, supostamente, possa ter semeado alguma forma de vida. Nesse sentido, em termos puramente maçônicos, o pensamento humano, reunido em Loja e dirigido para uma finalidade definida, poderia influenciar na conformação do universo como um todo. Num sentido místico, metafísico, essa seria a função do maçom enquanto “pedreiro” da obra universal.  
Nasce daí a ideia de que a reunião dos Irmãos em Loja tem o condão de formar uma egrégora, ou seja, uma central de energia, da qual se beneficam os membros da Loja para a elevação dos seus espíritos e o próprio universo, que dela extrai harmonia e equilíbrio, necessários ao seu perfeito desenvolvimento. [2]
      Essa seria uma visão espiritualista dos propósitos da Maçonaria, como estrutura arquetípica da arquitetura cósmica, onde os maçons são vistos como “pedreiros da construção universal” realizando a obra que o seu Grande Arquiteto planejou e executa. Por isso, também, o templo maçônico, onde se reúne a Loja dos maçons é visto como sendo um microcosmo que reflete o macrocosmo, ou seja, uma representação simbólica do universo, onde a vida cumpre os seus ciclos energéticos, realizando sempre uma evolução no sentido da busca da perfeição suprema.[3]
 
       Quando se comparam a planta de um templo maçônico e um desenho da Árvore da Vida, não podemos nos furtar de fazer algumas analogias, tanto visuais como conceituais, pois, para o propósito para o qual as duas plantas foram desenhadas, as relações são bastante visíveis.

      De pronto se vê que ambas são construídas utilizando-se planos geométricos bem semelhantes. Os pontos de emanação da energia, nos dois conjuntos, formam triângulos que se opõem pelo vértice, permitindo que a emanação da energia percorram os pontos de convergência e distribuição que se situam nos locais onde se colocam as séfiras, na Árvore da Vida, e pelos pontos onde se distribuem os altares dos oficiais, em uma Loja maçônica.
     A correspondência é notável, conquanto do ponto de vista geográfico, os altares de alguns oficiais da Loja tenham sido deslocados para outros locais dentro do templo, o que acreditamos tenha ocorrido pela necessidade de facilitar a locomoção interna. Mas essa disposição, adotada apenas por questões pragmáticas, não invalida a analogia feita, de que a Árvore da Vida e a Loja Maçônica são correspondências simbólicas da mesma ideia.
     Essa constatação pode ser feita através da análise dos significados de cada séfira na Árvore da Vida e do simbolismo atribuído a cada cargo dentro da Loja e da própria mística que se atribui á um e outro desenho.
     Na Cabala, a Árvore da Vida retrata a formação do universo físico e espiritual, através da emanação da Luz que vem dos Três Véus da Existência Negativa[4]. Ele se manifesta como Luz Ilimitada e percorre as esferas da Árvore da Vida, na forma de um Relâmpago Brilhante. É como uma chama que desce da primeira e primordial esfera (kether), verticalmente, acendendo a segunda (Chokmah), e esta acendendo a terceira (Binah). E assim sucessivamente, até á ultima (Malkuth). É a superior transmitindo a luz para a inferior, sem perder a própria luminosidade, que continua intacta. E dessa forma o universo cabalístico se mostra como uma emanação do Principio Criador que se derrama pelo nada cósmico, gerando a realidade universal.
                         
Planta do Templo                             Árvore da Vida
 

Da mesma forma, o universo maçônico se realiza na Loja. Tanto em relação ao universo físico quanto ao espiritual. E o que é verdade para a totalidade cósmica também o é para o mundo individual do iniciado, que na interação com seus Irmãos, e no influxo da energia gerada pela egrégora, lapida o seu próprio caráter.
Do céu para a terra, da terra de volta para o céu. O macrocosmo refletindo no microcosmo e deste voltando, como reflexo trabalhado pela consciência modificada do Irmão, para a imensidade cósmica. É assim que se compõe o edifício universal, como tal visto pela mística que a atividade maçônica inspira ao espírito do iniciado maçom. Aqui está inserta a antiga tradição egípcia simbolizada pelo culto á deusa Maat, cuja prática visava o mesmo resultado, ou seja, trazer para a terra o influxo da vontade divina e projetar de volta o reflexo dessa vontade no coração dos homens, como resultado da relação entre o divino e o profano.
Destarte, essa é a ideia que está inserta na teoria da egrégora, que por definição é uma congregação de espíritos, reunidos para fins de promover a sinergia necessária para a produção da energia capaz de renovar os espíritos dos Irmãos e dirigi-los em seus trabalhos. Daí se dizer que função da egrégora maçônica é colocar “ordem no caos” (ordo ab chaos), como tal entendida a construção da harmonia, a paz social e o progresso da civilização, como objetivo coletivo e o equilíbrio psíquico e a própria felicidade pessoal do Irmão, como objetivo individual.
Esse também é o objetivo da prática da filosofia contida na Árvore da Vida em seu conteúdo filosófico. Porque não é possível á uma pessoa em guerra consigo mesma pretender atuar como pacificador ou condutor de processos destinados a fazer a felicidade das pessoas. Nem pode uma pessoa em guerra com o mundo encontrar, por si mesma, a própria paz interna . O homem precisa estar em equilíbrio consigo mesmo e com o mundo em que vive. Essa é a função da prática da filosofia contida na Árvore da Vida e da maçonaria desenvolvida pela Loja que o maçom frequenta.
É nesse sentido que visualizamos na prática maçônica uma semelhança muito estreita com aquela sugerida pela Cabala. E se no desenho da Árvore da Vida pode ser lida uma mensagem de sabedoria para uma vida espiritual equilibrada e sadia, a Loja maçônica é o correspondente geográfico desse esquema místico, onde essa mensagem é ritualizada para que ela se incorpore ao psiquismo do Irmão como regra de comportamento. Como bem diz Ann Willians Heller, a “ Árvore da Vida é uma forma de vida, uma maneira de viver, de pensar, de se relacionar, de despertar, uma forma de autodescoberta, um modo de compartilhar(...)”.[5]
Da mesma forma, nenhum maçom, que de fato viva a Maçonaria, poderá negar a similitude de objetivos e a semelhança de propósitos que pode ser observados em um e outro sistema. Por que, tanto no sistema cabalístico descrito na Árvore da Vida, quanto nos trabalhos de Loja, ocorre o que diz a mestra acima citada: as questões espirituais são tratadas como questões materiais e as materiais como espirituais. Funde-se, dessa forma, matéria e espirito em um todo integrado, já que nenhuma pessoa pode encontrar a felicidade vivendo unicamente no mundo da matéria ou do espírito. E nem o mundo em que vivemos.[6]
 
Segundo René Guenón, a Loja é um modelo metafísico do universo e por reflexo, da própria humanidade.[7] Por outro lado, nenhum maçom ignora que o desenho e a disposição dos oficiais, dos paramentos e símbolos do templo macônico são desenhados e distribuídos na forma de um fluxograma místico, destinado a representar uma rede de relações cósmicas, destinada a captar um fluxo energético, para a obtenção de certo resultado. Esse resultado é o equilíbrio do psiquismo do Irmão e do mundo em que ele vive. É nesse sentido que o rital estipula que após o início da secção, a “nenhum Irmão é permitido passar de um lugar para outro nem se ocupar de assuntos proibidos pos nossas leis”.[8] Essa medida é necessária para evitar que o deslocamento ou a dispersão dos espiritos dos Irmãos congregados em Loja interrompa, ou bloqueie o fluxo energético que deve percorrer a egrégora. 
Por outro lado, todo Irmão sabe que o movimento dentro do templo, em reunião da Loja, deve ser feito com uma certa ritualística, cujo sentido é muitas vezes ignorado, mas, a partir da visão que estamos colocando neste trabalho, torna-se perfeitamente compreensível. É que a Loja, reunida em seção ritualística, também tem, como a Árvore da Vida, os seus “caminhos”, por onde a energia cósmica flui. Assim, percorrer de forma equivocada esses “caminhos” pode obstruir ou desviar esse fluxo energético, e todos sabemos que qualquer tipo de energia, desviada dos fins para os quais foi captada, acaba fazendo mais estragos que benefícios.
Tal como na Árvore da Vida, onde a séfira Kether, a coroa da criação, é primeira atuação da Energia Criadora no mundo das realidades manifestas, na Loja e´o Venerável Mestre que exerce essa função. Na Árvore Sefirótica, Kether é o momento número um da criação, canal receptor por onde a Luz do Principio Criador penetra no mundo. Essa luz vem de “fora” do mundo manifesto. Da mesma forma, a autoridade do Venerável Mestre da Loja é algo que transcende a sua própria pessoa, pois ele também a recebe de “fora”, por escolha da própria Loja e pelo referendo dado pelos Irmãos. Na Árvore da Vida, Kether, a coroa da criação, depois de refletida nas duas séfiras seguintes, Chokmah e Binah (formando a primeira trindade Sefirótica), e onde se veste de sabedoria e compreensão, tem sua luz “filtrada” pela séfira oculta Daath. Isso ocorre para que, revestida dos atributos da matéria a Luz que ela irradia transcenda do mundo da formação, ou seja, o mundo espiritual (Atziloth)  para o mundo seguinte, o mundo arquetípico (Briah). Assim, também o Venerável Mestre também precisa escudar a sua autoridade na presença do Livro Sagrado, que deve estar sempre á frente do seu altar, para refletir e referendar essa autoridade.
A séfira oculta Daath, como sabem os estudantes da Cabala, não é uma esfera de emanação, como as demais séfiras da Árvore. Ela é a esfera do Conhecimento, ou seja, uma espécie de véu que filtra a emanação divina que vem do Mundo da Formação (Yetzirah) emanado pela primeira trindade (Kether, Chockmah e Binah). Ela “filtra” essa emanação na forma de conhecimento, para que, assim revelada, a “Vontade” divina manifestada possa ingressar no mundo das realidades manifestas na forma de “leis universais”, para dar ao universo físico as suas leis de formação. Na ciência física que estuda a formação do universo poderíamos chamar a séfira Daath de “Vontade Oculta” de Deus a formatar as leis que regulam o desenvolvimento e o equilíbrio do edifício cósmico. Na antropologia do psiquimo humano poderíamos chamá-la de Inconsciente Coletivo da Humanidade (no dizer de Jung). Não é sem razão que os sábios cabalistas, ao se referirem ao mundo que emana da primeira trindade Sefirótica, após filtrado pela séfira oculta Daath, chamam a esse mundo de o plano de Briah, o Mar Primordial, mundo criativo, ou seja, o mundo onde transita a comunidade angélica e onde os pensamentos humanos, na forma de arquétipos, são pescados. E ao mundo anterior, formado pela Trindade Divina (Kether, Chokmah e Binah), eles dão o nome de Atziloth, o Mundo Arquetípico, mundo da formação, onde a energia masculina, positiva, (Chokmah, a sabedoria) encontra a energia feminina, negativa (Binah, a compreensão) e dessa interação nascem as formas geométricas. Na mística do tradição maçônica, esse raio de luz, esse Relâmpago Brilhante que emana de Kether, passa por Chokmah e fertiliza Binah é a chamada Espada Flamigera. É dessa conjunção que surge a Estrela Flamigera, representada pela Geometria, que significa a forma, a Luz do Principio Criador manifestada em Beleza, que na Árvore da Vida é a séfira Thipareth.[9]
 Por isso, na planta da Loja, aberto em seu altar, o Livro Sagrado não é uma esfera de recepção e emanação de energia, mas sim um veú que a filtra e purifica, fazendo com que todas as emanações energéticas ali captadas saiam purificadas do Oriente para o Ocidente da Loja, da mesma forma que faz com que elas voltem puras do Ocidente para o Oriente, onde se situa o Altar do Venerável Mestre. Assim, a autoridade do Venerável vem de “cima” e é referendada e justificada pela Lei. O Livro Sagrado é pois, a lei manifesta, e seu intérprete é o Orador, que na Árvore Sefirótica equivale a Binah. E sua posição, como Daath no desenho da Árvore, é entre o Orador e o Secretário, que na Árvore Sefirótica correspondem a Chokmah (Secretário) e Binah (Orador) respectivamente.
 

 
[1] Ver, a esse respeito a nossa obra O Tesouro Arcano, publicado pela Editora Madras, São Paulo, 2013
[2] Idem. Ver a nossa introdução a esse tema, publicada na obra acima referida.
[3]Ver a esse respeito René Guenon- Discursos Sobre a Iniciação- Ed. Pensamento, São Paulo, 1968.
[4] Os Três Veús da Existência Negativa é um simbolismo utilizado pela Cabala para designar a Energia Criadora (Deus) antes de ela se manifestar como Luz. Como está expresso no livro da criação (Gênesis, 1:3): “ Exista a Luz. E a luz existiu.”
[5] Ann Willians Heller, Cabala, o Caminho da Liberdade Interior- Editora Pensamento, 1990. O conflito entre o Oriente e o Ocidente, que atualmente ameaça o mundo com uma nova guerra mundial, é, a nosso ver, um reflexo desse desequilíbrio entre o mundo da matéria e o mundo do espírito. O Oriente (as seitas islâmicas fundamentalistas)  vê o Ocidente como se ele fosse o reino de Satan, mergulhado no pecado e no materialismo ateu e amoral. Por seu turno o Ocidente vê essas seitas fundamentalistas e seus seguidores como indivíduos que ainda vivem na Idade das Trevas, seguindo uma doutrina obscurantista e destrutiva dos melhores ideais da humanidade.
[6] Idem, pg. 23
[7 Estudos Sobre o Esoterismo Cristão. São Paulo, Ed. Pensamento, sd.
[8] Conforme o Ritual de abertura dos trabalhos em Loja.                                       
[9] No antigo Egito essa estrela aparecia nos ritos e práticas sagradas na forma de um astro filosófico com uma dupla face que representava a materialidade e a imaterialidade da divindade e a sua projeção no homem. Conforme afirma Bernard Rogers ( Descobrindo a Alquimia, ), os hierofantes egípcios chamavam a essa estrela “Shá”, designando ser ela, ao mesmo tempo uma porta e um ensinamento, que correspondia, para todo aquele que se iniciava naqueles Sublimes Mistérios, a uma decisão, (atravessar uma porta, penetrar numa outra realidade) e a uma aquisição mental, que era a sabedoria iniciática. Ver a esse respeito a nossa obra Mestres do Universo, Publicada pela Biblioteca 24x7, São Paulo, 2010.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 18/08/2015
Alterado em 18/08/2015


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