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A vida tem sentido? Essa pergunta tem sido feita desde que o primeiro homem teve consciência de si mesmo e perguntou-se o que ele era no contexto geral da natureza e qual seria o seu papel nesse processo todo. Nascia, concomitante com esse questionamento, esse estranho campo de investigação do pensamento humano, que é a metafísica, ou, como querem alguns estudiosos, a ontologia.[1]Na Bíblia esse questionamento já aparece em especulações feitas pelo salmista quando pergunta a Deus : Que é o homem mortal para que te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites? Pois pouco menor o fizeste do que os anjos, e de glória e de honra o coroaste.[2/ O poeta que fez essa especulação não tinha, como é óbvio, as dúvidas levantadas por Platão e Aristóteles, nem por pensadores mais recentes como Kant, Spinoza, Nietzsche, Sartre e outros que se debruçaram sobre essa espinhosa questão de encontrar um porque de existir e ser como somos em um mundo onde a vida só parece ter o valor que nós mesmos lhe damos e por isso ela seria apenas uma jornada entre o ser e o nada.[3] Isso porque os hebreus, antecessores dos judeus, ao intuírem a idéia da existência de um Deus único, acabaram também dando resposta á essa questão, situando o homem no centro de um processo divino de construção cósmica, que tem início, meio e fim. Com isso criaram uma escatologia onde tudo converge para um resultado, no qual o ser humano é um ator de fundamental importância.[4] A questão da finalidade da vida e da importância do homem no processo de construção e desenvolvimento do universo sempre foi tema central em praticamente todas as religiões. O Taoísmo, antiga filosofia dos chineses, por exemplo, dava pouca importância ao homem na condução desse processo, embora fizesse dele o agente responsável pelo preenchimento do chamado “vazio cósmico”, pois sendo ele o estofo da chamada “ Cem Famílias”, era para ela que o Tao, Princípio Único que dá origem e comanda todas as coisas, atuava.[5] Todavia, para os taoístas, o homem, individualmente considerado, tem um significado e uma importância apenas factual. [6] Já a filosofia vedanta, desenvolvida pelos sãibios do hinduísmo, concede ao homem uma grande responsabilidade nesse processo, porém sua atividade é, de certa forma, nociva, pois o homem, agindo sempre pela força do ego, acaba criando um mundo ilusório (maya), eivado de culpa e maldade, que o faz gerar um karma ruim para si mesmo. Dessa forma, toda a atividade humana estaria sujeita ao dilema do agir ou não agir, pois não agindo o homem sujeita seu ego a uma imobilidade que o isenta de culpa, ao passo que, agindo, a sua culpa se acumula. Daí a filosofia dos Vedas ter se preocupado em encontrar uma fórmula que resolvesse esse impasse. Um dos caminhos foi o desenvolvido pelos sábios que criaram a Ioga e as técnicas de meditação como forma de purificar a mente das impurezas da matéria e com isso alcançar a iluminação. Esse é o caminho seguido pelos iogues e pelos adeptos da mentepsicose, incluindo nesse rol os discípulos de Sidarta Gautama, conhecido como Buda. Outro caminho é o preconizado pela Baghavad Guita, a Sublime Canção, que pretende ensinar o caminho para o reto-agir, ou seja, uma fórmula de auto-conhecimento, mediante o qual o homem pode realizar as ações corretas sem contaminar-se pelos desejos egoístas e assim, isentar-se de culpa. No fundo, a poesia da Guita repete os preceitos da doutrina socrática no sentido de só pode descobrir o sentido da vida aquele que aprende a conhecer a si mesmo.[7] Esse também é o caminho da Cabala, como veremos no desenvolver deste estudo.
(continua)
[1] Ontologia (do grego ontos+logoi) "conhecimento do ser") é a parte da filosofia que trata da natureza do ser, enquanto existência física e das causas transcendentais que sustentam essa existência. Nas obras de Emmanuel Kant ela é tratada como parte da metafísica, ou seja, um segmento da filosofia que investiga a causa primeira de todas as coisas existentes no universo real.Aqui inclui-se também a psicologia e a teologia, que estudam a atividade psiquica do homem e a sua relação com a divindade.
[2] Salmos, 8:4 [3] Referência á obra de Jean Paul Sartre “O Ser e o Nada”. Obra fundamental do filósofo francês, que estabelece os princípios do Existencialismo, filosofia que proclama o livre arbítrio do homem como única fórmula existente no mundo para criar a realidade existente.
[5] As “Cem Familias” é designativo de humanidade na filosofia taoísta.
[6] Um dos mais significativos versos do Tao Té Ching, diz: “O Céu e a Terra não são humanos; Não tem qualquer piedade; Para eles milhares de criaturas são como cães de palha que serão detruídos no sacrifício (...). Essa ideia pressupõe que a natureza, para realizar sua missão, não se importa com nossos desejos e esperanças. Nós somos parte de uma engrenagem que realiza um trabalho e nada mais.
[7] Bhagavad Guita- Tradução de Huberto Rohdein- 11º Ed. Martin Claret, São Paulo, 1990
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 01/10/2015
Alterado em 01/10/2015
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