O ENGRAXATE
Por Maria de Lourdes da Silva
─ Moço, me dá um cigarro?
Eu estava lá, observando aquela paisagem suburbana, perdida entre imensos prédios.
E ao invés de se admirar o azul do céu e as estrelas fazendo a aurora, via-se apenas os imensos arranha céus cobrindo toda a vaga da noite. O ar suburbano sufocado pela fumaça que esboçava das chaminés das pequenas e grandes empresas do centro da cidade.
Ignorei aquela voz, talvez fosse apenas a minha imaginação confusa pelos pensamentos que invadiam a minha cabeça naquele exato momento. E de novo aquela voz ecoou no ar : ─ Moço, oh Moço, me dá um cigarro?
Resolvi olhar para trás e mandar embora, quem quer que fosse, mas me deparei com uma figura minúscula: era um moleque negro, trajando uma camisa listrada e toda suja de graxa, o calção aos remendos. Nos pés absolutamente, nada e nas costas ele trazia o seu instrumento de trabalho, uma caixa de engraxate e com os olhos esbugalhados indagou mais uma vez :
─ O senhor tem um cigarro para me arrumá? Confuso respondi que ele não tinha a idade para fumar e que o cigarro também lhe fazia mal.
Ele me olhou perturbado e me perguntou: Se faz mal então porquê fuma ?
Não respondi nada apenas me virei novamente para frente do mar e continuei com os meus pensamentos, antes daquela interferência inocente.
─ Onde você mora? Perguntei a ele.
─ Moro no morro, moço, desço aqui bem cedo, para engraxar os “buti” dos gringos e arrumá um pouco de dinheiro para casa. ─ E o senhor? não tá com cara de gringo não, hein...
Ele conversava comigo como se já me conhecesse há muito tempo, era desembaraçado e alegre.
─ E não sou mesmo! – respondi com a voz tremendo.
─ Acabei de perder o emprego, tenho filhos para criar, a situação lá em casa está difícil, o custo de vida alto e fui despejado, não sei o que fazer... às vezes tenho vontade de morrer, sabe?
─ Vixi, Moço, credo, morrer que nada! Que desânimo! Não tem trabaio, vamu engraxá sapato, ué, o que quê tem? ─ Disse ele com um sorriso no rosto e dando de ombros.
Olhei para ele desanimado, como aquela figurinha poderia entender de vida? Mas ele não desistiu e insistiu: ─ vamos moço, você tem que ser forte e superar tudo.
Superação, superação! Que palavra mesmo é essa e está no dicionário? Pensei.
─ Lá em casa o arroz nunca fartô, moço. O senhor não pode se acovardá logo agora, tem que mostrá que é homi e ir á luta.
Olhei para ele de canto de olho e ele continuava firme me observando. Me virei de frente para os prédios como estava antes e fiquei pensando nas palavras daquela pequena criatura tão inocente e quando me voltei ele já não estava mais ali. Não havia sequer sombra ou rastro dele na areia. Por um instante achei que fosse coisa da minha imaginação e que estivesse sonhando, mas lá no fundo da minha alma eu sabia que era real.
Dei de ombros joguei a jaqueta às costas e comecei a caminhar de volta para casa e de repente ouvi de novo aquela voz:
─ Obrigado por não me dar o cigarro moço!
Olhei para trás e não vi ninguém, apenas o sussurro das ondas na praia e mais adiante os gigantescos prédios e os enormes arranha céus, a fumaça poluindo o ar, as buzinas dos automóveis e as plaquetas luminosas dos anúncios em gás neon da cidade.
Virei as costas e fui embora...
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Maria Lourdes da Silva é escritora e Poeta Nasceu em Suzano e começou a escrever aos 9 anos de idade. Participante ativa do grupo Entremeio Literário, com publicações de Poesias em coletâneas e exposições, tem vários artigos publicados em Jornais e participa como jurada há 12 anos de um Concurso Literário de Contos e Crônicas, coordenado pelo Jornal DS- Diário de Suzano. Publicou recentemente o primeiro Livro :A menina que queria roubar a Lua, e esta escrevendo outros dois livros : " O dono da Rua" e "Uma passagem para Dubai".
E-mail: dulis07@bol.com.br
MARIA LOURDES DA SILVA
Enviado por João Anatalino em 14/10/2015