João Anatalino

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                          O que é a Árvore da Vida              
                                                      
     A Árvore da Vida, ou Árvore Sefirótica da Cabala  é um desenho mágico- filosófico que pretende descrever como Deus constrói o universo físico e espiritual através de suas emanações. Ela tem a forma de uma árvore, que projeta dez ramos, ligando 32 caminhos, os quais simbolizam, cada um deles, uma fase de construção do universo material, que também é refletida na formação orgânica e espiritual do homem, pois o corpo humano, na tradição cabalística, é uma réplica do próprio universo, e seu desenvolvimento obedece ás mesmas leis. Por isso se diz que a Árvore da Vida é, ao mesmo tempo, um desenho que representa a realidade cósmica e o próprio homem, enquanto modelo mais perfeito da criação universal. Essas emanações recebem o nome de séfiras (sephirots).
      Na moderna Cabala filosófica as séfiras podem ser interpretadas tanto como leis naturais, energias criadoras, como também podem ser lidas como leis biológicas e estados de consciência a determinar a formação física, moral e espiritual do homem. Ou seja, podem ser interpretadas tanto microcosmicamente, do ponto de vista do ser humano, como macrocosmicamente, do ponto de vista do universo em geral. Os modernos cabalistas, que utilizam a Árvore da Vida como ferramenta de análise psicológica e fórmula de auto-ajuda, dizem que ela deve ser lida de cima para baixo quando se trata de interpretar a ação divina na construção do universo como um todo, e de baixo para cima quando a intenção for a de entender a estrutura e o papel do homem nesse processo.
     Nos capitulos seguintes falaremos com maior pormenor sobre a estrutura e o significado dessa fantástica intuição dos mestres cabalistas, mas por ora será bastante dizer, para melhor compreensão do tema, que a Árvore da Vida começa com a Séfira Kether, a chamada coroa da criação, primeira emanação da essência divina no mundo, a causa primeira de todas as coisas. Ela aparece na forma de uma centelha brilhante, pura luz, infinita e ilimitada. Daí essa luz vai descendo, como um raio flamejante,  pela estrutura da Árvore, cujos ramos (séfiras) vão se formando por ação do influxo recebido dessa primeira séfira, e se comunicando ás séfiras seguintes, as quais, por sua vez, comunicam seus próprios influxos umas ás outras, de cima para baixo e de baixo para cima, através dos trinta e dois caminhos, até a séfira Malkuth, que representa o mundo material.
Assim, de cima para baixo, a Árvore da Vida vai se tornando cada vez mais densa, representando a realidade material. E de baixo para cima ela se torna cada vez mais etérea, sutil, representando a realidade espiritual. Como veremos em capítulos posteriores, essa formidável intuição cabalista guarda muitas semelhanças com modernas teorias cientificas que explicam a criação do universo, e também com respeitadas correntes de pensamento que veem o universo como uma construção sendo estruturada por forças que agem de dentro para fora (expansão) e de fora para dentro (compressão).[1]

                             

 
Árvore da Vida e Árvore do Conhecimento

     Cabe aqui fazer uma distinção que na tradição cabalística é muito importante para efeitos de compreensão. Trata-se da diferença entre Árvore da Vida e Árvore do Conhecimento. Esses dois termos aparecem na Bíblia, como símbolos, um (a Árvore da Vida) da própria existência do ser humano; o outro ( a Árvore do Conhecimento) como símbolo da ciência do bem e do mal. Com efeito, é o que se lê em Gênesis, 2:9: “E o eterno Deus fez brotar da terra toda árvore agradável á vista e boa(seus frutos) para comer, e a árvore da vida estava no meio do jardim , assim como a árvore do conhecimento do bem e do mal.” [2] Eram portanto duas árvores, uma que, se provado os seus frutos, daria ao indivíduo que o fizesse o conhecimento do bem e do mal, e a outra, cujos frutos lhe dariam a vida eterna.
      A visão bíblica dessa simbologia parece sugerir que Deus pretendia manter o ser humano em uma feliz inocência da sua própria condição, pois ao advertir o casal humano sobre os perigos de comer os frutos do paraíso, Ele foi enfático quanto ao perigo de comer do fruto do conhecimento, pois se o fizesse, o homem se tornaria semelhante aos seus criadores. “Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, pois no dia em que dela comeres, morrerás” disse o Eterno. [3] E mais enfático ainda foi com referência aos frutos da Árvore da Vida: “Agora, talvez ele (o ser humano) talvez estenda a mão e tome também da árvore da vida, coma e viva para sempre.[4] 
           
A Árvore da Vida e a Evolução
 
Como entender essa estranha simbologia imaginada pelo cronista bíblico, senão que o Eterno planejou a sua Criação  de forma que ela pudesse evoluir, em diversos ramos distintos, como se ela fosse, de fato uma árvore. Constrói-se, assim uma biogênese, na qual é possivel seguir os filamentos que ela manifesta, verificando os graus de complexidade que cada espécie assume em cada momento específico de sua vida.
Teilhard de Chardin, cujo pensamento tem nos socorrido em praticamente todos os enigmas em que os exegetas da Bíblia não o conseguem, nos dá uma boa compreensão desse tema ao se referir á Arvore da Vida, que na sua visão, é o próprio fenômeno da Criação, nele compreendido todas as manifestações de existência orgânica, desde a primeira e indivisível célula, até o organismo mais complexo que a Natureza engendrou, que é o homem. Em páginas de infinita beleza poética esse magistral filósofo nos mostra como esse “pecado”, qual seja, a aquisição do conhecimento, que nos tirou do estágio da pura instintividade animal para lançar-nos no espaço da inteligência refletida, ocorreu: “ Do ponto de vista experimental, que é o nosso, a Reflexão, como a própria palavra o indica, é o poder adquirido por uma consciência de se dobrar sobre si mesma, e de tomar posse de si mesma como um objeto dotado de sua própria consistência e de seu próprio valor; não mais apenas conhecer ─ mas conhecer-se; não mais apenas saber, mas saber que sabe. Por essa individualização de si mesmo, no fundo de si mesmo, o elemento vivo, até aqui espalhado sobre um círculo difuso de percepções e de atividadess, acha-se constituído, pela primeira vez, em centro punctiforme, onde todas as representações e experiências se entrelaçam e se consolidam num conjunto consciente de sua organização.”[5]
Com isso, esse grande filósofo está a nos dizer que uma organização celular ocorrida no interior do organismo humano, mais propriamente uma concentração energética sobre um órgão do nosso corpo, o cérebro, nos fez diferenciar do ramo dos primatas, ao qual pertencemos como espécie. A vida interior, refletida sobre si mesma, nos proporcionou esse salto evolutivo que a a Bíblia chama de “comer o fruto do conhecimento do bem e do mal”. O nascimento do Adão terrestre, portanto, na forma como a Bíblia o coloca, ser inteligente e “imagem” do seu Criador, deu-se portanto, no momento em que ele capturou uma consciência, e o “pecado”, que na dicção bíblica se traduz por comer o fruto da Árvore do Conhecimento, foi o momento limite em que ele praticou a sua primeira reflexão, tomando conhecimento de que tinha um ego, um “self”, que o identificava e lhe dava a capacidade de classificar e entender os próprios pensamentos. Eis  como a ciência moderna descreve esse momento singular: “ Há cerca de cem milhão de anos, o cérebro dos mamíferos deu um grande salto em termos de crescimento. Por cima da tênue córtex de duas camadas ─ as regiões que planejam, compreendem o que é sentido, coordenam o movimento ─, acrescentaram-se novas camadas de células cerebrais, formando o néocortex. Comparado com o antigo córtex de duas camadas, o neocórtex oferecia uma extraordinária vantagem intelectual.
O neocortéx do homo sapiens, muito maior do que o de qualquer outra espécie, acrescentou tudo que é distintamente humano.(...) [6]
Até esse momento, os hominídios, como diz Teilhard de Chardin, acompanhavam a filogênese da criação, apenas como mais um ramo da Árvore da Vida, em seu desenvolvimento normal. Mas a partir do momento em que adquiriu a capacidade de refletir, ele diferenciou-se entre todas as espécies criadas, passando, como diz a Bíblia, a ser “uma imagem de Deus”, aquele que Ele escolheu para subjugá-la e dominá-la.[7]
Sim, porque a partir desse momento o homem adquiriu o livre arbitrio e a capacidade de fazer as próprias escolhas, dando um sentido á evolução. Isso, para a senbilidade inocente, que não tem a consciência de um ego, deve mesmo significar a própria morte: é a morte da inocência, a expulsão de um paraíso onde, por não existir o exercício da escolha, também não existe ansiedade, culpa, estresse, cansaço e náusea da própria existência, por não saber a que ela se destina, nem qual é o seu propósito, como dizia um personagem de Sartre.[8]  
Como salienta o cronista bíblico, o homem pagou caro por essa ação. Foi expulso do paraíso. Mas isso foi para que ele “não comesse também da Árvore da Vida”, pois essa lhe daria a imortalidade. Quer dizer, que os homens tivessem, concomitantemente á aquisição do conhecimento, obtido o dom de viver para sempre, prejudicado estaria todo o projeto do Criador, que planejou a construção do universo de combinação em combinação, através de um plano de evolução, aonde a energia que o formata sai do ínfimo e caminha para o imenso (no plano material, externo) e do simples vai para o complexo (no plano espiritual, interno), como intui Teilhard de Chardin no desenvolvimento da sua hiperfísica.[9]


A visão teilhardiana da Árvore da Vida contrasta, naturalmente com as visões literais dos criacionistas, que veem a espécie humana como nascida a partir de uma casal feito á imagem e semelhança de Deus, ou seja, na sua forma orgânica e neurologica já perfeita e acabada. Ao revés ─ e isso significou para esse originalíssimo pensador jesuíta uma feroz repressão da sua própria Igreja─, ela está muito mais para as teses defendidas pelos adeptos da seleção natural, embora destes Teilhard se afaste quando introduz nessa evolução  o componente de espiritualidade negado pelos evolucionistas. Pois aqui o homem é resultado de um longo processo de evolução maturado no seio da matéria universal, mas dirigido por uma Vontade que nele atua e se cristaliza.

A visão cabalista da Árvore da Vida
   
     Há muito que os mestres cabalítas advogam uma compreensão semelhante para essa estranha antropologia que a Bíblia descreve em sua crônica da Criação.
Uma primeira ideia encontrada entre os adeptos da Cabala sugere que a criação do homem, conforme descreve a Bíblia, é uma metáfora que exprime o momento em que o homem se destaca entre as espécies animais, adquirindo a capacidade de refletir. É pois, o momento em que ele se torna humano. Por isso se diz que o Senhor Deus o “formou do barro da terra e inspirou no seu rosto um sopro de vida.” O “barro da terra” é o primitivo ancestral humano, evoluído da sua matriz animal, que “capturou” o sopro divino, quando desenvolveu a camada neural que lhe deu a capacidade de refletir. Esse sopro, é, segundo a tradição cabalística, a Palavra Sagrada, ou a Sabedoria, que permitiu ao homem colocar “ordo ab chao”, ou seja, adquirir consciência de si mesmo e do mundo e organizá-lo de uma forma lógica.
Na dicção da Spra Dtzniovtha( O Livro do Mistério Oculto), essa imagem é descrita do seguinte modo: “ Quando o homem inferior descende (dentro deste mundo), do mesmo modo que quando entra na forma superior (nele mesmo), ao mesmo tempo isso lhe confere a base de suas almas ou dois espíritos.(Ou seja) ou homem está formado por dois lados, tem  o direito ou reto e o esquerdo ou sinistro. E pode ser observado de ambos os lados. Em relação ao lado direito, ele tem NShMThA QDIShA, Neschamotha Qadisha, as sagradas inteligências; enquanto em relação ao lado esquerdo, ele tem NPShChIH, Nephesh Chia, a alma aninal”.[10] 
Aqui conseguimos ver as estranhas imagens da inteligência cabalística cantando um dueto com a teses dos modernos cientistas e psicólogos do evolucionismo, que vêem o homem como resultado de uma longa evolução que se processou no correr de milhares de anos e que foi conduzida pela sua necessidade de desenvolver meios cada vez mais eficazes de sobrevivência, em face de um ambiente hostil. Assim, o homem, á medida que ia descobrindo essas estratégias, que o fazia cada vez mais sábio, ia também adicionando novas camadas neurais á estrutura do seu cérebro, as quais foram também legadas aos seus descendentes como herança biológica. Por isso é que a interpretação cabalística desse fenômeno diz mais adiante que “  O homem pecou, e por isso, e por isso foi se expandindo até o lado esquerd; e então, aqueles que carecem de forma também foram expandidos. Isso se refere aos espíritos da matéria, que receberam o domínio das sendas inferiores da Alma de Adão, e aí assentaram as bases da concupiscência). Quando ( e portanto) foram unidos e ligados, (na base da concupiscência, juntos com a conexão, as duas almas do homem e o espirito animal), tiveram lugar, portanto, as gerações, como os animais dos quais muitas vidas são geradas, todas em uma mesma conexão.[11]
       Aqui se explica a notável dualidade que se encontra no homem, de um lado evoluindo na própria biogênese que conforma todas as espécies animais e por outro lado construindo um espírito, através da sua capacidade reflexiva. Um anjo-animal, que tem, por dentro a Neschamotha Qadisha(sagrada inteligência) e por fora a Nephesh Chia, a alma animal.[12  Destaque-se que as modernas teses evolucionistas reconhecem, na base de todas as espécies vivas, uma fase reptiliana, na mais primitiva das combinações cerebrais que as espécies vivas já tiveram.(13)

      Ou como diz Teilhard de Chardin, evoluindo o fora e o dentro das coisas, segundo um processo que pode ser percebido nas próprias leis que regem os fenômenos naturais.
 
 
[1] Uma dessas correntes de pensamento é  defendida pelo filósofo jesuíta, o francês Pierre Teilhard de Chardin. Veja-se, a esse respeito sua obra fundamental, O Fenômeno Humano, publicada no Brasil pela Ed. Cultrix. Para uma síntese desse pensamento ver a nossa obra “Conhecendo a Arte Real”, publicada pela Ed. Madras, 2008.
[2] Cf. a Bíblia hebraica, citada.
[3]Idem, Gênesis, 2:17
[4]Ibidem, 3:22.
[5] O Fenômeno Humano, op. Citado, pg. 186
[6]Daniel Goleman, PHD-Inteligencia Emocional- Ed. Objetiva, pg. 25
[7]Gênesis, 1:28
[8]Jean Paul Sartre- A Náusea- Circulo do Livro, 1986. Essa “culpa”, essa fadiga, esse náusea de viver, segundo Sartre, é o reflexo do “castigo” dado ao homem pelo desobedecimento. Ter consciência de si mesmo, e ao mesmo tempo, sentir-se despregado de um todo, onde a vida lhe aparece como uma existência vasia e sem sentido, destinada apenas a preencher um espaço entre o ser e o nada.
[9] O Fenômeno Humano, citado.
[10] Rosenroth- A Kabballah Revelada, Madras, 2011- pg. 110
[11] Kabbalah Revelada, citada, pg. 110. Aqui se explica a notável dualidade que encontra no homem, de um lado evoluindo na própria biogênese que conforma todas as espécies animais e por outro lado construindo um espírito, através da sua capacidade reflexiva. Um anjo-animal, que tem, por dentro a Neschamotha Qadisha(sagrada inteligência) e por fora a Nephesh Chia, a alma animal. Destaque-se que as modernas teses evolucionistas reconhecem, na base de todas as espécies vivas, uma fase reptiliana, na mais primitiva das combinações cerebrais que as espécies vivas já tiveram.
[12] Um dos significados da palavra nephesh é serpente. Por essa analogia se entende que toda a arquetipia da sabedoria humana esteja ligada, nas doutrinas místicas, ao mito da serpente.
[13]Inteligência Emocional, op. Citado,pg.24.

 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 24/12/2015
Alterado em 28/12/2015


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