João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

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ESTUDOS MAÇÔNICOS- MERCABAH, A GLÓRIA DE DEUS 
A visão do profeta Ezequiel – Metraton ou Espada Flamigera- A Mercabah e a Arca da Aliança – A Schekinah- Uma Visão do Big-Bang.
                                                                                  
As três estruturas simbólicas mais importantes da Cabala são inspiradas em visões dos profetas bíblicos, que nelas descrevem o nascimento do universo, através da Mercabah, o seu processo de construção, da Escada de Jacó, e do Apocalipse, que é o seu destino final.
     Essas visões envolvem diversos profetas, entre os quais alguns deles citados nos ritos maçônicos, como Ezequiel, Joel, Amós, Zacarias, Malaquias e principalmente o cristão João, o Evangelista, por sinal, tido por vários autores como o Padroeiro da Maçonaria. Fora da Bíblia diversas obras trataram desse tema, especialmente os chamados evangelhos apócrifos, como os livros de Enoque, o Apocalipse de Abraão, o Testamento de Isaque, etc.[1].      

   

A Mercabah é a famosa visão registrada pelo profeta Ezequiel em seu livro. Ele a teve quando, cativo na Babilônia, sentou-se para descansar nas margens do rio Kevar e elevou seus olhos para o céu. “Olhei e vi que um vento tempestuoso vinha do norte, uma nuvem imensa, dentro da qual resplandecia uma chama que se refletia ao seu redor, e da qual emanava um brilho, semelhante ao do cobre em fusão. E no meio da chama havia algo que se assemelhava a quatro seres vivos e sua aparência era a dos seres humanos” (...) [2]
     Ezequiel continua descrevendo a imagem de sua visão, falando da aparência estranha dos seres dentro da chama, que tinham quatro rostos, quatro asas, pés de bezerro e cor de cobre polido. Mas também mostravam, além de aparência humana, rostos de touro, de leão e de águia. E eram como tochas que emitiam coruscantes relâmpagos enquanto corriam de um lado para outro.
E logo o profeta percebeu que junto aos quatro seres havia rodas brilhantes, como feitas de berílio, translúcidas, de forma que cada uma, embora iguais em tamanho, pareciam estar umas dentro das outras. E elas se movimentavam no mesmo ritmo dos estranhos seres. Acima delas e dos seres, o firmamento, onde se via um trono resplandecente. E sobre ele a imagem de um homem.
Tinha a aparência do arco-íris, que surge entre as nuvens em um dia de chuva; assim era o reflexo ao seu redor”, remata o profeta.” “Pareceu-me ser esta a aparência da Glória do Eterno. Quando a vi, caí prostrado na terra e ouvi uma voz que me falava: (...) [3]
O que Deus disse a Ezequiel a seguir tem mais a ver com a saga histórica do povo de Israel e diz respeito á profecias sobre o seu destino. Mas as visões que ele teve constituem o que os cabalistas chamam de Mercabah, ou o Carro de Ezequiel.
 Essa visão tem sido interpretada de diversas formas. Uma delas é a de que o profeta teve uma visão que revela a estrutura do universo, e dentro dela a história da humanidade. Dessa forma, a Mercabah seria válida para toda a humanidade e não apenas para o povo de Israel.
Ezequiel teria visto a Glória de Deus estampada no firmamento, onde o seu Trono estava posto. Dali o Eterno projetava a sua energia em forma de luz, criando as realidades do mundo físico e espiritual, consubstanciada nas rodas e nas criaturas que elas circundavam (esferas de energia, imagens de arcanjos e potestades). Uma interpretação gnóstica dessa estranha gestalt que o profeta construiu é a que ele teve a visão do Pleroma, ou seja, a esfera resplandecente da Divindade, com os seus eons, arcontes e potestades, que na física moderna que estuda o mundo atômico recebem  nomes de karqus, elétróns, hadrons, etc., componentes do estofo energético que dá origem á tudo que existe no mundo real.
Ou seja, Ezequiel estaria contemplando o nascimento do universo, no momento exato em que Deus estaria realizando esse parto, que na expressão da moderna ciência astro-física, é chamado de Big-Bang.
 
Merkabah, Mercabah ou Merkavah, é um termo da língua caldaica que significa “carro”, ou seja, refere-se á mobilidade, razão pela qual é uma visão que se associa á construção, desenvolvimento. Por isso deu nome á uma das mais antigas escolas cabalísticas de interpretação bíblica, tendo nos comentários chamados Hekhalot (a Grande e a Pequena), as suas principais obras escritas a esse respeito. Outro trabalho importante para o entendimento desse ramo de interpretação é o apócrifo bíblico chamado de Livro de Enoch.[4]
O Trono que aparece na visão de Ezequiel, para os cabalistas, é a sefiroth chamada Kether, a esfera fulgurante da Divindade, que é representada pelas letras IHVH, (Iod-He-Vau-He) chamada Tetragramaton pelos gregos. Por isso, entre os gnósticos se diz que o profeta teve a visão do Pleroma, ou seja, a esfera celeste constituída pelos Éons, Arcontes, Dominações, etc. que são a chamadas Hierarquias Criadoras, na linguagem dos filósofos dessa escola e onde o Trono de Deus está postado, no centro dessa região de Luz.
De fato, a visão da Mercabah, para os mestres cabalistas, é uma imagem da Árvore da Vida, porque o Ser Supremo, o Logos Criador do Mundo, após ter dado existência positiva a si mesmo através da sefiroth Kether, espalhou sua energia criadora pela sefiroths seguintes (que são esferas ou planos de evolução da matéria inorgânica e orgânica e da consciência que nelas última habita). Assim, a luz que o Carro de Ezequiel emite nada mais é que o Relâmpago Brilhante, a Espada Flamígera que atravessa os véus da matéria universal dando vida e consciência ao Cosmo.
Mercabah, ou Mercavah é, portanto, o “veículo” que transporta a energia divina pelo mundo. Essa é a razão de, em alguns textos cabalísticos, esse veículo, carro, ou espada, ser chamado de Metraton, o anjo luminoso, que corresponde, na hierarquia angélica cabalista, ao arcanjo Mikael (Miguel), ou ao próprio sol, em relação ás religiões solares. No Cristianismo encontramos um paralelo desse simbolismo na visão dos apóstolos de Jesus, quando ele se transfigura perante seus olhos. Segundo Mateus, 17: 1:8, Jesus tomou “a Pedro e aos irmãos Tiago e João e os levou, em particular, a um alto monte. E foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandecia como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz.” (...) E eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com ele. [5]
Nessa visão se revela a clara intenção do cronista cristão de equiparar Jesus ao arcanjo Metraton, ou Miguel, portador da Luz divina, na sua tarefa de iluminar o mundo.
 
 Algumas tradições místicas sustentam que na visão da Mercabah estaria refletida o simbolismo da Arca da Aliança, na conformidade das estranhas instruções que o Eterno deu a Moisés para a sua construção. Com efeito, em Êxodo 25,10-22, vemos que a Arca da Aliança foi construída segundo um plano meticulosamente elaborado, com medidas criteriosamente planejadas e materiais cuidadosamente arranjados, de forma a constituir um artefato com uma finalidade precipua. Tinha caixa e tampa de madeira de acácia, com 2 côvados e meio de comprimento (um metro e onze centímetros ou 111 cm), e um côvado e meio de largura e altura (66,6 cm), coberta de ouro puro por dentro e por fora, com bordaduras de ouro ao redor.
Sobre a tampa o chamado Propiciatório (o Kapporeth), formado por peças fundidas em ouro, representando dois querubins de frente um para o outro, cujas asas cobriam e formavam uma só peça "com" a tampa. Na Arca, segundo diz o relato do versículo 22, “ no tempo marcado estarei ali, e falarei contigo de cima do tampo ─ dentre os dois querubins que estão sobre a Arca do Testemunho ─ a respeito de tudo o que ordenarei para os filhos de Israel. [6]
Segundo os cabalistas, Deus se fazia presente no propiciatório no meio dos dois Querubins de ouro em uma presença misteriosa chamada Shekinah.
 
     A doutrina que se oculta sob o nome de Shekinah é oriunda do Antigo Testamento e pode ser encontrada nas instruções que Deus dá a Moisés para a construção do Tabernáculo e a Arca da Aliança. Essas instruções tratam da instituição de um centro religioso e espiritual entre os israelitas, no qual a presença divina se realizaria de forma positiva e constante. Esse centro se cristalizou na construção do Tabernáculo, e mais tarde na edificação dos Templos de Salomão primeiro, e de Zorobabel depois. Por isso é que diz que o Templo de Jerusalém foi construído segundo proporções imitativas do próprio universo, para ser efetivamente um lugar propício para a Manifestação Divina no mundo real, ou seja, para que Deus pudesse estar, como presença real, entre os homens.
     Por isso a Shekinah (presença divina no mundo) é sempre representada como “Luz” (Domus Lucis, Portae Lucis, Janua Lux, Fiat Lux etc) expressões essas que os ritos maçônicos têm conservado, e que parece ser uma memória da antiga ciência sacerdotal que informava à construção dos antigos Templos, o que, diga-se a bem verdade, não foi uma técnica desenvolvida pelos israelitas, mas apenas idealizada por eles naquilo que se revela como arte maçônica.[7]
 
A visão da Mercabah simboliza, afinal, a ideia de que o espírito do iniciado, após subir a Escada de Jacó, atravessando os sete céus da esfera celeste, finalmente possa contemplar a Face da própria Divindade, a qual, como fez a Enoch, lhe revelará todos os Mistérios do Universo,
Teilhard de Chardin resume bem essa experiência mística na sua visão hiperfísica do universo. “As massas siderais... Nossa ciência” diz esse autor,“ é perturbada , ao mesmo tempo que seduzida, por essas unidades colossais, que se comportam, de certo modo como os átomos, mas cuja constituição nos desconcerta por sua enorme e (na aparência?) complexidade.  Dia virá, talvez, que se evidenciará algum arranjo ou periodicidade na distribuição dos astros, tanto em sua composição como em sua posição. Não será a história dos átomos inevitavelmente prolongada por alguma “estratigrafia” e “química dos céus?”. [8]
Ou simplesmente não estará o filósofo a perguntar se o que vemos nos céus não é semelhante ao que vemos na terra, mais propriamente no interior dos seres e da matéria que a compõe? Pelo menos, essa sua descrição parece corroborar as teses mais modernas sobre o nascimento e a constituição do universo. No imenso do cosmo, como no ínfimo da matéria que o forma, parecem funcionar as mesmas leis de constituição. Stephen Hawking em um de seus trabalhos, escreve algo similar: “Atualmente os cientistas descrevem o universo através de duas teorias parciais básicas: a teoria geral da relatividade e a mecânica quântica, que são as duas grandes contribuições intelectuais da primeira metade deste século. A teoria geral da relatividade descreve a força da gravidade e macroestrutura do universo, ou seja, a estrutura em escalas de apenas poucos quilômetros para um tamanho tão grande quanto um setilhão de quilômetros, que é o tamanho do universo observável. A mecânica quântica, por outro lado, lida com fenômenos em escalas extremamente pequenas, tais como um trilinésimo de centímetro.” [9]
     Embora Hawking conclua que as duas teorias são incompatíveis entre si, e, portanto, não podem ser ambas corretas, não se pode evitar que suas conclusões guardem estreitos paralelos com as intuições dos místicos de todos os tempos, para quem o que acontece nos céus repercute sobre a terra, pois que ambos comungam de estruturas semelhantes. Assim, o que se aprende sobre a mecânica quântica, ou seja, como é formada a estrutura da matéria em sua intimidade atômica, pode ser estendida para as grandes massas siderais e consequentemente, para o próprio Princípio Luminoso que deu origem a tudo.

Assim, a Mercabah, dizem os cabalistas, com sensível razão, é uma visão completa do momento da Criação. Seria a visão mística do Big-Bang, com todas as suas consequências futuras, da mesma forma que a Escada de Jacó é uma viagem  esotérica pelas etapas da Criação e o Apocalipse é uma visão da consumação final da Obra de Deus. Temos assim, na ótica cabalística, uma visão escatológica do nascimento, vida e consumação finalística deste mundo, que por não caber nos termos estreitos da linguagem humana, foi mostrada ao profeta Ezequiel em forma de símbolo. Nesse sentido, ele estaria tendo a visão da sefiroth Kether, no exato momento em que ela surge, dando vida ao mundo real. E nas demais figuras e imagens que nela surgem, todo o processo de desenvolvimento do universo e o sentido que o Criador pretende dar a ele.[10]
 
 
 
 
[1]Apócrifos quer dizer não reconhecido, ou de fonte não confiável. É o caso dos chamados evangelhos gnósticos e outros escritos do gênero, os quais foram censurados pelo Vaticano no Concílio de Nicéia em 325. Esse Concílio estabeleceu como únicos escritos confiáveis sobre a doutrina cristã aqueles que constam do Novo Testamento. Na imagem a visão da Mercabah. Fonte: Enciclopédia Barsa.
[2] Ezequiel, 28:20.
[3] G 28:21.
[4] A visão contida nesse livro é a utilizada na Maçonaria para veicular ensinamentos de graus superiores.
[5] Metraton (Metra+Aton)é a “Medida Perpendicular do Sol à Terra”, ou seja o “caminho da luz”, que na tradição religiosa egípcia era associada a Maat, a Inteligência Cósmica que percorria o universo de cima para baixo e de baixo para cima, interligando os deuses e os homens. Metraton é o Arcanjo que revela a sabedoria aos homens, o Prometeu da mitologia grega.
[6] Exodo, 25: 22                                                                       
[7] Arte maçônica, aqui se refere exclusivamente á arquitetura desenvolvida para a construção de templos, sendo essa uma arte sacra, de características iniciáticas, que tinham por objetivo mais a elevação do espírito do construtor do que a estrutura da obra propriamente dita.
[8] O Fenômeno Humano, op citado, pg. 47. Estatigrafia é o ramo da geologia que estuda os estratos ou camadas de rochas terrestres para determinar o seu processo de formação.
[9] Uma Breve História do Tempo- Círculo do Livro, São Paulo, 1989. Na imagem, uma visão do Big-Bang, o “parto do universo”.
[10] Imagem do Big-Bang. Fonte: Wikipédia Fundation.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 20/04/2016
Alterado em 02/05/2016


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