O grande ensaísta americano Ralph Waldo Emerson disse que a história, propriamente dita, não existe. O que existe são biografias. Ele tinha razão. Quem se refere aos grandes episódios da história chama á luz, obrigatoriamente, algum nome. Quem falar da Revolução Francesa, por exemplo, ou da Independência americana ou brasileira, não deixará de citar nomes como Danton, Robespierre, Napoleão, George Washington, Dom Pedro I, os irmãos Andradas e por ai afora.
Em si mesmos, os episódios históricos não significam nada. São apenas resultados da vontade das pessoas que os protagonizam. Ninguém seria ingênuo a ponto de pensar que Dom Pedro I, proclamou a independência do Brasil por amor á terra e ao povo que ele herdou do pai para governar. Ele deu o grito da independência justamente porque os portugueses queriam tirar dele essa herança. Getúlio Vargas, a quem se deve uma boa parte da modernidade que o Brasil experimentou no século passado, será sempre lembrado pela morte inglória que teve, atolado em um mar de corrupção e equívocos políticos que perturbaram tanto a sua mente, até levá-lo ao suicídio.
Lula tinha tudo para ser uma dessas biografias cultuadas por várias e várias gerações. Construiu uma bela história de lutas, ao enfrentar um regime autoritário e violento, até ajudar na redemocratização do país e construir um partido político que, em tese, prometia ser diferente de tudo que a nossa república de fazendeiros e coronéis já havia visto desde então. O PT prometia ser um partido do povo, formado pelos trabalhadores e pela classe média emergente, que até então não achara espaço nos partidos dominados pelos antigos caciques da velha e da nova república, que só mudara de roupa com as revoluções da primeira metade do século vinte. E eram esses mesmos caciques, sustentados pelas fardas verdes que continuavam dominando após o golpe de 31 de março de 1964.
Lula assumiu o poder com um Congresso bolivariano a seu favor. Tinha a grande maioria das duas casas legislativas ao seu lado e poderia ter mudado o Brasil, se quisesse. Poderia ter feito a reforma da previdência, que é hoje o buraco sem fundo onde o país fatalmente se afundará de vez, se não for imediatamente aterrado; poderia ter feito a reforma trabalhista, essa monstruosidade legislativa que atravanca o desenvolvimento econômico do país e beneficia unicamente uma classe privilegiada de diretores sindicais vagabundos; poderia ter feito a reforma política dotando o país de um sistema político-eleitoral enxuto e menos corrupto; poderia ter reformado o sistema de saúde e implantado uma política educacional verdadeiramente eficiente e menos sujeita ao viés ideológico da esquerda rancorosa e invejosa.
Enfim, Lula poderia ter feito praticamente tudo que o país precisava para entrar no terceiro milênio do calendário cristão como uma das nações mais bem sucedidas do ocidente. Mas DNA é DNA. Lula nasceu nos currais eleitorais nordestinos e como bem disse Jorge Amado em um de seus romances (acho que foi Gabriela, Cravo e Canela), os reformadores só querem tomar o lugar dos reformados. Depois que sentam na cadeira do coronel também se tornam coronéis. Mais ou menos como disse Emiliano Zapata, líder camponês mexicano: “fizemos uma revolução só para colocar um camponês no lugar de um fazendeiro. O resto continua tudo igual.”
Como todos os outros políticos antes dele Lula também cedeu ás tentações e ás pressões. Negociou com os antigos coronéis, cedeu ás pressões dos vagabundos dos sindicatos e das centrais sindicais, arrendou as obras públicas para os grandes empreiteiros, preferiu enfim, seguir o caminho preferido de todos os “messias” que o antecederam no poder: o populismo demagógico. No fim ganhou um sitiozinho em Atibaia e um triplex no Guarujá por conta da sua valiosa colaboração. E duzentos paus por palestra para manter a mordomia.
Agora vai ter que enfrentar um julgamento, que ao tudo indica, será bastante severo. Ele, na verdade, não fez coisa pior que muitos outros, antes dele, já fizeram. Vale lembrar que a nossa jovem república, ainda no berço, já carregava nas costas dois grandes genocídios: Canudos e o Contestado. Lula fez ao contrário. Ao invés de chacinar os miseráveis que lutavam por uma vida digna tentou ajudá-los com uma política distributiva. Embora essa política tenha se mostrado um tanto irresponsável e demagógica, beneficiando mais os políticos que administravam a concessão desses benefícios do que ás pessoas a quem era dirigida, ela, não obstante, deu certo alívio para o povo sofrido dos nossos grotões.
Mas eu não sei o que é pior: dizer aos miseráveis que eles nunca entrarão na terra prometida, ou levá-los até a metade do caminho e depois abandoná-los, tomando outro rumo, como um Moisés vendido ao ouro do faraó. Pois aos olhos de quem seguiu o Lula pelo deserto da política brasileira e lutou ao seu lado pelo sonho de uma vida melhor, é que o parece que ele fez.
Se Emerson estiver certo, estas nossas duas décadas serão referidas como a era Lula: como ele será lembrado? Um falso messias embusteiro, um Antonio Conselheiro moderno, outro Edir Macedo ou mais um idealista incompreendido?
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 11/08/2016