João Anatalino

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ESTUDOS MAÇÔNICOS - O PODER DOS ARQUÉTIPOS

Cabala e alquimia                           

 
     Cabala e Maçonaria são duas tradições culturais que tem raízes em idênticos núcleos simbólicos. Por isso encontraremos em uma e outra os mesmos símbolos arquetípicos, e praticamente a mesma fundamentação para as ideias e imagens que sedimentam suas práticas e seus rituais. A alquimia é um bom exemplo desse compartilhamento cultural.                
     Assim como na Maçonaria, a prática cabalística também hospeda uma forma operativa e uma especulativa. A Cabala operativa, em certo momento da história, congregou alquimistas e praticantes do ocultismo, na busca de meios para preservar a saúde, obter riqueza material, sucesso em empreendimentos profanos, ou simplesmente como processo de conhecimento, com o objetivo de atingir a Gnose.[1] Esse tipo de prática cabalística, em princípio, foi desenvolvida pelos mestres da religião judaica como fórmula de reação ao rancoroso antissemitismo que se instalou entre os cristãos logo após o Cristianismo ter se transformado na religião oficial do Império Romano.[2]  Mais tarde foi apropriada pelos adeptos da Arte de Hermes, que nela viram uma poderosa ferramenta para o estudo e o desenvolvimento do processo alquímico que conduzia á obtenção da pedra filosofal. Daí muitos autores dizerem que a alquimia era, na verdade, uma espécie de Cabala operativa. Foi dessa vertente cabalística que emergiram, especialmente, os chamados cultores do pensamento rosa-cruz, movimento espiritualista-filosófico que forneceu a semente da Maçonaria especulativa, como hoje a conhecemos. [3]
Na prática, essa atividade desenvolvida por cabalistas e operadores alquímicos concorreu para o desenvolvimento de uma técnica que buscava aplicar o conhecimento esotérico contido nas combinações numéricas e sonoras do alfabeto sagrado (o alfabeto hebraico) para a resolução de problemas da vida real. Nasceu, dessa atividade, a chamada aritmosofia, com suas diversas variantes esotéricas, tais como a matese, a esteganografia, a geometria sagrada e outras práticas, que renderam aos seus cultores muitas acusações de charlatanismo. Porém, foi na pesquisa da chamada pedra filosofal, que a Cabala encontrou a sua forma mais ampla de utilização, servindo como guia para importantes descobertas e aplicações resolutivas no campo das ciências e da filosofia, como mostram Pawels e Bergier em sua obra, ao se referirem ao trabalho realizado pelos alquimistas na pesquisa da Grande Obra.[4]
Muito desse simbolismo sobrevive nos rituais maçônicos, os quais, como se sabe, incorporou muitos temas alquímicos aos seus ensinamentos
 
Jung e o mundo dos arquétipos
   

 A partir da análise dos sonhos de seus pacientes, Jung deduziu que certas imagens e conceitos existentes em nossas mentes eram comuns á todas as pessoas, em lugares e tempos diferentes. O exemplo veio do sonho de um paciente psicótico que se referia ao “falo do sol como sendo a origem do vento”.
Pesquisando o sentido psicológico dessa imagem ele encontrou o mesmo conteúdo simbólico em um mito de uma antiga religião persa. Depois de estudar vários casos semelhantes, ele concluiu que esses símbolos e imagens eram manifestações do inconsciente coletivo da humanidade, os quais estavam presentes na psique mais profunda de todos os indivíduos, independente de suas origens e suas crenças. Foram á essas imagens e símbolos que ele chamou de arquétipos. 
O termo arquétipo foi inspirado na filosofia de Platão. Para aquele filósofo, a mente humana trabalha com duas estruturas conceituais: uma, que é a imagem das coisas particulares, as quais podem ser conhecidas através dos nossos sentidos; a outra a imagem das coisas universais, as quais, segundo acreditava, vinha da mente dos deuses e serviam de base para todos os modelos conceituais adotados pelos seres humanos.
O mundo das coisas particulares, dizia Platão, é um mundo inferior, do qual participamos com os sentidos. Nele nos relacionamos com as coisas físicas que podem ser identificadas no tempo e no espaço pelos atributos que elas têm. Um animal, uma planta, um ser humano, um elemento químico, um alimento, um fenômeno da natureza, etc. Mas além desse mundo inferior há outro, superior, com qual só podemos nos comunicar com a nossa mente: esse é o mundo das ideias, das formas ideais, um universo composto de essência imaterial e eterna.
Esse, segundo Platão, é o verdadeiro mundo, pois o meio físico em que vivemos é feito apenas de cópias desse universo arquetípico. Nesse sentido, alguns conceitos desenvolvidos pela civilização eram formas incorpóreas, imateriais, pensadas pelos deuses e transmitidas á consciência humana como “coisas universais”, porque serviam, indistintamente, a todos os indivíduos e povos como padrões de pensamento e conduta. Destarte, download (2).jpgconceitos como moral, justiça, bondade, beleza, eram arquétipos compartilhados pela humanidade em geral, assim como as formas geométricas e os números, as cores e outros padrões comuns de pensamento e sensibilidade, que são suscetíveis de serem pensados e sentidos por vários indivíduos, de um modo geral, em todos os lugares e tempos.[5]
Descrever um arquétipo, segundo o próprio Jung logo descobriu, era praticamente impossível, porque são muito ricos em conteúdo simbólico. Assim, atribuir um significado único a um arquétipo faz com que ele perca sua qualidade essencial, que é a natureza múltipla do seu significado. Por isso a dificuldade de conceituar o que é moral, beleza, bondade, justiça, etc., pois esses conceitos variam de pessoa para pessoa e assumem, na mente de cada uma, um significado particular.
Outro exemplo dessa ambiguidade são os arquétipos materno, paterno, do herói, do velho, do sábio, do filho, da mulher fatal, da mãe amorosa, da madrasta terrível, da morte, a bruxa, a fada, o homem mau etc.
Os arquétipos se manifestam em nossa vida emocional através dos sonhos, fantasias, hábitos, crenças e muitas vezes são causas de distúrbios psíquicos e comportamentos aberrantes como aqueles inspirados por complexos, que Freud e Jung chamaram de Complexo de Édipo ou de Eletra, respectivamente.[6]
 

O poder dos arquétipos
 
Esses padrões exercem uma grande influência em nossa psique. A grande maioria dos heróis e dos vilões do cinema e da literatura é inspirada em figuras arquetípicas. Homens e mulheres sem filhos, por exemplo, ao ter que tomar conta de um bebê, podem praticar, inconscientemente, os mesmos comportamentos que uma mãe, ou um pai, teriam em relação á uma criança. Algumas mães adotivas, mesmo sem ter tido a experiência da maternidade, conseguem amamentar uma criança por inspiração do arquétipo mãe. 
Arquétipos geram heróis e bandidos. Pode inspirar um santo ou fabricar um demônio. Hitler, por exemplo, foi extremamente influenciado pelo arquétipo do super-homem, desenvolvido por Nietzsche. César e Napoleão reconheceram publicamente a influência que receberam do arquétipo do conquistador simbolizado em Alexandre, o Grande, da mesma forma que este se
inspirava no mito do guerreiro Aquiles.[7]
      Como bem definiu Jung, os arquétipos presentes no inconsciente coletivo da espécie humana são universais, e isso faz com que sejam compartilhados pela humanidade em geral, em todos os tempos e lugares. Eles se manifestam de forma simbólica nas diversas religiões, mitos, contos de fadas e fantasias, que são, mais ou menos, intuições padronizadas encontráveis na cultura de todos os povos, em todos os tempos. E surgem, amiúde, em nossos sonhos e fantasias. Alguns arquétipos são conceitos relacionados com o nascimento, a morte, os poderes do sol, da lua, do fogo, e os instintos conectados com o pai, a mãe, reis e outras figuras de poder, e ainda com ideias de ressurreição, medo da morte, etc.
    Todos esses arquétipos são imagens preconcebidas que já existem “a priori” na mente das pessoas desde o seu nascimento. São desenvolvidas e moldadas conforme as experiências de vida do indivíduo. Assim, por exemplo, as mulheres nascem com o conceito arquetípico da mãe, ou seja, a imagem pré-formada da figura materna, e à medida que esta criança presencia, vê e interage com a mãe, desenvolve-se nela uma imagem definitiva desse arquétipo. Da mesma forma, o arquétipo “mãe” age no inconsciente da mulher para moldar nela a característica da maternidade, assim como o arquétipo ”pai” trabalha no homem o sentimento característico do genitor, “chefe” “provedor”,”patrriarca” etc. Por isso toda mulher sabe, instintivamente, como  cuidar de um bebê, da mesma forma que um homem tem, em sua psique, o “sentimento” de que deve ser o “chefe da família”. Instituições como a o casamento, o batismo, etc. também são arquetípicas, da mesma forma que crenças religiosas, como a da vinda de um salvador, o culto aos mortos, etc, também constituem parte dessa fauna misteriosa que se hospeda no inconsciente coletivo da humanidade.
   Assim, a grande maioria das nossas crenças, sentimentos e conceitos universais, são fundamentados em arquétipos, cujas raízes estão no nosso inconsciente. Eles constituem um arsenal simbólico, no qual a cultura psíquica e moral da espécie humana está enraizada. Por isso eles possuem um grande poder. Como dizia Jung, é impossível entender a raça humana, nem o que modela o seu comportamento sem descer aos porões do Inconsciente Coletivo da humanidade e fazer um recenseamento desse mundo arquetípico que lá se hospeda desde que o primeiro homem fez a sua primeira reflexão.
 
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1. Gnose significa iluminação. Aqui o termo é empregado no sentido de obter o conhecimento necessário para a elevação do espírito á um nível cósmico, onde as grandes verdades do universo lhe são reveladas.
2. Essa perseguição foi consequência dos evangelhos canônicos, que mostram os judeus como os principais responsáveis pela condenação e morte de Jesus.
3.A pedra filosofal era um artefato que permitia a transformação de metais comuns em ouro, e também operava uma transmutação mágica no espírito do operador. Os alquimistas da época renascentista criaram o chamado movimento Rosa-Cruz, uma espécie de corrente místico-filosófica que tinha por objetivo a transformação do espírito das pessoas, de acordo com a nova filosofia que pregava a liberdade de pensamento, aliada á procura pela verdade científica. Ver, nesse sentido, os Manifestos Rosa-Cruzes Fama Fraternitatis Rosae Crucis (1615), Confessio Fraternitatis (1615) e Chymische Hochzeit Chistiani Rosencreutz (1616). Ver também Frances Yates- O Iluminismo Rosa-Cruz: Ed. Cultrix.
4. O Despertar dos Mágicos, Ed. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 26º  Ed. 1996. A Cabala, como mostram os autores em questão, emprestou aos alquimistas uma boa parte do seu simbolismo e da sua linguagem. As mais famosas obras alquímicas, de uma forma geral, fazem larga utilização desse tipo de linguagem.
5. Na imagem Carl Gustav Jung: Fonte: Enciclopédia Barsa.
6. Édipo e Eletra são personagens mitológicas da cultura grega. Ambos viveram tragédias pessoais em virtude das inconscientes atrações psicossexuais que eles sentiam por seus pais. Édipo com relação á sua mãe, Jocasta, e Eletra, com relação á Agammenon, seu pai.
7.Sobre o poder dos arquétipos, vide nossa obra “PNL para a vida diária- O poder dos arquétipos”, publicado pela Ed. Madras, 2012.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 08/09/2016
Alterado em 09/09/2016


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