João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


VINGANÇA MACABRA
                                    
Jorge era o tipo do sujeito que alguém poderia chamar de felizardo. Embora de origem humilde, aos vinte e dois anos tirara a sorte grande ao se tornar o eixo de atenção de uma garota rica, herdeira de um grande império comercial avaliado em muitos milhões de reais.
Tudo porque era um rapaz realmente bonito. Saradão, do porte atlético e com um sorriso cativante de criança carente, aliado á uma fala mansa e um incrível senso de humor, ele conquistou a jovem Laura, inspirando nela uma daquelas paixões violentas, que razão nenhuma, por mais meridiana que fosse, conseguiria contrastar.
Tentativas não faltaram pelo lado da família da moça. Argumentos de que Jorge era um João Ninguém, sem eira nem beira, que sequer era formado em alguma faculdade, nem tinha profissão definida, e pior que tudo, era jogador de futebol profissional.
Diga-se, a bem da verdade, jogador medíocre, que com toda certeza jamais faria um bom contrato com algum clube da Série A do futebol brasileiro, e nem por sonho seria um dia contratado por algum clube importante do exterior.
Mas o seu porte físico, diga-se, atraia todas as “Marias Chuteiras” da cidade. Elas não sonhavam “pegar” o Jorge para marido, como de regra as meninas que freqüentam as concentrações e lugares onde se reúnem jogadores e artistas sonham, mas queriam apenas uma aventura, ás vezes de uma noite num motel, para poder mostrar para as concorrentes o troféu conquistado.
Laura não era nenhuma Maria Chuteira, mas também fora atraída pelo porte físico de Jorge. Conhecera o rapaz em uma reunião de apresentação do patrocinador do clube de segunda divisão onde Jorge jogava. O patrocinador era exatamente um das empresas da família de Laura, e ela, juntamente com o pai e um dos diretores de marketing da empresa, comparecera á esse evento, justamente para dar visibilidade á essa jogada comercial, mostrando que a família dela estava de fato envolvida com o projeto de alavancar o clube da cidade.
Laura apaixonou-se á primeira vista por Jorge e ele, que não era bobo, viu nela a chance imediata de ascensão social e uma escada para subir na vida, de forma rápida e segura.
Não houve Cristo que demovesse a jovem herdeira da maior fortuna da cidade de se casar com Jorge. Os pais dela, vendo que não tinha mesmo jeito, começaram a desenvolver um projeto para fazer com que o rapaz, pelo menos adquirisse algumas competências que pudessem, de alguma forma, elevá-lo ao nível da família na qual ele ia entrar. Botaram Jorge para estudar administração de empresas, deram-lhe um bom cargo dentro de uma das empresas da família, de forma que futebol, para ele, passou a ser apenas um hobby que ele manteve só para conservar a forma física. Afinal, era a sua imagem visual que lhe abrira essa porta para o sucesso.
Assim, tudo ia bem na vida de Jorge. Com casamento marcado para dali há dois meses, a perspectiva de um futuro brilhante não poderia ser melhor. Com o dinheiro que já estava faturando no novo emprego ele comprou um sítio na periferia da cidade, para onde se retirava nos fins de semana para recuperar a energia perdida com tantas atividades. Afinal, dizia ele, trabalhar, estudar e jogar futebol exigia dele um grande dispêndio de energia, que só podia ser recuperada com bons períodos de repouso.
O que Laura não sabia era que nesses períodos de repouso Jorge sempre levava para o sítio alguma “Maria Chuteira” que ele pegava na porta do vestiário nos dias de jogo. E com ela passava suas “horas de repouso” na maior orgia, sempre recompensando a  moça com uma boa grana.
 
Nunca deu problema até o dia que ele começar a levar para o sítio uma garota chamada Viviane. Essa era uma “Maria Chuteira” bem escolada. Bonita sim e muito gostosa também. E já bastante conhecida no pedaço por ter saído com outros jogadores do time. Jorge, que não era de repetir muito a parceira, acabou pegando a menina várias vezes.
O que ele não desconfiou, nem lhe passou pela cabeça, era que a moça não estava a fim apenas de uma grana gorda por conta de um fim de semana. Na verdade, ela sabia muito bem qual o cacife que Jorge tinha e o que ela queria mesmo era ser uma espécie de sócia no bom negócio que ele fizera ao conquistar a filha do homem mais rico da cidade. Via nisso a perspectiva de uma boa vida, fosse como a “outra”, ou mesmo como uma ex,  desde que a recompensa fosse boa.
E foi assim que ela engravidou. Já estava com uma barriga de dois meses quando mostrou para Jorge o resultado do exame. Dalí ha uma semana seria o casamento dele. Ela não queira atrapalhar a vida dele. Queria apenas continuar com ele, como amante, ou mesmo como amiga, mas claro, com uma gorda  pensão alimentícia.
Isso não estava nos planos de Jorge. Disse á Viviane que não iria comprometer a maior jogada da sua vida, que era o casamento com a herdeira de um império econômico, por conta de uma “Maria Chuteira”, que não passava de uma putinha safada.
“O máximo que eu posso fazer é pagar um bom médico para tirar esse filho da sua barriga”, disse ele.
Isso era exatamente o que ela não queria fazer. Afinal, o filho era a moeda de troca para a grana que ela queria ganhar. Pois foi para isso que ela havia se envolvido com Jorge.
"Se você engrossar", disse Viviane, eu vou para a porta da igreja e melo tudo, contando na frente de todos os convidados o canalha que você é conto que espero um filho seu. 
Duvido que a sua querida noivinha rica queira casar com você depois disso”.
Depois nomeou, com todas as letras, o que queria: uma gorda pensão mensal, que permitisse á ela e á criança um futuro tranqüilo.
Jorge estava com o pepino na mão. Sabia que não tinha como fugir da sua responsabilidade. Um teste de paternidade comprovaria facilmente a sua culpa. Se o caso viesse á tona, se Viviane cumprisse mesmo a ameaça, adeus futuro brilhante, adeus vida boa, adeus ascensão social e tudo mais que viria como acréscimo. Por outro lado, se concordasse com Viviane e desse a ela uma pensão mensal, como ela queria, por quanto tempo ele iria conseguir esconder um segredo desses?
 
Como disse certa vez um autor, Deus faz ouvidos moucos ás consciências pesadas. Não adianta muito pedir a ele soluções para as nossas mazelas que ele não ouve. Deus é  adepto do livre arbítrio. Você quebrou, você conserta, é o que Ele diz quando nos dirigimos á Ele em busca de ajuda para resolver os nossos rolos. Já o diabo é diferente. Ele procura consciências pesadas para trabalhar. Basta você pedir uma solução para mal feitos que ele logo está a plantar em sua cabeça as mais terríveis sugestões.
Foi o que imediatamnte surgiu na cabeça de Jorge. Tinha que achar um jeito de silenciar Viviane.  Foi o que ele fez. A pretexto de um último fim de semana, no qual eles combinariam quanto seria a pensão que ele iria dar a ela por mês, ele a levou para o sítio mais uma vez. Tomaram vinho, fizeram amor, e depois ele a matou, apertando a garganta dela com as mãos até a morte. Foi fácil. Ele era um sujeito forte e ela uma menina frágil. Depois pegou o corpo dela, cortou-o em vários pedaços com uma moto-serra e atirou-os no canil, para o gigantesco casal de pitbulls que fazia a guarda do sítio, comer. Os cães se refastelaram durante todo o fim de semana com o lauto banquete. Depois ele pegou os ossos e quebrou--os em pequenos pedaços, com uma marreta, até transformá-los todos em uma confusa massa de fragmentos calcificados, que ele jogou em diversos locais do rio que passava no fundo do sítio.
 Viviane era mineira e não tinha nenhum parente na cidade. No dia anterior ao crime ele comprara uma passagem de ônibus em nome dela, para Belo Horizonte. Assim, todos que a conheciam pensaram que ela havia voltado para Minas e ninguém se preocupou com o seu sumiço.
 
Jorge casou-se com Laura e dois anos se passaram, de completa felicidade para o casal. Ele revelou-se um bom marido e um excelente aprendiz de administrador de empresas. Tanto que o pai de Laura, na ausência de um filho homem para assumir os negócios da família já estava pensando em prepará-lo para uma futura sucessão nos negócios. E para completar a felicidade dele, o primeiro filho do casal havia chegado.
Aquele fim de semana no sitio de Jorge era para ser o mais feliz até então. O bebê estava fazendo três meses e o casal comemorava dois anos de casados. Jorge levou Laura e o bebê para o sítio juntamente com os sogros para comemorar. Fizeram churrasco, pegaram piscina, andaram de cavalo, pescaram no rio, enfim desfrutaram de todo o lazer que um sítio como aquele, agora muito mais bonito e equipado do que quando Jorge o comprou, pode proporcionar. Os sogros voltaram para a cidade á tarde e Jorge e Laura resolveram dormir no sítio. A noite, com um luar exuberante iluminando a varanda da casa, prometia ser divina.
E foi. Depois do sexo, que para Laura foi um dos melhores que até então haviam feito, ela dormiu relaxada e feliz. Mas ali pelas quatro da madrugada acordou com uma baita sede. O vinho que eles tinham tomado estava fazendo o seu efeito. Ela então levantou-se, silenciosa e cuidadosamente, para não acordar Jorge, que roncava, a sono solto, no seu lado na cama. Laura foi até a cozinha e encheu um copo com água. Lembrou-se da lua maravilhosa que vira da varanda momentos antes de ir dormir.
“Será que ainda dá para ver?”, pensou ela. E foi até a varanda para conferir.
Foi então que ela viu um vulto, que aparentava ser Jorge, atravessando o jardim e caminhando para os lados do canil. E nos braços ele levava um pequeno embrulho, que parecia ser um bebê. Laura correu para o quarto do filho e viu que ele não estava no berço.
“Que loucura. Onde será que esse maluco vai com o nenem a essa hora”, pensou Laura. E imediatamente saiu atrás dele.
A última coisa que Laura viu e ouviu antes de desmaiar foi o latido enlouquecido dos pittbulls trucidando alguma coisa viva que gritava de dor. Jorge havia sumido.
 
Laura acordou num hospital três dias depois e contou o que viu. Nunca mais se recuperou da tragédia. Até hoje toma remédios para dormir e se trata com um psiquiatra. Quanto á Jorge, ele foi indiciado como responsável pela morte do próprio filho e diagnosticado como doente mental. Está cumprindo pena em um manicômio judiciário.
O que levou o juiz a declarar a sua insanidade foi a história que ele contou no tribunal. Disse que acordou no meio da noite e viu no seu quarto um vulto de mulher. Pensou que fosse Laura que havia se levantado e não se preocupou. Virou-se para o outro lado e tentou dormir de novo. Foi então que ele ouviu o choro do bebê no quarto ao lado. Pensou que ele havia acordado e que Laura se levantara para dar assistência á ele. Instanntes depois ele percebeu, pelo choro do bebê e pelo barulho da porta da frente que estava sendo aberta, que Laura estava saindo com o bebê para o quintal.
“Que loucura” pensou. “Isso lá é hora de sair com uma criança?”
Então ele levantou-se e foi atrás de Laura. Viu que ela se encaminhava para os lados do canil. Escutou a algazarra dos cães no canil, como se eles tivessem capturado algum animal e estivessem fazendo a festa com ele. Isso costumava acontecer de vez em quando. Não era raro algum gambá, ou ouriço desavisado, invadir o território deles e acabar sendo trucidado pelos ferozes mastins. Jorge lembrou-se de outras vezes em que teve de levar os cães ao veterinário para tirar os espinhos de ouriço que ficavam espetados na boca deles nessas ocasiões. Mas não teve tempo para pensar em mais nada. Pois logo percebeu que não era um animal que os cães estavam dilacerando, mas um bebê. O seu bebê. Viu também, num relance, Laura desmaiada em frente ao canil. Mas não correu para ajudá-la porque suas pernas baquearam e seu coração disparou com o que viu a seguir: um vulto esguio de mulher, com rosto e mãos descarnadas,  apontando o dedo esquelético em sua direção.
̶  Uma criança por outra . Você, seu maldito, deu o meu filho para os cães comerem. Agora sou eu que dou a eles o seu  ̶  disse ela, soltando uma gargalhada demoníaca e desaparecendo depois, em meio aos raios da lua argentina, que brilhava no céu.

 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 19/03/2017
Alterado em 19/03/2017


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