João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

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               EM BUSCA DA PALAVRA PERDIDA
 

A Lenda de Enoque
 
      A Lenda de Enoque, segundo Horne, é um tema que aparece pela primeira vez em um trabalho chamado Polycrhonican, uma obra escrita por um filósofo gnóstico chamado Hidgen no século XIV, que por sua vez deve ter se inspirado em Flávio Josefo.[1]
     Na Bíblia existem dois personagens com o nome de Enoque. Um deles é o descendente de Cain, cujo nome foi dado à cidade que ele construiu, que o Dr. Anderson se refere como sendo a “Consagrada”. Obra essa que, segundo ele, mostrava que a arte da Maçonaria já existia nos primeiros tempos da humanidade, sendo transmitida pelo próprio Criador á Adão e seus descendentes.[2].
     É a este Enoque que a lenda das Colunas de Bronze se refere. Elas haviam sido erguidas em um Templo construído na cidade Consagrada, por Cain (e não Seth, o filho caçula de Adão, como Anderson escreve). Nelas, além do Delta onde o Tetragrama Sagrado, com o verdadeiro Nome de Deus inscrito dentro, haviam sido gravadas, pelos três filhos do patriarca bíblico Lamec, Jubel, Jubal e Tubal-Cain, também as chama-das Ciências Liberais, que eram em número de sete. Provavelmente o termo “Jubelos”, dado aos três companheiros que assassinaram o Mestre Hiram (Jubelo, Jubelas e Jubelum) tenha sido inspirado nesses nomes bíblicos dos filhos de Lamec, descendentes de Cain. Pois segundo Ambelain, a tradição cabalística confere a esses três personagens uma conotação luciferina, já que teriam sido eles os introdutores das ciências entre os homens, em oposição á Vontade de Deus.[3]
      O Templo de Enoque foi destruído pelo dilúvio e essas colunas também desapareceram, razão pela qual tanto o Nome Inefável, quanto as instruções gravadas pelos descendentes de Cain ficaram perdidas. Mais tarde, segundo reza a lenda, elas foram encontradas, uma por Pitágoras, outra por Hermes, que as decifraram e ensinaram seu conteúdo aos seus discípulos. Mas, não sendo iniciados nas antigas ciências, nenhum deles descobriu a pronúncia correta dessa Palavra. Todavia, o poder do Nome Inefável seria recuperado na época de Moisés, por transmissão que lhe fez o próprio Deus, quando do encontro no Monte Sinai. Essa é a lenda que se trabalha nos chamados Graus Inefáveis, especialmente os graus treze e quatorze. A propósito, a lenda maçônica informa ainda que essas colunas, que teriam sido desenterradas pelos arquitetos do rei Salomão, serviram de modelos para Hiram Abbiff fundir as colunas que ornavam os pórticos do Templo de Jerusalém.
      Quanto ao outro Enoque, este aparece em Gênesis 18 a 27, e é referido como o “homem que andou com Deus” e não teria morrido, mas sim levado vivo para o céu. Com base nessa lenda, foi desenvolvida a outra Lenda de Enoque, o que viajou pelos sete céus da esfera celeste para ver como Deus e seus arcanjos construíam o universo. Essa lenda será utilizada pela Maçonaria para desenvolver o conteúdo do grau 21, denominado “O Cavaleiro do Sol”. É uma lenda que consta do apócrifo bíblico Primeiro Livro de Enoque, trabalho escrito por um autor gnóstico do século II, o qual denota uma clara inspiração cabalística. O conteúdo dessa lenda, pela importância que tem no ensinamento maçônico, será o tema do próximo capítulo.
 
O tetragrama sagrado  

      Na Maçonaria o simbolismo que envolve o Inefável Nome de Deus é um tema de grande importância iniciática. De uma forma geral, os maçons adotaram a tradição cabalística de que o verdadeiro significado desse Nome é um segredo guardado a sete chaves pelos Mestres da sabedoria arcana. Assim, os ritos maçônicos trabalham com a ideia de que os sons vocálicos ori-ginais do tetragrama YHVH são interditos ao vulgo e a pro-núncia correta dessa palavra está confinada á sabedoria de muitos poucos escolhidos. É um conceito semelhante ao ado-tado pelos cabalistas e diferente da crença islâmica, para a qual essa sabedoria está vedada para toda a raça humana.
     Essa ideia, como já referido, está expressa na alegoria da Palavra Perdida, cujo conteúdo é desenvolvido no ritual dos graus 13 e 14 do Rito Escocês através da Lenda de Enoque e as duas colunas perdidas. Em resumo essa lenda diz o seguinte:
 
      Enoque, durante um sonho que teve, foi informado que Deus tinha um Nome Verdadeiro que aos homens não era lícito saber, porque se tratava de uma palavra de grande poder. Esse Nome, Deus comunicou aos seus ouvidos, mas proibiu que o divulgasse a qualquer outro ser humano. O Senhor o informou também sobre o castigo que iria ser lançado sobre a humanida-de pecadora, através do dilúvio.
      O Inefável Nome de Deus era a chave que poderia proporcionar aos homens todo o conhecimento secreto e um dia, quando fossem merecedores, ele lhes seria revelado. Mas para que essa Palavra Sagrada não fosse perdida após a catástrofe que destruiria a humanidade inteira, Enoque gravou-a numa pedra triangular, numa língua só inteligível aos anjos e a ele próprio (a línguagem da Cabala). Portanto, mesmo que alguém descobrisse um dia a grafia do Nome Verdadeiro de Deus, isso de pouco adiantaria ao seu descobridor, pois a pronúncia dessa Palavra Sagrada lhe estaria interdita.[4]
      Antes do dilúvio havia sobre a terra civilizações bastante desenvolvidas em termos de artes e ciências. Eram civilizações lideradas por homens gigantes, filhos que os anjos caídos (os nefilins da Bíblia) tiveram com as filhas dos homens. Essa civilização era má, arrogante e descrente. Por isso Deus anunciou a Enoque que iria destruí-la. Para preservar os conhecimentos dessas antigas civilizações Enoque fez com que vários textos,  contendo conhecimentos científicos (aqueles de Jubal, Jabel e Tubal Cain haviam gravados nas Colunas de Bronze) fossem copiados e gravados em duas colunas, e em cada uma delas esculpiu o nome sagrado.
Uma delas era feita de mármore, a outra fundida em bronze. Essas colunas ele as pôs como sustentáculo em um suntuoso templo que mandou construir em um lugar subterrâneo, só dele e de alguns eleitos, conhecidos.  Esse templo tinha nove abóbadas, sustentadas por nove arcos. No último arco Enoque mandou gravar o Delta Luminoso, que registrava o Nome Inefável, e fez um alçapão onde guardou a pedra na qual ele havia gravado esse Nome.
     Com o evento do dilúvio todas as antigas civilizações foram destruídas e seus conhecimentos científicos e artísticos perdidos. Noé e sua família, os únicos sobreviventes dessa catástrofe, nada sabiam dessas antigas ciências. Das colunas gravadas por Enoque, somente a de bronze pode ser recuperada pelos descendentes desse patriarca. Nela constava o Verdadeiro Nome de Deus, mas não a forma de pronunciá-lo, pois essa sabedoria tinha sido gravada na coluna de mármore. Assim, essa pronúncia permaneceu desconhecida por muitos séculos, até que Deus a revelou a Moisés em sua aparição no Monte Sinai.
     Mas Moisés foi proibido de divulgá-la, a não ser ao seu irmão Aarão, que seria, futuramente, o Sumo Sacerdote do povo hebreu. E este ao seu sucessor como Sumo Sacerdote, tradição essa que continuou sendo praticada até a destruição do primeiro Templo.  
Deus prometeu a Moisés, todavia, que mais tarde o poder desse Nome seria recuperado e transmitido a todo o povo de Israel. Segundo a tradição cabalística isso só aconteceu nos tempos de Shimon Ben Iohai, o codificador da Cabala, mas nem todo o povo de Israel compartilhou dessa sabedoria, uma vez que ela continuou sendo transmitida apenas aos rabinos que atingiam os graus mais altos na chamada Assembléia Sagrada, os chamados sacerdotes Kadosh.
 
As colunas do Templo
                
     Na Maçonaria essa lenda foi adaptada para servir ao catecismo maçônico como uma alegoria de conteúdo moral. Os dois mais importantes ritos a utilizam com algumas variantes de forma, mas semelhantes no fundo. Segundo Ovason, o número 27 (3.3.3) é uma referência ao Arco Vivo, simbolismo que se remete ao arco onde o tetragrama sagrado foi inscrito. Ele simboliza o Real Arco humano, que era formado pelos maçons desse grau ao pronunciar o nome secreto de Deus[5]
     Já a versão cultivada no REAA diz que Moisés havia mandado que o Nome Inefável, com a pronúncia correta, fosse gravado em uma medalha de ouro e guardado na Arca da Aliança juntamente com as tábuas da lei. Dessa forma, o Sumo Sacerdote, em qualquer tempo, poderia compartilhar dessa sabedoria e invocar o Grande Arquiteto do Universo na forma correta. 
Esse era o segredo da Schehiná, ou seja, a estratégia segundo a qual Deus se manifestava ao povo de Israel, através da Arca da Aliança. Porém, a Arca da Aliança foi perdida em uma batalha que os israelitas travaram contra os sírios. Mas, guarda-da por leões ferozes, os sírios nunca conseguiram abri-la e mais tarde ela foi recuperada pelos sacerdotes levitas. Durante as batalhas que o povo de Israel travou contra os filisteus pela posse da Palestina, a Arca foi perdida mais uma vez, sendo capturada pelo exército inimigo. Os filisteus, que não sabiam do poder que tinham nas mãos, fundiram a medalha de ouro com o Nome Inefável e a colocaram num ídolo dedicado ao Deus Dagon. Esse foi um dos motivos pelos quais Deus instruiu Sansão para que este praticasse seu último ato de força no Templo dos filisteus em Gaza, matando um grande número deles. E dessa forma o registro escrito dessa Palavra foi perdido para sempre.
      Assim, durante longo tempo a forma de pronunciar o Nome Inefável ficou oculta, até que Deus o revelou a Samuel e este o transmitiu aos reis de Israel, Davi, e depois a Salomão.
     Após construir o Templo de Jerusalém, (que reproduzia a forma e a estrutura do templo construído por Enoque, inclusive com os nove arcos, onde, no nono, se erguia o Altar do Santo dos Santos, no qual a Arca da Aliança estava depositada), Salomão determinou a Adonhiran, Stolkin e Joaben a construção de um templo dedicado á Justiça. Estes, após escolher e cavar o terreno para a preparação dos alicerces eles verificaram que o lugar escolhido era exatamente o mesmo onde Enoque havia construído o seu templo. Após demoradas pesquisas e árduos trabalhos escavando as ruínas, descendo a diversos níveis subterrâneos, os mestres destacados por Salomão, sob o comando de Adonhiran, descobriram a coluna de bronze onde o sagrado Delta estava gravado. Foi essa coluna que serviu de modelo para Hiram fundir as duas colunas de bronze que ornavam o Templo de Salomão.
     Dessa forma, o Verdadeiro Nome de Deus foi recuperado e pode ser transmitido ao povo de Israel na sua forma escrita, mas a sua pronúncia permaneceu um segredo compartilhado por poucas pessoas, pois a coluna de mármore, onde essa sabedoria estava inscrita, fora destruída pelo dilúvio. Somente Salomão, o Rei de Tiro e os três mestres que desceram ao subterrâneo detinham esse conhecimento, pois este lhes fora transmitido pelo profeta Samuel, antes de morrer. Com o desaparecimento daqueles personagens, ficou perdida novamente a pronúncia da Palavra Sagrada. Esse o conteúdo da lenda de Enoque e as colunas perdidas, tal qual é trabalhado na Maçonaria.
 
Os mórmons e a Lenda de Enoque
 
     Essa lenda revela um conhecimento iniciático de grande relevância, pois o personagem Enoque não é exclusivo da tradição hebraica. Ele, na verdade, é um arquétipo presente na mitologia de vários povos antigos e cultuado como “mensageiro dos deuses”, arauto do conhecimento divino, que é transmitido aos homens na terra.
     No Egito ele era associado ao deus Toth, que teria trazido aos homens o conhecimento da escrita, da metalurgia e da agricultura. Na Grécia foi conhecido como Hermes, o Senhor da Magia e da ciência. Na tradição celta havia um personagem análogo, que ficou conhecido na mitologia daquele povo como Merlin, o mago, guardião dos portais do conhecimento. Entre os maias ele foi Quetzacoatal, o civilizador, que trouxe para aquele povo o conhecimento que ostentava aquela antiga civilização.
Em todas essas tradições, esse personagem aparece como guardião das chaves do conhecimento, que antigas civilizações ostentaram e perderam em virtude do mau uso que fizeram dele.
     A lenda maçônica, tal qual ela aparece nos rituais, não será encontrada nos chamados livros de Enoque, um dos apócrifos bíblico pertencentes á biblioteca de Nag Hamadi. Ela provavelmente foi inspirada nos textos dessas obras, mas não consta textualmente delas. Vale registrar que ela encontra um curioso paralelo no Livro de Mórmon, onde um personagem chamado Mórmon, referido como profeta-historiador, invoca os conhecimentos de uma antiga civilização que teria sido a antecessora dos maias, astecas e incas, as grandes civilizações da América.
     Um desses livros registra o ministério pessoal que Jesus Cristo teria desenvolvido junto aos povos americanos logo após a sua ressurreição, ensinamentos esses que teriam sido registrados por Mórmon, que os entregou ao seu filho Morôni, que por seu turno os ocultou em um monte chamado Cumora. Durante cerca de dezoito séculos esses ensinamentos, que haviam sido gravados em placas de ouro, ficaram perdidos. Mas em 21 de setembro de 1821 Cumôni teria aparecido a um maçom- profeta de nome Joseph Smith e mostrado o lugar onde as placas estariam escondidas. Depois ensinou ao mesmo Smith como decifrar e traduzir para o inglês os referidos escritos.[6]
     Assim nasceu o Livro de Mórmon, Bíblia da Igreja dos Santos dos Últimos Dias. Trata-se, como se vê, de uma curiosa versão da lenda maçônica das Colunas de Enoque, e não é possível saber no que uma influenciou a outra. Considerando que tanto o profeta-historiador Joseph Smith, quanto seu sucessor no comando da Igreja mórmon, Brigham Young, eram maçons, bem como um bom número dos primeiros líderes dessa seita, pode-se especular que eles tinham conhecimento dessa fonte e a utilizaram para compor o seu curioso trabalho.      
 
O significado da lenda na Maçonaria
 
     As instruções dos graus 13 e 14 do REAA se referem ás viagens que o iniciando tem que fazer, a exemplo dos três Mestres de Salomão, para encontrar a Palavra Sagrada. Simbolicamente, para o maçom, essas viagens equivalem a uma descida dentro de si mesmo a fim de liberar a luz que existe dentro dele. Aqui temos novamente a evocação, tão cara aos gnósticos e aos alquimistas, da necessidade de encontrar “dentro de si mesmo” aquela energia que faz o homem integrar-se à divindade.
     Diz a lenda maçônica que com a perda do verdadeiro significado, o Nome Sagrado foi substituído pelas iniciais IHVH, que depois de pronunciada é coberta com três Palavras Sagradas, três sinais e três palavras de passe; somente após o cumprimento desse ritual se chega ao verdadeiro Nome Inefável. De acordo com essa tradição, os cinco primeiros iniciados no grau de Cavaleiro do Real Arco (grau 14 do REAA) foram os próprios reis Salomão e Hiram, rei de Tiro, e os três Mestres que descobriram o templo sagrado de Enoque. Um juramento de não pronunciar o Verdadeiro Nome de Deus em vão foi feito pelos mestres recém-eleitos, juramento esse que se repete na elevação ao referido grau.
    Diz ainda a lenda que mais tarde outros Mestres foram admitidos nesse grau, até o numero de vinte e sete, sendo a cada um deles distribuído um posto. Outros Mestres, que tentaram obter o grau sem o devido merecimento receberam o justo castigo, sendo executados e sepultados no subterrâneo onde a pedra gravada com o Nome Inefável fora encontrada.[7]  
     A prece final de encerramento dos trabalhos do grau nos mostra bem a significação do conteúdo iniciático da lenda.
Poderoso Soberano Grande Arquiteto do Universo. Vós que penetrais no mais recôndito dos nossos corações, acercai-vos de nós para que melhor possamos adorá-lo cheios de vosso santo amor. Guiando-nos pelos caminhos da virtude e afas-tando-nos da senda do vicio e da impiedade. Possa o selo misterioso imprimir em nossas inteligências e em nossos corações o verdadeiro conhecimento de vossa essência e Poder Inefável, e assim, como temos conservada a recordação de Vosso Santo Nome, conservar também em nós o fogo sagrado de vosso santo temor, principio de toda sabedoria e grande profundidade de nosso ser. Permiti que todos os nossos pensamentos se consagrem á grande obra de nossa perfeição, como recompensa merecida de nossos trabalhos e que a União e a Caridade estejam sempre presentes em nossas Assembleias, para podermos oferecer uma perfeita semelhança com a morada de vossos escolhidos, que gozam do vosso reino para sempre. Fortalecendo-nos com vossa Luz, para que possamos nos separar do mal e caminhar para o bem. Que todos os nossos passos sejam para o proveito da nossa aspiração, e que um grato perfume se desprenda no Altar de nossos corações e suba até vós. Ó Jeová, nosso Deus! Bendito sejais, Senhor. Fazei com que prospere a obra feita pelas nossas mãos, e que sendo vossa Justiça o nosso guia, possamos encontrá-la ao término da nossa vida. Amém”.[8]
 
A cristianização da lenda
 
     Por fim, cabe considerar que a Maçonaria cristã se apropriou dessa lenda para aproximá-la da tradição associada com o magistério de Jesus Cristo. Essa transposição iniciática foi feita pelos adeptos da filosofia rosa-cruz, que incorporaram nela a mística da paixão, morte e ressurreição de Cristo. Assim, a Palavra Perdida passou a ser soletrada pelas iniciais da inscrição que Pilatos mandou colocar na cruz de Jesus: INRI, que na tradição rosacruciana designa as iniciais de uma de suas mais significativas metáforas.
    Isso porque INRI é um acróstico da frase “Ígnea Natura Renovatur Integra”, que quer dizer “a natureza se renova pelo fogo”, metáfora alquímica que simboliza o processo pelo qual os alquimistas obtinham a pedra filosofal, ou seja, diluindo e recompondo a matéria prima da obra infinitas vezes até atingir a sua “alma”. Assim, Pilatos, na verdade, estaria revelando, nos dizeres colocados na cruz de Cristo, o processo segundo o qual nossas almas poderiam obter a salvação, ou seja, morrendo e revivendo infinitas vezes, até depurar por completo o “grão de luz” que constitui o seu núcleo. Dessa forma, o corpo de Jesus simboliza a “matéria prima” da Grande Obra de Deus. Esse é conteúdo místico-filosófico do Grau 18, denominado Cavaleiro da Rosa-Cruz, onde essas alegorias são desenvolvidas.[9]
     Para os maçons, todavia, face á influência dos pitagóricos e dos gnósticos, a questão que está ligada ao Verdadeiro Nome de Deus exprime também as idéias que a Maçonaria tem de tempo infinito, espaço infinito, a vida infinita, enfim, todas as manifestações da essência divina na realidade universal, que são tanto adjetivas quanto substantivas. Explicando que nenhum dos nomes de Deus adotados pelo homem é considerado pela Ordem como certo e definitivo, o ritual sugere que o maçom apenas admita que Deus existe, mas não lhe dê nenhum nome nem tente conformá-lo á uma imagem, pois que esse conceito não pode ser reduzido á fórmulas que a mente humana pode desenvolver.
     Esse postulado sugere ainda que o espírito humano está ligado á essência primeira e única de todas as coisas e não necessita de quaisquer outros canais de ligação com a Divindade, a não ser a sua própria consciência e a sua sensibilidade.
      Assim, pode-se dizer que para a Maçonaria o simbolismo do Nome Sagrado está no ensinamento iniciático que ele veicula. Esse ensinamento nos diz que existe uma chave, uma palavra, um verbo, a partir do qual todas as coisas foram e são construídas. Essa palavra, esse verbo, se traduz pelo Inefável Nome de Deus, verdadeiro e único Principio Criador, imutável e apriorístico, de onde tudo emana e para onde tudo um dia retorna. Não é uma simples coincidência, por exemplo, que as iniciais INRI tenham o mesmo número de letras do Tetragrammaton (IHVH). E que de suas combinações se extraia o número doze, que é a base espiritual da nação de Israel.  
     Dessa forma, a inspiração que vem do Evangelho de São João, onde se diz que no principio era o Verbo, o Verbo era Deus, e um Deus era o Verbo, assume o seu verdadeiro sentido. Quer dizer que o Cristo estava no inicio com Deus e nada do que foi feito foi feito sem Ele, e tudo o que foi feito, foi feito por Ele. Jesus é o Verbo, o Logos, pois ele, sendo o Filho de Deus, é feito da mesma essência do Pai e representa a própria encarnação divina na terra. Assim, para os cabalistas cristãos, Jesus é a própria Shehiná, a manifestação divina no mundo. [10]

 
 
[1] Ranulf Higden  (c. 1280 – 1364) foi um monge beneditino que se tornou famoso pela sua extensa crônica sobre história universal e teologia. Essa crônica, conhecida pelo nome de Polycrhonican junta as histórias da Bíblia com as crônicas de Flávio Josefo e desenvolve algumas interessantes idéias teológicas.
[2] James Anderson- As Constituições, Ed. Fraternidade, 1982.
[3] Robert Ambelain- A Franco -Maçonaria. São Paulo, Ed. Ibrasa, 1999. Essa é a razão da senha do grau se referir á esse nome.
[4] Na imagem, o Delta com o tetragrama sagrado. Imagem: Wikipédia Fundation.
[5] A Cidade Secreta da Maçonaria, citado, pg.175.
[6] Foto de Joseph Smith, fundador da Igreja Mórmon. Fonte: veja.abril.com.br
[7] Aqui se encontra outra referência á Lenda de Hiram.
[8] Cf. O ritual do Grau 14.
[9] Cf. o ritual do grau 18, no qual a Palavra Perdida é finalmente reencontrada e soletrada INRI.
[10] Sobre a correlação simbólica e numérica entre o Tetragrammaton e as iniciais da cruz de Jesus, ver as interessantes elocubrações de Helvécio de Resende Urbano ((Ali A’l Khan) em O Templo Maçônico dentro da Tradição Kabbalística- Madras, 2012. 

( RESUMO DO CAPÍTULO X DO LIVRO A ÁRVORE E A LOJA- NO PRELO PARA PUBLICAÇÃO)
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 23/05/2017
Alterado em 23/05/2017


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