FERNANDO PESSOA E O EFEITO BORBOLETA (PREFÁCIO)
PREFÁCIO
Efeito Borboleta, imortalidade quântica, princípio da incerteza, bóson de Higgs, Lei de Murphy, antimatéria, antipartículas, premonições, desdobramentos, tudo isso são termos que os cientistas hoje escutam sem pestanejar e ouvem com respeito quando algum colega especula sobre o assunto. No entanto, qualquer pessoa não pertencente ao fechado clube dos especialistas em ciência atômica, das técnicas mais avançadas do campo da eletrônica, ou da psicologia das profundezas, acharia por demais pitorescas qualquer dissertação sobre esses assuntos, e por certo pensaria que o autor estaria divagando acerca de coisas sobrenaturais, ou no mínimo só cabíveis no minado território do esoterismo, onde a imaginação navega sem o leme da razão para nos ditar o rumo, e tudo que é, pode, concomitantemente, vir a ser.
Mas como disse Teilhard de Chardin, na escala do cósmico, só o fantástico tem probabilidade de ser verdadeiro. A assertiva pode parecer ousada e até um tanto arrogante, mas as descobertas da ciência nuclear, as observações astronômicas e o avanço da medicina molecular estão aí para comprovar que além do que o olho não vê existe um universo infinito a explorar, e nele, tudo aquilo que a nossa imaginação não ousa catalogar como realidade, existe e tem um lugar preponderante no desenho estrutural da totalidade cósmica.
Pawels e Bergier, pioneiros na organização de textos sobre o que chamam de Realismo Fantástico, dizem, no prefácio do seu hirsuto tratado “O Despertar dos Mágicos”, que é por falta de imaginação que os literatos e os artistas em geral vão procurar o fantástico fora da realidade, entre as nuvens. Pois o fantástico está nas entranhas da terra mesmo, e ele é tão real quanto a matéria mais preciosa que dela se minera. Isso porque, segundo esses autores, o fantástico não é uma violação das leis naturais, uma aparição que rompe os limites das possibilidades reais, ou mera projeção de uma mente desconectada do mundo real. Ele é, sim, uma visão mais ampla da realidade, contemplada diretamente por uma mente desperta, cujos sentidos não estão limitados por valores preconcebidos, hábitos e conformismos outros que a nossa cultura nos impõe.
A realidade, vista com os olhos do espírito, se apresenta diferente daquela que as imagens visuais do mundo físico nos mostram. Nestas, as cores, as dimensões, os movimentos, sons e cinestesias assumem características outras que os sentidos, em sua atividade normal, filtrada pelos véus da racionalidade, não conseguem exprimir. E dessa forma revela o grande problema do homem moderno, que é o reducionismo, ou seja, a necessidade de tudo conformar a um sistema, ou de uma explicação racional do fato, tornando-o aceitável para uma mente que se diz moderna.
Mas o que está invisível aos olhos da nossa mente racional não significa, necessariamente, que não exista de fato. Pode ser simplesmente que esteja além da nossa capacidade de visão, ou apenas momentaneamente toldado por escotomas mentais, postos pelas nossas próprias crenças e limitações.
Mas quando ampliamos o foco da nossa visão interior e eliminamos essas manchas psíquicas que nos impedem de ver o que está exatamente diante dos nossos olhos, então o pitoresco, como disse Max Jacob, fere de morte as nossas convicções, e aquilo que antes era apenas um fruto de imaginação fantasiosa pula para a nossa realidade cotidiana como um coelho saído da cartola de um mágico.
É nesse momento, como disse Paul Valéry, que o maravilhoso e o positivo contraem uma espantosa aliança. Aliança, que como podemos constatar, acontece na cabeça do profeta, do poeta, do escritor e do taumaturgo, bem antes do que na do cientista. É por isso que iremos encontrar nos textos de Fernando Pessoa, Jorge Luís Borges, H.G. Wells, Júlio Verne, H.P Lowecraft, Edgar Alan Poe, Stephen King, Arthur Clarke e nos chamados autores de ficção científica, muitas antecipações de descobertas das ciências modernas, assim como em textos cabalísticos e de autores esotéricos, as grandes verdades metafísicas, que incidentalmente, acabam se tornando postulados filosóficos de grande repercussão no espírito da humanidade.
É destas aventuras do espirito humano pelo território do pitoresco, do fantástico, do misterioso, que tratam os temas deste nosso singelo livrinho. Nele enfeixamos uma série de contos, onde o bizarro se torna realidade cotidiana e o lugar comum, que são as nossas atividades da vida diária, se vestem com as roupas do pitoresco. Por uma questão de simpatia intelectual o poeta Fernando Pessoa encabeça a lista dos inspiradores dos textos contidos nesta coletânea, mas qualquer um dos autores acima citados poderia ter sido o escolhido para dar título a este livro. A verdade é que foi o grande poeta português, com os poemas metafísicos atribuídos aos seus heterônimos, que nos abriu a porta para esse mundo estranho e sensivelmente atraente dos universos paralelos e das coincidências significativas, onde, segundo diz Stephen Hawking, se encontra o pólo oculto desta corrente energética que sustenta a vida do universo. Foi ele, em nossa opinião, que intuiu, em seu poema “Na Noite Terrível”, a existência do chamado “Efeito Borboleta”, estranha ideia que inspirou o conto título deste livro. Essa teorização, feita por Edward Lorenz em seu livro “A Teoria do Caos”, vê o universo como uma teia de relações cuja urdidura se faz em cada ação, em cada pensamento, em cada simples movimento que nele se produz. E com isso estabelece, para cada ator desse processo ao qual o universo está sujeito, uma grande responsabilidade.
Os textos contidos neste livro, que nós procuramos desenvolver na forma de contos do realismo fantástico, na verdade, refletem nossas especulações sobre a estrutura do universo, as leis naturais que o regem e o papel do homem nesse imenso enredo que a Mente Universal, responsável por essa obra, está escrevendo. É com essa visão que ele deve ser lido. Talvez, em algumas das histórias nele enfeixadas, o leitor encontre quiçá, as portas de ingresso no seu próprio universo paralelo, onde a parte da realidade que lhe falta para entender suas próprias contradições se revele em toda a sua extraordinária fascinação.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 29/07/2017