UMA HERANÇA MALDITA
Um amigo meu, carioca da gema, irritantemente orgulhoso das belezas (naturais e femininas) da cidade maravilhosa, quase envergonhado, me disse que o Rio de Janeiro estava apenas colhendo o que plantou. Isso porque, desde que a ditadura militar acabou e as eleições diretas para prefeito e governador foram restabelecidas, os cariocas têm abusado do direito de errar. Ele estava se referindo às escolhas erradas, que na sua opinião, o povo do Rio têm feito nestas três ultimas décadas em relação aos seus prefeitos e governadores, principalmente, para não falar em deputados e senadores. Com efeito, é uma sucessão de escolhas de arrepiar. Elas passam por Brizola, com o seu socialismo moreno, em cujo governo o poder paralelo do crime organizado começou a dar as cartas, e passam por figuras controvertidas, para dizer o mínimo, como César Maia, Moreira Franco, o casal Garotinho, Sérgio Cabral e o inefável Pezão, todos carimbados com a pecha de corruptos. Alguns deles, como Cabral e Garotinho, já condenados por traquinagens feitas no exercício de seus mandatos. Quanto aos outros, todos estão sendo investigados. Esses políticos, com suas administrações perdulárias e corruptas levaram o Rio de Janeiro á situação de descalabro em que o estado hoje se encontra. O meu amigo tem mais de setenta anos e fala com muita saudade dos tempos em que a bandidagem carioca se identificava com o jogo clandestino, dominado por figurões como Castor de Andrade, Natal da Portela, Anísio Abraão, Capitão Guimarães, etc. Naqueles tempos, diz ele – e eu sou testemunha disso – as pessoas podiam passear à noite embaixo dos arcos da Lapa, andar sem receio pelas margens da lagoa Rodrigo de Freitas, frequentar tranquilamente uma praia em qualquer lugar do Rio e depois almoçar, em qualquer restaurante da orla, sem medo de uma bala perdida, ou a presença de um batalhão de crianças famélicas olhando para você do lado de fora do restaurante, pedindo um pouco de comida. Fiz isso muitas vezes nos anos oitenta, quando ia frequentemente ao Rio á serviço. Hoje não faço mais, pois um ambiente desses tira o apetite de qualquer um.
Pode-se dizer que essa degradação ambiental, social e moral do Rio de Janeiro começou com a permissividade que a Constituição de 1988 instaurou no país. Um regime permissivo, que não se confunde com um regime de liberdade, tende a emancipar tudo. Libera os nossos melhores sentimentos e também os piores. E se não há um sentido de moralidade e ética, principalmente entre as lideranças que administram a coisa pública, então serão sempre os piores sentimentos que irão prevalecer.
Talvez o meu amigo esteja certo. Os cariocas têm abusado do seu direito de errar, embora não sejam os únicos. Nós todos estamos errando em nossas escolhas desde que reconquistamos o direito de escolher os nossos governantes. Isso é uma decorrência do modelo político que adotamos. Nossos governantes e representantes legislativos não são escolhidos por suas qualidades, mas sim pelas campanhas publicitárias mais competentes. Quer dizer, não é o currículo do candidato que o elege, nem as obras que ele fez ou a sua história de vida, mas sim o publicitário que ele contratou para fazer a sua campanha. E daí saem essas aberrações políticas, as quais o Rio de Janeiro têm eleito continuadamente, para seu desespero e infelicidade. Felizmente, como diz o ditado popular, nada é para sempre. Como disse uma personagem do romance “Vinhas da Ira” de John Steinbeck, essa gente passa e o povo fica. E o Rio de Vinicius, Tom Jobin, Cartola, Zico, Garrincha, Nelson Rodrigues, Machado de Assis e tanta gente boa, vai sobreviver à essa herança maldita, de dor e desespero, que os seus mais recentes administradores lhe legaram .
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 24/09/2017