João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


A visão bíblica do tema
 
Os textos bíblicos do Antigo Testamento parecem sofrer a influência egípcia em relação ás pessoas com deficiência. Para os antigos doutrinadores israelitas, o tratamento que se deve dar às essas pessoas deve estar relacionada com o temor de Deus, pois sendo elas mais fracas, não se deve  temê-las mas sim ao Senhor,  que está do lado delas e as defende, já que elas, por si mesmas, não tem como fazê-lo. 
Assim é que lemos em Levitico , 19,14: cujo texto diz: “Não amaldiçoes o surdo, nem ponhas tropeço diante do cego, mas temerás o teu Deus. Eu sou o Senhor.  É como se o doutrinador dissesse: (...) As pessoas deficientes não podem se defender por si mesmas, pois elas não te ouvem ou não vêem o que está sendo feito contra elas, mas Deus, que é onipresente e onividente, está aí para defendê-las.
Em vários outros preceitos encontramos disposições tendentes a proteger a pessoa com deficiência, como em Deutoronônio 27:18 que exprime uma maldição sobre aquele que desviar o cego do seu caminho, ou em Jó 29:5 quando este se diz querido de Deus por ser os olhos do cego e os pés do coxo, e ainda em Salmos 9:13, quando Davi favorece Meribaal, que tinha ficado aleijado em consequência de uma queda.
Em muitas outras passagens do Velho Testamento estão registradas inferências que mostram a tolerância e o respeito com que se tratavam as pessoas com deficiência na Israel bíblica. Nos salmos 146 e 145, por exemplo, se diz que o Senhor devolve á vista aos cegos e levanta quem caiu, ou em Isaias 42,6-7, onde o profeta diz, textualmente:.”Fortalecei esses braços cansados, firmai os joelhos vacilantes. Dizei aos aflitos, “Coragem! Nada de medo! Aí está o vosso Deus, é a vingança que chega, é o pagamento de Deus, ele vem para vos salvar!” Então os olhos dos cegos vão se abrir e abrem-se também os ouvidos dos surdos. Então os aleijados vão pular como cabritos e a língua dos mudos entoará um cântico.”
Por esse texto vê-se que as pessoas com deficiências eram vistas em Israel como pessoas desprotegidas, as quais, em um dado momento da história deveriam ter suas situações redimidas. Ressalte-se que esse discurso de Isaias se referia, simbolicamente, a todo o Israel, que naquele momento da sua história estava vivendo uma situação de opressão tal, que todo seu povo podia ser considerado como deficiente.[1]
   Assim, de uma maneira geral, pode-se dizer que a antiga legislação de Israel seguiu, em boa medida, o comportamento egípcio dado à esse tema. Provavelmente pelo mesmo motivo dos egípcios, ou seja, a existência de uma grande população de pessoas com as mais variadas deficiências físicas e mentais entre o povo de Israel. Essa constatação também pode ser feita nos textos bíblicos, que relatam diversas inferências onde pessoas nessa condição são citadas, e sempre com alguma conotação religiosa, como a sugerir que a existência de pessoas com deficiência fosse uma condição necessária para que Deus pudesse mostrar sua força ou a sua misericordia. 

  O sentido finalístico e diriamos, escatológico, dessa condição, vai aparecer ainda mais explicito nos textos do Novo Testamento, nas mensagens e nas ações de Jesus, cuja cura de cegos, paralíticos, surdos-mudos, leprosos, endemoninhados (lunáticos e doentes mentais) dão bem a visão exata de como a tradição religiosa dos israelitas enxergavam a questão das pessoas deficientes. Podemos dizer que era uma visão bem moderna, que poderia muito bem ser colocada no contexto atual, onde uma carga de preconceito e rejeição, mascarada por uma face piedosa da atitude politicamente correta, ainda trata o tema como se ele fosse um problema de caridade pública e não uma questão social de alta relevância mesmo. Pois, como se percebe nos textos evangélicos, nos tempos bíblicos, também havia os fariseus, que mandavam tocar trombetas em praça pública quando distribuiam esmolas para a população desamparada, que eles mesmos ajudavam a excluir.  
    O Cristianismo ajudou bastante a minorar a vida das pessoas com deficiência e a Igreja Católica, como veremos nos textos que se seguem, tem uma grande parcela de merecimento nesse sentido. Mas não podemos deixar de observar que em certos segmentos da sua hierarquia ela não deixou de cultivar um ranço de preconceito e discriminação contra a pessoa deficiente. Pois, na questão do scerdócio ela adotou o preceito contido em um artigo do Antigo Testamento que proibe pessoa deficiente de oficiar como sacerdote.  Isso porque Em Levítico 21.17, consta que Deus deu instruções á Moises para que “ninguém das tuas sementes, nas tuas gerações, em que houver alguma falta, deve se chegar para oferecer o pão ao seu Deus” (...) Pois nenhum homem, em que houver alguma deformidade, se chegará, como homem cego, ou coxo, de nariz chato, ou de membros demasiadamente compridos (...) ou homem de pé quebrado, ou mão quebrada (...) Ou corcovado ou anão (...) ou se tiver bélidas (cataratas) nos olhos, ou sarna, ou impingem (...) Ou que tiver testículos quebrados, ou defeitos na visão..." 
    Assim, para os antigos israelitas, Deus não aceitava oferendas de pessoas com deficiência, pois se entendia que tudo que fosse ofertado a Ele deveria ser perfeito. Destarte, o serviço sacerdotal devia ser ser praticado por quem tivesse um corpo perfeito, pois que, se assim não fosse, a oferta ficaria conspurcada. Esse era um preceito que valia inclusive para os animais oferecidos em sacrifício, os quais não podiam ter qualquer defeito, como se vê em diversos textos qu falam sobre essa particularidade.  
     Por conta disso, a Igreja não ordenava pessoas com deficiência na função de padres e incluiu, no Código de Direito Canônico de 1917, em seu cânon 984, a exclusão dessas pessoas para todas as funções do ministério sacerdotal, com uma possível exceção conferida aos candidatos a Papa.
     Assim, pessoas com deficiência não poderiam exercer o sacerdócio. Felizmente esse ranço discriminatório foi eliminado pelo atual Código de Direito Canônico. Atualmente, o fato de se ter deficiência física não é impedimento para o exercício do sacerdócio, desde que, naturalmente, essa deficiência não seja, ela mesma impediditiva para esse exercício.
 
[1] Isaias escreveu seus textos no século VII a. C. por ocasião das invasões assírias e do aniquilamento do reino de Israel.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 10/10/2017
Alterado em 10/10/2017


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