NOSSA FALSA DEMOCRACIA
Artigo 1º - A República Federativa do Brasil, (...) constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Não deixa de ser sarcástico o fato de a Constituição do Brasil começar justamente com um artigo que elenca os valores democráticos. Esqueço os cinco primeiros incisos desse artigo, pois, a meu ver, o único que vem sendo cumprido é o V, que se refere á pluralidade partidária. Isso só acontece porque interessa aos políticos, que nele encontram um excelente mercado para vender suas almas pelo melhor preço. Quanto aos demais, se alguém puder me dizer onde, no Brasil, esses valores estão sendo contemplados, me digam que eu vou correndo para lá. Quanto ao inciso IV, falar em livre iniciativa e valor social do trabalho, com tanto imposto e entraves burocráticos para montar e manter negócio próprio neste país é uma brincadeira de mau gosto. E com a nova portaria do Ministério do Trabalho, redefinindo o conceito de trabalho escravo, o mau gosto tornou-se crueldade.
Mas o pior de tudo é a violação sistemática ao preceito contido no parágrafo único desse artigo. Principalmente no momento atual, em que a vontade do povo está sendo liminarmente excluída de qualquer participação nos processos decisórios que ocorrem no Congresso Nacional. Alguém duvida que se fosse o povo a decidir, o senador Aécio Neves teria conservado o mandato? Que o presidente Temer ainda estaria no cargo? Que a quadrilha do PMDB ainda estaria no governo?
Vivemos uma falsa democracia. Elegemos representantes, que uma vez eleitos, dão uma banana para quem o elegeu e passam a cumprir apenas a vontade de quem pode pagar mais pelos seus votos. Como o povo não tem meios para punir essa traição ̶ a não ser as eleições, que, aliás, são sempre manipuladas por quem tem mais poder econômico ̶ essa traição se perpetua, e o que devia ser uma festa democrática torna-se um grande engodo. Dessa forma, temos uma ditadura disfarçada, exercida por grupos políticos que só fazem o que interessa a eles. Se algum cientista político estiver procurando a causa dos atuais movimentos de emancipação, que parecem estar na contra mão da História, talvez fosse interessante começar pela estrutura representativa das chamadas democracias modernas. Quanto mais difusa é a representação política de um país, mais difícil é a cobrança dos ideais que a sua Constituição elege. Ninguém se sente comprometido com alguém de quem não tem nenhuma referência. Eleitor não tem rosto nem nome. Daí a tendência atual de formar estados com população menor, mais identificada entre si. E o sonho de John Lennon vai ficando cada vez mais distante.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 31/10/2017
Alterado em 31/10/2017