UM VASO EM CIMA DA CMA
Aquele monge tinha a fama de ser muito sábio e rico. A razão dessa fama era o fato de ele ser conselheiro do rei. Assim, o monarca o cumulara de favores e lhe dava muito ouro. Em consequência, o mosteiro onde ele vivia era visado por todos os ladrões do país. Sofria constantes tentativas de assalto. Mas o monge também era mestre em artes marciais. Daí acontecia que os ladrões que tentavam assaltá-lo acabavam levando homéricas surras.
Um dia, um notório ladrão e assassino resolveu arriscar. Sabendo que o monge era bom de briga, ficou à espreita do lado de fora até o mestre pegar no sono. E quando teve certeza que ele dormia a sono solto, entrou sorrateiramente no mosteiro.
Foi direto para o cômodo onde diziam que o ouro estava guardado. Mas logo percebeu que o tal cômodo era justamente aquele onde o mestre dormia. Sem fazer o menor barulho, abriu a porta e espreitou lá dentro. Mas qual não foi sua surpresa ao ver que ali só havia um vaso com uma planta no meio do quarto.
“Ué“, pensou o ladrão. “Onde foi parar esse monge? O quarto só tem uma porta e nenhuma janela. Eu o vi o entrar, mas não há ninguém aqui. Para onde será que ele foi, e como saiu sem que eu visse?”
Intrigado, esquadrinhou o mosteiro inteiro sem achar viva alma. Depois voltou ao quarto e revirou tudo. Nada. Não havia ouro, nem dinheiro, nem bem algum. Só uma velha cama com um vaso de plantas em cima dela.
Então lhe veio a inspiração. É claro. Só podia ser isso. O monge, além de ser um grande lutador, tinha também poderes mágicos. Ocultara seus tesouros aos olhos profanos e à noite, para descansar, se transformava em planta. Aquele vaso com plantas era o próprio mestre!
“Esses poderes valem mais que dinheiro,” pensou o ladrão. “Vou voltar amanhã e pedir ao monge que me ensine essa mágica”.
Na manhã seguinte lá estava o ladrão na porta do mosteiro implorando ao monge para que este o recebesse como discípulo. O mestre consentiu e o antigo ladrão virou monge também. Largou a vida de marginal e com o tempo tornou-se um grande mestre, respeitado por todos. Quando o monge estava para morrer, indicou-o ao rei como seu sucessor. O rei, preocupado, perguntou: ― Como vou saber se seus antigos instintos de ladrão e assassino não aflorarão novamente?
―Não há perigo, Majestade ― respondeu o velho mestre. ― Todos os homens nascem iguais. Eles só precisam acreditar em alguma coisa. Dê-lhes algo bom em que eles possam realmente acreditar e os tereis sempre fiéis, leais e virtuosos.
Dedico essa estória á todos os nossos políticos, que fazem leis e regulamentos para os outros seguirem e são os primeiros a violá-los; e a todos os formadores de opinião, para lembrá-los que o mal não nasce com as pessoas, mas sim com as crenças e valores que são instalados nelas.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 12/11/2017
Alterado em 12/11/2017