EU SOU O HOMEM
Eu, que sempre amei verdadeiramente a vida,
Nela não vi nada que não fosse fruto de ocasião,
Uma só lágrima que não devesse ser vertida
Ou uma gota de sangue derramada em vão.
Eu, que amei o mundo porque nele via o divino,
Nunca vi nada que não merecesse solidariedade.
Pó, larvas, demônios, pensamentos, destino,
E até a desordem que clama por governabilidade;
Eu, que fui a língua que descreve o concreto,
Só aprendi aquilo que podia ser entendido e dito,
Porque minha mente só falava através do alfabeto,
E o verdadeiro mundo é o que não pode ser descrito;
Eu, que já fui o caos que as trevas escondia ,
Fui o pai da sombra que cobria o imenso;
Dentro de mim a luz quebrava e empalidecia
E tudo permanecia sombrio, silencioso e denso.
Eu, que já fui centelha de luz aprisionada,
Em um céu sem noite e tempo dimensionado,
Concentrando tudo no meu próprio nada,
Só esperando a hora de ser libertado;
Eu fui o meu próprio meu grito de liberdade,
Quando rompi o mistério da minha Letra,
Espelhando no vazio da vida a materialidade,
Fui útero do mundo e meu próprio obstetra.
Eu fui planta, alga marinha e o próprio rochedo,
E vivi no mar antes de me adaptar na terra;
Tracei meus rumos e o meu próprio enredo,
Negociei minha paz e lutei minha guerra;
Eu, que em todas minhas existências fui livre,
Porque na simplicidade de cada forma assumida
Não me foi cobrada a responsabilidade de quem vive
Que é conservar suas próprias condições de vida;
Agora liberto das leis do carma e da mediocridade,
Minha única necessidade é descobrir quem sou.
Tornei-me irremediável servo da minha complexidade,
E já não me sinto filho da MÃE que me gerou.
Eu sou o homem, ponta final da flecha da evolução,
Que Deus arquitetou para dar sentido ao próprio fado.
Não sou tão simples que não possa causar confusão,
Nem tão complexo que não possa ser decifrado.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 26/02/2018
Alterado em 26/02/2018