STEPHEN HAWKING- O BRILHO ETERNO DE UMA ESTRELA MORTA
A gravidade nos chumba à terra. Não fosse essa força de compressão nós estaríamos soltos no espaço como balões de gás. A gravidade é a força que dá estabilidade aos átomos e possibilita a existência do universo material. Se ela não existisse, tudo se fragmentaria. Assim, todas as realidades físicas tem presentes em si duas forças complementares que agem em sentido contrario, uma da outra: a relatividade, a qual promove a expansão e a dispersão e favorece o aparecimento da entropia no interior dos sistemas, e a gravidade, que favorece a aproximação dos elementos e a sua união, ajudando a promover a sinergia. Essa é a característica de todos os sistemas. Um início entrópico, provocado pelos caos dos elementos em dispersão e depois um desenvolvimento sinergético, promovido pela união dos elementos. De início o Chaos; depois a Ordo ab Chaos, a Ordem no Caos, tendência de todos os sistemas, na busca do equilíbrio.
Isso foi o que aprendi lendo Stephen Hawking. No início do universo imperava o caos. Nada estava ordenado em sistemas. Foi a presença da gravitação nos fragmentos liberados pela explosão do Big Bang que forçou a organização universal na forma como ela existe hoje. Os livros de Hawking não são apenas incursões muito bem elaboradas pela física astronômica e pela mecânica quântica, escrita em linguagem acessível para qualquer leitor medianamente educado. Ele é, antes de tudo, um belo trabalho, que nos leva a sonhar e pensar.
Hawking nos mostra o que acontece no espaço cósmico. E nós percebemos, que cá entre nós nada é diferente. Assim como acontece no céu também é na terra. As nossas sociedades também se formam por gravitação. Os indivíduos mais competentes reúnem, em torno de si, as demais pessoas do mesmo naipe. No universo social também há estrelas e satélites. Esse é o princípio sobre o qual se estabelecem as lideranças. Isso também funciona com relação aos grupos e as nações. As nações menores tornam-se satélites das maiores, os grupos mais fracos são dominados pelos mais fortes. Organismos mais fortes subjugam os mais fracos. Essa é a é a lei da natureza. Tanto na terra como no céu.
Durante muito tempo os astrônomos trabalharam com a hipótese de Ptolomeu, astrônomo egípcio que viveu no século II antes de Cristo. Essa hipótese colocava a terra no centro do universo, com sete esferas girando em volta dela. Essas esferas eram o Sol, a Lua, os planetas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Essa hipótese influenciou a Igreja e toda a filosofia da Idade Média. Até que Copérnico, Kepller e Galileu desmontaram essa hipótese e provaram que a terra era apenas um planeta que girava em volta do sol e mostraram que o universo de Ptolomeu era apenas uma ínfima parcela dele.
Consequência: Para a Igreja foi difícil aceitar que a terra não era o centro de tudo. Isso implicava em abandonar certas crenças, originárias da Bíblia, que citava apenas a terra, o sol, a lua e o céu como criações de Deus e não um universo povoado de estrelas, a maioria delas mais brilhantes que o nosso sol e planetas maiores do que a terra.
E aí começaram a surgir as perguntas mais intrigantes: a vida começou na terra, como diz a Bíblia? Se o ser vivo, que é o elemento mais qualitativo e importante da criação universal, envelhece e morre, porque o universo seria infinitamente durável? Se ele começou um dia, será que um dia também não vai terminar? Será ele infinito ou apenas muito grande? O que Deus fazia antes de começar o universo? Ele existia antes disso ou passou a existir a partir desse começo? Quando foi que Ele começou a fazer o universo e porque?
Santo Agostinho foi um dos primeiros filósofos a especular sobre a questão do tempo no universo. Ele disse que não devíamos confundir Deus com o Tempo. O tempo não existia antes do universo, mas Deus sim. Deus é um Continuum sem inicio nem fim. Apenas as suas manifestações no mundo físico, que é o universo material, pode ser medido em termos de tempo e espaço. Ele não. Era uma boa resposta para explicar o que não tem explicação.
Hawking demonstra que o universo é construído com uma boa dose de acaso, mas não exclui Deus dele. O universo de Hawking não é um Deus-Ex-Machine, como afirmam os apóstolos do mecanicismo, embora ele mesmo se confesse ateu. O que eu duvido que fosse. Especular sempre foi um perigo para quem não gosta que as pessoas pensem. Aliás, as ditaduras espirituais sempre foram mais intolerantes que as políticas. Galileu e Giordano Bruno que o digam. Não é Deus que não gosta de ser confrontado. É o lucro que Deus rende para quem se arroga ser dono dele que justifica a tirania. Tirano religioso é pior que tirano político. Mata com mais requinte e com maior crueldade. E cobra mais caro também pelas mentiras impostas ao povo.
Atualmente os astrônomos calculam que o universo tem aproximadamente um sextilhão de quilômetros quadrados e aproximadamente seis bilhões de anos. Isso quer dizer que ele tem uma idade e um tamanho. Mas continua crescendo por fora e se comprimindo por dentro. Por fora ele cresce em massa, em razão da força da explosão inicial, que o faz expandir-se como se fosse uma bola de gás que se amplia e se resfria formando nebulosas, galáxias, estrelas, planetas e outros corpos celestes. Por dentro ele se organiza em sistemas, ou seja, os grandes sistemas planetários, os sistemas atômicos e os sistemas orgânicos. Essa organização é um fenômeno de interiorização da energia, provocada pela lei da gravidade, que faz com que os corpos maiores atraiam os menores e os mantenham em suas órbitas, promovendo relações entre eles e gerando novos corpos e novas relações. Esse processo também serve para produzir os indivíduos e suas sociedades.
Claro que eu não entendi tudo que Hawking escreveu sobre o processo de construção física do universo em que vivemos. Não tenho preparo em física astronômica nem em mecânica quântica. Mas do pouco que entendi, me veio a crença de que nós também somos feitos da mesma maneira que o universo físico é construído. As leis que presidem o desenvolvimento cósmico também preside a vida dos organismos. Crescemos por fora até uma certa idade e um certo tamanho. E à medida que nos expandimos por fora, ampliando em massa, vamos nos organizando por dentro, ganhando interioridade, que é o mesmo que juízo, maturidade, razoabilidade, espiritualidade. Espírito é pois, energia que se interioriza, produzindo maturidade, sensibilidade ecológica, comprometimento e sentido de humanidade. Um dia paramos de nos expandir para fora, mas continuamos a nos organizar internamente. Até que um dia a voragem da entropia ̶ que é aquele momento limite do qual a nossa massa física não mais consegue se organizar ̶ nos alcança. Então morremos como estrelas. A nossa energia se esgota e nós apagamos. Quem sabe a morte não é um buraco negro que nos suga como acontece com as estrelas que morrem?
Hawking me ensinou que a velocidade de um corpo no espaço depende da sua massa. Quanto maior for essa massa, menor é a velocidade do seu deslocamento. Isso é o que diz a equação de Einsten E=mc². Á medida que o universo cria massa, aumenta a gravidade no seu meio, e assim a força inicial da relatividade acaba sendo compensada pela gravidade. Relatividade e gravidade se compensam promovendo o equilíbrio do universo.
O interessante é que nossas sociedades e o nosso organismo também acompanham o mesmo processo. Isso explica a ascensão e queda das nações e o processo de desenvolvimento e morte dos organismos. Quanto maior eles se tornam, mais depressa elas caem. É que uma massa cada vez maior torna o seu movimento mais lento. E quanto maior a massa maior a gravitação interior. Assim, a sua energia tende a se concentrar em sistemas vez menores. E as divisões interiores aumentam também. E assim também os conflitos que as levam a se desintegrar. Isso é o que acontece também aos organismos. E às sociedades. Quanto maiores são em massa, mais lerdos em seus movimentos. Mais difícil a sua adaptação às mudanças ambientais. Daí se extinguem com mais facilidade. Os dinossauros que o digam. Os grandes impérios da História também.
Stephen Hawking fala de física e astronomia de uma forma que um leigo nessas disciplinas pode entender. Mesmo que a gente não consiga acompanhar os argumentos e o fundamentos dos postulados colocados, fica em nós a sensibilidade de que aprendemos alguma coisa muito importante. Tanto se pode lê-lo como se fosse um livro científico, dado que ele foi escrito com todos os requisitos de uma obra dessa categoria, como se pode vê-lo como um tratado de filosofia, dado as reflexões que ele nos leva a fazer. Uma delas é que quando olhamos para o espaço nós só conseguimos ver o universo em seu passado e não em seu futuro. Quer dizer, o passado ainda está presente na conformação anterior do universo. E ele pode ser fotografado, pesquisado, estudado. O universo, como ele era a um bilhão de anos atrás ainda pode ser visto nos nossos telescópios porque a luz daquele momento vivido leva alguns milhões de anos para chegar até nós. Destarte, pode ser que uma dessas estrelas que nós contemplamos à noite, na verdade não exista mais. Mas nós ainda a estamos vendo.
Perturbador, não é? Isso nos leva a indagar. Se é assim com as realidades cósmicas, porque não seria com a realidades da nossa própria vida, cujo processo de construção e desenvolvimento é praticamente o mesmo? O que acontece conosco quando “apagamos”? Desaparecemos num buraco negro como uma estrela? Permanecemos visíveis para algum observador no futuro?
Outra reflexão. Toda partícula de energia (e nós também somos partículas de energia que geraram massa) tem sua própria medida de tempo. Esse tempo depende de onde ela está e a velocidade em que se desloca. Isso significa que o tempo passa mais depressa para quem é mais lento e mais devagar para quem é mais rápido. Por isso um viajante que se deslocasse pelo universo a uma velocidade próxima da luz voltaria no dia seguinte á sua partida enquanto que para os habitantes da terra essa viagem teria demorado alguns milhões de anos. Filosoficamente o que significa essa estranha contingência da lei da relatividade? Ela simplesmente justifica o postulado que afirma que o tempo não existe, e que ele é apenas uma abstração. E também confirma que os lerdos duram muito, mas vivem pouco, e os rápidos duram pouco mas vivem intensamente. Aliás, não é assim que sentimos a vida? Que o tempo passa rápido quando a gente é feliz e é muito lento quando a gente não é?
Hawking nos mostra também que o universo, como todas as formas energéticas que o sustentam são esféricas. Que o universo não tem um centro, mas que o seu centro está em toda parte. Como diziam os antigos mestres: o universo é uma esfera cujo centro está em toda parte e em lugar algum. Os grandes navegadores do século XVI descobriram o novo mundo porque acreditaram que a terra era esférica. Assim, navegando sempre para a frente eles tinham a certeza de que voltariam ao lugar de onde partiram. Dessa forma, se o universo tiver a mesma conformação da terra ̶ uma hipótese bem provável ̶ então seria possível a uma nave circundar o universo (pelo seu futuro) e voltar ao ponto de partida (que é o seu pasado). Mas isso só seria possível se ela pudesse viajar mais rápido do que a luz por que o universo se expande na velocidade da luz e a nave precisaria não só alcançá-la como também ultrapassá-la. Como isso é impossível, então nós nunca poderemos voltar ao passado e também jamais poderemos prever o futuro. Isso porque é impossível para nós se deslocar numa velocidade superior à da luz. Dessa forma, passado e futuro são possíveis apenas como abstrações da nossa mente. Como realidades fisicamente prováveis, eles simplesmente não existem.
Ler Stephen Hawking é cavalgar um cometa pelo espaço cósmico e voltar com uma boa dose de especulações. A principal delas é a confirmação do mais belo conselho que Jesus nos deu: não vos preocupei com o amanhã; cada dia trará o seu próprio cuidado. Pois se não sabemos que conformação o universo assumirá no momento seguinte da sua existência como nós podemos prever o que o futuro nos reserva? Assim, que tal nos ocuparmos de fazer bem o que fazemos agora? Essa é a única garantia que podemos ter de que o passado não nos trará nenhum constrangimento e o futuro poderá ser melhor do que é o nosso presente. Essas são boas lições que o nosso já saudoso guru nos deu. Se nós também somos estrelas, Stephen Hawking é um sol de primeira magnitude. E como as estrelas mortas continuam a brilhar por um longo tempo após sua morte, tenho certeza que ainda veremos sua luz por todo o tempo em que o universo ainda tiver para se organizar, antes que a roda da entropia o force a desaparecer.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 19/03/2018
Alterado em 19/03/2018