VINGANÇA DE CORNO
Eu devia ter desconfiado que tudo era um plano para me ferrar. Mas como eu podia saber que esse infeliz do Heraldo seria capaz de armar um negócio desses só para botar no meu rabo? Ele parecia tão idiota, tão inocente... No entanto, o desgraçado sabia de tudo. E eu, que pensava ser tão esperto, nem desconfiei. Ah! aquela conversa que tivemos no bar... Ele me disse que precisava desabafar com alguém. E eu, bobão, fui beber com ele. Afinal, ele era meu amigo. Então ele me contou, com lágrimas nos olhos, que estava sendo corneado pela mulher dele. Só não sabia com quem. Até me pediu para ajudá-lo a descobrir quem era o cara. Fiquei com uma pena danada dele e até prometi ajudar.
Baita hipocrisia. Pois o cara que andava pegando a mulher dele era eu mesmo. Estranho. Fiquei com pena do cara, mas não senti nenhuma culpa. Afinal, eu não tinha seduzido a mulher dele. Não fui eu que tomei a iniciativa de levá-la para a cama. Foi ela que me atraiu com malicia e volúpia para essa aventura. Era ela que sempre me telefonava pedindo para ir encontrá-la na ausência dele. Certo que eu poderia ter resistido, mas eu sou homem, e homem não resiste muito a essas pressões. Eu não resisti. Saí com ela algumas vezes, e a bem da verdade, senti até um certo prazer em pensar que estava botando chifres nele.
Já estava tudo planejado. O bar, a cerveja, o desabafo. Depois aquela arma que ele me mostrou. Comprara naquele dia mesmo. Era para matar o cara que estava saindo com a mulher dele. Ou então, se não descobrisse quem era, ele ia se matar, porque corno não ia continuar sendo. Bebemos uma dúzia de cervejas, e a noite inteira fiquei tentando tirar aquela ideia da cabeça dele. Afinal, a coisa estava ficando perigosa e eu era o responsável por aquilo.
Saímos do bar juntos, abraçados como dois bêbados amigos. Quem estava lá viu nós dois sairmos. Viram também o revólver que eu peguei e enfiei no meu bolso. Olharam para mim com cara de cumplicidade e com olhos de quem dizia: “ isso mesmo, rapaz, dê um jeito de sumir com esse negócio. Não deixe esse cara fazer bobagem.” Andamos uma meia hora pela periferia da cidade, procurando lugares desertos. Ele disse que não queria chegar bêbado em casa. Queria andar para dissipar os vapores do álcool. Por isso fomos dar um passeio pelos arredores da cidade, longe da última casa do núcleo urbano.
Era quase de madrugada. Não havia ninguém nas ruas. Eu, já quase lúcido, pedi para ele deixar aquele revólver comigo. Queria tirar aquela ideia maluca da cabeça dele. Ia dar um sumiço nele. Já decidira também que iria parar com aquela sacanagem que eu estava fazendo com ele. Não sairia mais com a mulher dele nem que ela me implorasse de joelhos. A noite estava escura. Ele concordou que eu guardasse o revólver mas queria que o testasse. Pediu que eu o experimentasse para ver se a arma estava em perfeito estado. “Dá um tiro com ele, ele disse.”
Estávamos longe da cidade. Nenhuma alma nas ruas. Tudo no maior silêncio. Peguei o revólver e disparei um tiro para o alto.
No mesmo instante em que o estampido do meu tiro ecoou nos ares o Heraldo caiu no chão. Bêbado, ou ferido pelo susto do barulho. Ou só para me gozar. Pensei tudo isso quando me abaixei para levantá-lo. Então vi o sangue que brotava da têmpora esquerda dele em borbotões. Uma poça vermelha, de cheiro ocre, começou a formar-se no chão. Fiquei indeciso entre correr para chamar socorro ou procurar saber o que tinha ocorrido. Alguém tinha atirado nele. Não fui eu. Não fui eu. Não fui eu. Eu atirei para cima, tenho certeza disso!
Mas alguém atirou nele e atingiu a sua cabeça, do lado esquerdo. Como podia ter sido eu, se eu estava do lado direito dele? E atirei para o alto. O tiro veio do lado esquerdo, porque o ferimento estava daquele lado. Mas quem atirou e de onde viera o tiro? Esquadrinhei todo o horizonte avistável daquele lado e não vi um único lugar de onde o assassino pudesse ter disparado aquele tiro.
Assassino? Assassino? Eu sou o assassino? A polícia tem certeza que fui eu. A bala é do mesmo calibre que a do revólver que eles encontraram em minha mão. Um trinta e oito. Há os vestígios de pólvora que sempre ficam nas mãos de quem dá um tiro. Eu dei um tiro. Ninguém achou a bala que eu disparei. E havia o fato de eu estar pegando a mulher dele. As testemunhas que nos ouviram no bar confirmaram que ele jurou que ia matar o cara que estava saindo com a mulher dele. Tudo isso foi levantado e provado.
Eu agora estou aqui nesta cadeia, pensando em como vou fazer para defender meu próprio rabo daqueles caras que estão me olhando com caras de hienas famintas de contato sexual. Tenho absoluta certeza que o Heraldo armou tudo isso só para me ferrar. Ele contratou alguém para matá-lo daquele jeito, naquela hora e naquele lugar. Só para me ferrar. Ele já sabia de tudo. Foi por isso que ele me falou que o cara que andava botando chifre nele iria se arrepender pelo resto da vida por ter feito isso. É exatamente o que já estou sentindo só em ver o sorriso malicioso e os olhares lúgubres com que aqueles caras estão me medindo. Tremo só em pensar na noite que está chegando. Eu estuprei a honra dele e agora vou pagar na mesma moeda. O maldito Heraldo. Ele planejou tudo isso direitinho. Vingança de corno. Alguém pode imaginar uma vingança mais diabólica do que essa?
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 08/05/2018
Alterado em 08/05/2018