João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


               
 A  ORDEM SOCIAL PERFEITA
              
A Maçonaria é uma estrutura mental arquetípica, cuja origem repousa na idéia de que existe uma ordem social perfeita que pode ser realizada pela união dos homens de boa vontade. Essa união promove o aprimoramento dos espíritos nela congregados, como resultado da egrégora formada pelos Irmãos em estreita comunhão. Essa egrégora, que é sustentada pelas qualidades pessoais que cada um deles trás para o grupo, promove de um lado o desenvolvimento coletivo, permitindo a realização dos seus objetivos, e de outro o enriquecimento ontológico de cada um dos indivíduos dele participante.
Sabemos que como estrutura arquetípica, a Maçonaria é contemporânea das primeiras civilizações. Desde os tempos mais antigos, os povos que alcançaram os mais altos estágios civilizatórios cultivam a tradição de preservar sua cultura, seus conhecimentos e suas conquistas através da reunião de grupos específicos de indivíduos que comungam de interesses mútuos. Esses grupos se formam por cooptação, procurando aglutinar, na forma mais nivelada possível, os “iguais” dentro de uma sociedade, fundamentados na crença de que aqueles que estão mais envolvidos com determinado sistema é que têm maior interesse em preservar os seus valores.
É neste amplo espectro, que funde religião, política, mitologia e história que iremos encontrar, por exemplo, as antigas manifestações culturais conhecidas como Mistérios, que vários autores maçons costumam invocar como sendo as estruturas mais antigas da Maçonaria.[1]
Aqui caminhamos nas sombras e só podemos fazer conjecturas baseadas em analogias entre os ritos praticados por aqueles povos e os símbolos comuns compartilhados por eles e pela Maçonaria moderna, mas é certo que existe uma ligação e uma relação de antecedente e conseqüente entre essas manifestações espirituais dos antigos povos e a Arte Real hoje praticada. E o vínculo que os une é justamente a força da egrégora, sendo a prática iniciática presente em todos eles nada mais que uma estratégia desenvolvida para captar a energia emanada do grupo e dirigi-la para a consecução dos seus objetivos.   
 
É evidente que a Maçonaria praticada pelos nossos antecessores das idades antiga e medieval era muito diferente da que conhecemos hoje. Dela não sobreviveram registros suficientemente precisos para dar ao historiador uma noção bastante clara de como era a Arte Real praticada por esses Irmãos de outros tempos. Os fragmentos dos ritos e os documentos manuscritos que versam sobre aspectos particulares dessas sociedades são muito controversos. Os próprios registros de suas atividades, que sobreviveram á ação do tempo, por falta de continuidade histórica e pela ausência de um padrão de unidade entre as práticas por elas adotadas, e depois pelas Lojas operativas dos maçons medievais, acabam mais por confundir do que esclarecer quem se propõe a escrever sobre a antiga Maçonaria. Dela fica sempre uma idéia de corporativismo, temperado por uma mística muito própria da cultura daquelas épocas, quando a religião era o único sistema de balizamento dos espíritos e todas as instituições sociais eram condicionadas por esse fator.
A origem da Maçonaria sempre foi um assunto muito obscuro, e mesmo hoje, apesar da farta literatura já publicada, ainda suscita muitas dúvidas aos estudiosos dessa matéria.
Como instituição é costume situar suas origens no início do século XVIII, a partir da Constituição que lhe foi dada pelos maçons ingleses, liderados pelo pastor anglicano James Anderson. Mas o que estes fizeram não foi exatamente a criação de algo novo, mas sim a sistematização de uma prática já várias vezes centenária.  Sabemos que muito antes da fusão das Lojas londrinas e das Constituições de Anderson, os maçons já se reuniam nos canteiros de suas obras para praticar alguma coisa parecida com a Arte Real. A essas reuniões, por algum motivo ainda não suficientemente esclarecido, eles chamavam de Lojas  
                 
 A "LOJA" MAÇÔNICA
 
Na tradição arcana, o termo Loja (em sânscrito Loka) designa as diferentes partes do universo onde a vida se manifesta. Refere-se também as diferentes idades, ou fases que a humanidade deve passar para cumprir o seu destino kármico. Destarte, a terra seria uma Loka, assim como outras partes do Cosmo onde o Criador, supostamente, possa ter semeado alguma forma de vida. Nesse sentido, o pensamento humano, reunido em Loja e dirigido para uma finalidade, poderia influenciar na conformação do universo como um todo. Essa seria uma visão espiritualista dos propósitos da Maçonaria, como estrutura arquetípica da arquitetura cósmica, onde os maçons são vistos como “pedreiros da construção universal”. Por isso, também, o templo maçônico, onde se reúne a Loja dos maçons, é visto como sendo um microcosmo que reflete esse macrocosmo, ou seja, uma representação simbólica do universo, onde a vida cumpre os seus ciclos energéticos, realizando sempre uma evolução no sentido da perfeição suprema.[2]
O termo Loja hoje corresponde á uma assembléia de maçons. Nos tempos medievais era aplicado à reunião dos profissionais da construção civil que trabalhavam em uma determinada obra, para discutir os problemas técnicos com ela relacionados. Era uma espécie de corporação, formada a partir de uma forma associativa mais elaborada, conhecida como Corporação de Ofício dos Pedreiros Livres, cujos interesses e atividades abarcavam não só os aspectos relacionados com a obra em si, mas também regulava a prática profissional e a própria vida social dos profissionais do ramo da construção.[3]  
O que era essa Maçonaria anterior ás Constituições e como faziam os maçons operativos que construíram as grandes catedrais medievais, e depois os primeiros irmãos especulativos (alquimistas, filósofos, artistas e artesãos em sua maioria, e mais tarde militares e outros cavalheiros) que os sucederam nessas práticas é algo difícil de definir como fato histórico. Que cuidavam de seus assuntos de uma forma muito particular – como se fossem seitas religiosas − isso parece certo, pelo que se deduz dos documentos conservados. E que assim faziam por conta das próprias idiossincrasias, costumes e crenças da época, também nos parece óbvio. E que a arte por eles praticada era considerada uma arte sacra por excelência, isso também não deixa dúvidas.[4]
Depois que a Arte Real deixou os canteiros de obras e empolgou “os espíritos de qualidade”, no dizer de Pawels e Bergier,[5] ocorreu uma laicização das instituições maçônicas, numa época em que as disputas dinásticas e os conflitos religiosos invadiram as Lojas, nelas refletindo o conturbado ambiente que se vivia então. E desse período, após a institucionalização da Maçonaria como uma sociedade de cunho universal, com personalidade jurídica própria e cultura filosófica e administrativa de certo modo unificada, a idéia que dela temos, como bem observou Jean Palou, é a de que a Maçonaria, dita especulativa, pode ser contada como um episódio da Reforma religiosa. Ou então mais um rebento do pensamento liberal e reformista que surgiu quando o espírito humano foi libertado dos nós com que um clero ignorante e supersticioso o havia amarrado por mais de um milênio.
 
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A SABEDORIA ARCANA 

E é nesse contexto que ela se insere hoje, pois em todos os casos, quando se trata de Maçonaria, o que encontramos é sempre uma ação que tem em mira a superação de momentos particularmente difíceis que a sociedade está vivendo. Essa dificuldade pode ser de ordem política, como a que vivia a Europa nos dias de Anderson, com suas intermináveis guerras religiosas, a França revolucionária de 1789, os Estados Unidos na época da sua independência, o Brasil nos anos que antecederam á proclamação da Independência e a instituição da República, ou então uma fase obscura e complicada da vida social, política e cultural de uma comunidade, em que o obscurantismo e a intolerância imperam, como foi a época da Reforma Religiosa e da Contra Reforma que ela provocou.
Dada a característica que a Maçonaria moderna assumiu, ou seja, a de uma sociedade de cavalheiros, onde se busca desenvolver uma ética comportamental consentânea com os valores que a sociedade profana elege como úteis e desejáveis, muitas vezes o Tesouro Arcano que se esconde atrás dos símbolos, metáforas, lendas, metonímias e outros tropos de linguagem, bem como em complicados, e às vezes, bizarros rituais praticados com um espírito quase religioso, acaba sendo desprezado pelos novos Obreiros da Arte Real. Perde-se, nessa teatralização anímica, o verdadeiro significado desse alfabeto do Inconsciente Coletivo da humanidade, e quando, por vezes, algum fragmento dessa disciplina da alma é invocado em algum “quarto de hora de estudo”, tudo soa como se ali se estivesse recitando uma algaravia vazia de sentido e sem nenhum propósito prático, a não ser o cumprimento de uma tradição que ninguém mais sabe a que se refere.
Todavia, o Tesouro Arcano contido nesses fragmentos de tradição, muitas vezes incompreensíveis até mesmo para os “iniciados” é como o Tosão de Ouro dos argonautas, ou a Pedra Filosofal dos alquimistas. Precisa ser garimpado pela bateia do espírito, pois é aí que está o princípio que informa a verdadeira Maçonaria. E aí entra a necessidade de conhecermos a linguagem maçônica, para poder decodificar o sentido da mensagem oculta nos seus símbolos, metáforas, analogias, mitos e alegorias.
 
A  LINGUAGEM MAÇÔNICA
 
Há duas formas de conhecer o universo e buscar uma comunicação com ele. Podemos chamá-las de objetiva e intuitiva, material e espiritual, científica ou religiosa, etc. Mas seja qual o for o nome dado a essas formas de abordagens da realidade manifesta ou não manifesta do universo, o que fica é o fato de que não podemos negar a existência de fenômenos que as nossas pobres ferramentas mentais, mesmo acrescidas e poderosamente estendidas por modernos aparelhos científicos, não conseguem detectar. E quando são intuídos, por força da largueza que alguns espíritos bem dotados possuem, esses fenômenos não podem ser organizados de forma epistêmica por falta de uma linguagem adequada.
É que a mente humana só consegue entender o que ela pode representar como imagem. Áquilo que a nossa mente não consegue dar forma, não pode ser objeto de conhecimento.  
Todavia, a mente humana precisa ser devidamente informada para ter material com o que trabalhar. E toda informação que temos das realidades humanas ou divinas são extraídas do próprio ambiente em que o homem vive. Essa é razão de os povos antigos representarem Deus nas mais diversas formas da natureza. Eles tinham a intuição de que havia um Princípio que gerava e comandava todas as forças e poderes aos quais estavam submetidos, mas nem a imaginação mais fértil entre eles era capaz de dar uma figuração e uma identidade á esse Poder. Por isso eram tantos os deuses e suas representações as mais variadas, desde figuras de animais até elementos naturais e as próprias criaturas humanas, representativas de vícios e virtudes, acabaram se tornando entidades do mundo sutil, como são os deuses e demônios da antiguidade. Até os hebreus, que sintetizaram a noção do divino numa entidade única, na hora de dar uma representação mental visual para Ela, o fizeram através da figura do arquétipo situado no mais alto nível da sua hierarquia social, que era o patriarca. Assim temos a imagem austera e conservadora de Deus, que Israel legou ao mundo. Ela é a representação dos seus próprios líderes, velhos patriarcas de uma sociedade pastoril que neles encarnava o pátrio poder. Essa é a razão de o cronista bíblico, ao descrever a criação do homem, dizer que Deus o formou “á sua imagem e semelhança”, denotando claramente que a imagem que os antigos hebreus tinham de Deus era a projeção do próprio patriarca da sua tribo, ou do pai de família, que na sua cultura detinha o pátrio poder. Essa noção também viria a ser utilizada por Jesus, que via Deus como um Pai, fundamentado no próprio significado que esse arquétipo assumia na estrutura da sociedade judaica[1] 
 
Isso porque Deus é uma realidade que a grande maioria das pessoas, em todo o mundo, seja qual for a religião que professem, não ousa negar. Mesmo aqueles que se confessam ateus, na verdade, não o estão negando, pois para se negar a existência de alguma coisa, primeiro é necessário pressupor a possibilidade da sua existência.
É que o fenômeno da afirmação e da negação é simplesmente um problema de línguagem. Como a nossa mente funciona com comando binário, ela não pode projetar uma ação negativa sem antes ter noção do seu contrário, que é a ação positiva. Dessa forma, podemos afirmar que a negação da existência de Deus é impossível sem primeiro admitir a possibilidade de sua existência. Por isso é que a chamada psicologia da assertividade ensina que toda vez que damos uma ordem negativa ao nosso organismo, a nossa mente tem que representar primeiro o contrário daquilo que lhe está sendo ordenado. Ou seja, se não podemos fazer uma coisa que não sabemos como é, também não podemos deixar de fazê-la, pelo mesmo motivo.
Isso é uma conseqüência da forma como a nossa mente é estruturada. Por isso, os psicólogos dessa escola dizem que devemos evitar dar comandos ás crianças utilizando a palavra não. “Não coloque a mão na tomada” por exemplo, para ser entendida pela mente de uma criança, precisará primeiro formar a imagem do que é colocar a mão na tomada, ou seja, para ela saber o que é não fazer isso, precisa primeiro saber o que é fazer isso.  A mente da criança pode escolher a primeira opção, isto é, sua curiosidade natural a levará a escolher a primeira opção, que é saber como é, para depois decidir se gosta ou não. Mas aí o estrago já estará feito.[2]
 
O MÉTODO MAÇÔNICO
 
Os cientistas, para exprimir as idéias que eles têm do universo, utilizam uma linguagem organizada, feita de números, figuras, equações, postulados, silogismos e pressupostos, que são frutos de uma atividade consciente do cérebro. Essas representações mentais que eles fazem do universo constitui o método chamado científico.
De forma diferente atua o método iniciático.  Enquanto a ciência se socorre da linguagem derivada, consciente, arranjada, desenvolvida pela mente para reconstruir para a nossa sabedoria a fenomenologia universal, a iniciação está vinculada á linguagem primitiva e inconsciente do universo, que só pode ser reconstruída através de um simbolismo que muitas vezes não tem paralelo dentro do arsenal de fórmulas que a nossa mente consciente desenvolveu para explicar o mundo em que vivemos.
No mundo existem realidades que não podemos ver, ouvir ou sentir. Quem consegue ver a eletricidade? Ou ouvi-la? Quem consegue ver ou ouvir a atividade de um elétron, girando em volta do seu núcleo? Quem pode sentir a ação dos átomos impressionando o écran de um tubo de TV para formar uma imagem? Mas, no entanto, podemos ver, ouvir e sentir a atuação dessas forças através das suas manifestações no mundo das realidades sensíveis. A eletricidade ilumina nossas cidades e move nossas máquinas. A atividade dos átomos os transforma em elementos químicos e lhes confere suas propriedades. A luz se decompõe em espectros e nos dão imagens de eventos que estão acontecendo naquele justo momento nos lugares mais distantes do mundo.
Se existe um mundo material é porque existe concomitante uma energia que o gera e lhe dá forma. E não existem leis, mesmo naturais, que não tenham sido promulgadas de alguma forma por Alguém.
O nosso conhecimento do mundo é imperfeito, incompleto e falho porque ele se limita ao território da nossa linguagem. Não está no mundo da nossa mente consciente aquilo que a nossa capacidade de linguagem não consegue representar com seus parcos recursos. Por isso Wittgeinsten ensina que o “os limites do nosso mundo são os limites da nossa linguagem”.[3]
Isso explica por que temos tantas e tão diferentes idéias da realidade espiritual e do mundo das coisas divinas. Algumas tão bizarras que custa a acreditar que um dia tenham sido pensadas e mesmo sustentadas, ao preço de muitas vidas, como verdades incontestes.
Algumas das concepções que fazem parte do acervo do pensamento mágico que habita o inconsciente humano e se manifestam através de símbolos e arquétipos, no mais das vezes, são incompreensíveis ao pensamento racional. E só podem ser transmitidos através do método iniciático, ou seja, aquele que se dirige mais à mente inconsciente do aprendiz do que à sua consciência. Esse é o método utilizado pelas sociedades iniciáticas, através das cerimônias de iniciação e também pelas religiões através dos atos litúrgicos e de seus rituais.
Assim, podemos dizer que antes da pedagogia existiu o comportamento; antes da religião nasceu o culto e antes da ciência o homem desenvolveu a técnica. Isso significa que o homem primeiro pratica um comportamento, depois se preocupa em entender por que o faz. Por isso, toda prática cultural tem, na sua origem, um arquétipo, uma noção não criada pela mente humana, a inspirá-la.
A Maçonaria, como tradição, é, por definição, uma estrutura arquetípica cujos fundamentos estão no Inconsciente Coletivo da Humanidade. Seus membros nela são recebidos por iniciação e seus ensinamentos são transmitidos pelo método iniciático. Por isso, maçonaria só se aprende por intuição e sensibilidade e nunca por aprendizado epistêmico, pois não há, no acervo cultural dessa tradição, um saber organizado, lógico, estruturado em sistemas, como se pode encontrar nas chamadas universidades do saber social. Daí o fato, muitas vezes curioso, de encontrarmos um aprendiz, ou mesmo um profano, com mais conhecimento de maçonaria do que um mestre de muitos graus já colados.
 
[1] Veja-se Northrop Frye, O Código dos Códigos Ed. Boi Tempo, 2001.
[2] ALBERTI, R. E.; EMMONS, M. I. Your perfect right: a guide to assertive living. San Luis Obispo: Impact Publishers, 1986
[3] Ludwig Wittgeisnten (1899-1951)-Tratado Lógico Filsosófico, 1922

[1] Mistérios, aqui são identificados como festivais iniciáticos que os povos antigos costumavam praticar para honrar os seus deuses e obter suas graças.
[2] Ver a esse respeito René Guenon- Discursos Sobre a Iniciação- Ed. Pensamento, São Paulo, 1968.
[3] Jean Palou- A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática, Ed Pensamento, São Paulo, 1986 
[4] Daí o termo “Arte Real”, aplicada ao ofício dos antigos construtores medievais e adotado pela Maçonaria moderna para designar a sua prática.
[5] O Despertar dos Mãgicos, Ed. Bertrand Russel, 2001
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 28/07/2018
Alterado em 28/07/2018


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