BELEZA MORTAL
Foi preso o médico brasileiro conhecido como Dr. Bumbum, que andava fugido à polícia desde domingo passado, dia em que morreu uma paciente que tinha efetuado uma cirurgia de aumento dos glúteos, na casa particular do profissional, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Jornal de Notícias- 19-6-201.
Esta é a estória de um cervo que todo dia ia a um lago beber água. E depois que matava a sede ficava admirando a sua farta galhada. Cervos são muitos admirados pela sua bela cabeça. Muitos são caçados somente por causa dos majestosos chifres que eles têm. O nosso cervo sabia disso e por isso, toda manhã, após o gole de água matinal, ficava ali, admirando-se no espelho d!água.
Mas logo se aborrecia. Pois assim que o sol mudava de posição no céu, a sua sombra era projetada no chão e ele via o contraste entre as suas pernas finas e a magnífica galhada. Então se lamentava que suas pernas não fossem tão bonitas quanto a sua cabeça.
Logo começou a pedir ao deus dos cervos (todos as espécies tem o seu) que lhe desse pernas tão belas quanto os chifres. Belas pernas, torneadas, longas, grossas, roliças como troncos de carvalho.
E tanto pediu que o deus-cervo, cansado daquela ladaínha, resolveu atendê-lo. Um dia, pela manhã, ao admirar sua galhada, o vaidoso cervo percebeu que alguma coisa mudara em sua fisionomia. Eram suas pernas. Em lugar das varetas finas e mal compostas, acordara com quatro lindas e bem torneadas pernas, que dariam inveja a qualquer filha dos homens.
Enquanto admirava a sua nova beleza, sentiu o cheiro do seu velho inimigo leopardo. “Lá vem aquele chato de novo”, pensou. Todo dia era a mesma coisa. Primeiro o gole de d!água. Depois a admiração da galhada. Em seguida a prece ao deus-cervo por pernas mais bonitas. Depois toca fugir do leopardo.
O cervo riu. Ele sabia que o leopardo não era páreo para ele. Sempre foi mais rápido. Aquilo já virara um exercício ritualístico que ele praticava até com certa satisfação. Corria, corria, até fazer o leopardo cansar. E quando ele cansava e desistia, o cervo fazia troça dele, dando aquela sacudida no corpo, que era uma espécie de dança, praticada para descarregar a energia estática queimada na fuga.
Fazia isso todos os dias. Era um ritual. Naquele dia, enquanto corria, pensava em quão bonita e sensual seria a dança do dia com aquelas novas e lindas pernas.
Mas não teve tempo de terminar o pensamento. Uma dor lancinante na garganta o interrompeu. Duas presas fortes e fatais acabavam de rasgá-la. Enquanto sentia o sangue quente escorrer-lhe pelo pescoço e a vida se esvair com ele, lamentou ter trocado a principal arma que a natureza havia lhe dado para a sua defesa por uma beleza efêmera e sem utilidade.
A natureza sempre sabe o que faz. Deixemos que ela nos guie.
Dedico esta metáfora a todas as pessoas que desprezam a natureza, colocando suas vidas em risco, em troca de uma beleza artificial e efêmera, que, aliás, somente elas apreciam.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 28/10/2018
Alterado em 28/10/2018