Eu, que sempre amei verdadeiramente a vida,
Nela não vi nada que fosse fruto de ocasião,
Uma só lágrima que não devesse ser vertida
Ou uma gota de sangue derramada em vão;
Eu, que amei o mundo porque nele via o divino
Não encontrei o que não merecesse solidariedade.
Pó, larvas, demônios, pensamentos, e o destino,
E até a desordem clamando por governabilidade;
Eu, que fui a língua que descreveu o concreto,
Só aprendi aquilo que podia ser entendido e dito,
Porque minha mente só falava através do alfabeto,
Mas o verdadeiro mundo não pode ser descrito;
Eu, que já fui o caos que as trevas escondia ,
E o interior da sombra que continha o misterioso
Perante mim toda a luz quebrava e empalidecia,
E tudo era como um mar fecundo e silencioso;
Eu, que já fui centelha de luz aprisionada
Em um céu sem noite e tempo dimensionado,
Concentrando o tudo no meu próprio nada,
Só esperando o momento de ser libertado;
EU SOU! foi o meu grito de liberdade,
Quando rompi o mistério da minha Letra,
Espelhando no vazio a materialidade
Fui útero do mundo e meu próprio obstetra;
Eu fui planta, alga marinha e o próprio rochedo
E vivi no mar antes de aportar na terra.
Tracei meus rumos e meu próprio enredo
Negociei minha paz e lutei a minha guerra;
Eu, que em todas minhas existências fui livre,
Porque na simplicidade de cada forma assumida
Não me foi cobrada a responsabilidade de quem vive
Que é ser gerente das condições de vida;
Agora liberto das leis do carma e da mediocridade,
Minha única necessidade é saber quem sou.
Tornei-me irremediável servo da minha complexidade,
E já não me sinto filho da MÃE que me gerou.
Eu sou o homem, ponta final da flecha da evolução,
Que Deus arquitetou para dar sentido ao próprio fado.
Não sou tão simples que não possa causar confusão,
Nem tão complexo que não possa ser decifrado.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 02/11/2018
Alterado em 03/11/2018