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De repente, olho no espelhoE surpreendo no meu semblanteAlguém que não parece ser eu.É a imagem de alguém que nunca vi,Ou nunca tinha percebido antes.Pergunto-me: "Quem será esse velho,Que está usando o rosto que era meu?“E onde está o jovem que morava aqui?”
Indago: “ Quem é você, invasor,Que o meu corpo agora está a ocupar,Como grileiro que a terra invade?Porque artes, magia ou destemorVocê ousa se por no meu lugar?Quando entrou, que não percebi?- Mostre-me o seu título de propriedade.Ou então escafeda-se daqui.”
Ele respondeu: “Você partiu um dia E me deixou no completo abandono,Prometendo que jamais voltaria.Trocou tudo por um desejo lascivo,O bem que era seu, você negligenciou.Quem não registra o que tem não é dono,Não pode agora retomar o que você largou,Eu só estou aqui para manter você vivo.”
Pensei: “Como pude ser tão desatento”Que não percebi a ocupação clandestinaQue a idade estava fazendo do meu corpo,E pouco a pouco, do meu pensamento?Onde havia um jovem encontro um anciãoE agora alguém tão diferente me domina,Como se de mim tivesse feito usucapião... “Quem sabe aquele moço até já esteja morto?”
Conclui:“Usei meu corpo apenas para o lazerComo fazem todos esses fazendeiros,Que compram terras somente para explorar.Sem nelas deitar uma única semente.Depois saem, à procura de outros terreiros,Para explorar e logo largar novamente.Se um dia tentam voltar para se estabelecerJá encontram outro dono em seu lugar.”
E muito mais me disse mais o abusado:“Quem sai e não se apressa em voltar,Sempre deixa um vazio profundo,Que precisa ser imediatamente preenchidoPorque o vácuo não existe no mundo.Quem saiu de si já perdeu o seu lugar,O que era novo agora está envelhecidoE o seu jovem já está morto e enterrado.”
O tempo passa e a gente não vê.Não é no corpo que a velhice se concentra.É na própria mente que ela se encerra.Como se deixássemos uma porta abertaEla chega, sorrateiramente, e entra,Tal um bando insolente de sem-terra.E depois que ela toma conta de você,A turbação da posse já é coisa certa.
E se um dia, a você mesmo, quer voltar,Vai descobrir que já nem tem forças para lutar...
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 23/12/2018
Alterado em 23/12/2018
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