João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


A IRMANDADE DE LUCIFER 

     Ele disse que se chamava Adrammelech e pertencia à Ordem de Samael. E que vinha de Mercúrio. Eu me chamo Sebastião, sou um mestre de obras, honesto e trabalhador. Não tenho muita leitura. Quase não consigo falar esse nome e a única coisa que eu sabia, dessas que ele falou, é que Mercúrio é um planeta pequenininho que fica perto do sol. Quanto ao nome Samael, não tenho certeza se era Samael ou Samuel. Se for Samuel tudo bem, é um nome como outro qualquer. Só lá na minha igreja tem pelo menos quatro Samuéís. É um nome bíblico sabe?
     Aliás, foi lá na igreja que ele me abordou. Eu costumava ir todos os domingos à igreja. Era um cristão devoto, que acreditava em tudo que a Bíblia diz. E odiava gente que não acreditava. Gente que ficava dizendo por aí que Jesus não é filho de Deus, que ele foi um homem comum que morreu como todo mundo e que não ressuscitou porra nenhuma. 
    Odeio gente que não acredita em Deus. Gente que diz que a Bíblia é só um livro cheio de histórias sem pé nem cabeça, que foi escrito por um povo que se acha melhor do que todos os outros.
    É por isso que existe tanta coisa errada no mundo. Pais que abandonam os filhos, filhos que desrespeitam os pais, ladrões por todos os cantos, gente se entupindo de drogas e cagando nas ruas, sujando tudo e emporcalhando o mundo, fazendo coisas nojentas em público, como se estivéssemos em plena Sodoma e Gomorra.
    Deus destruiu Sodoma e Gomorra por causa da iniqüidade do seu povo. E vai destruir o mundo atual por culpa da imoralidade da geração atual. Isso foi o Adrammelech que disse e eu acredito nele. E é por isso ele veio de Mercúrio. Para escolher as pessoas que se salvarão, para formar a nova humanidade que herdará a terra.
    Odeio principalmente essa gente que mora nas ruas. Se esses indivíduos moram nas ruas é porque não prestam. Se prestassem não teriam deixado suas famílias, não teriam se tornado usuários de drogas, alcoólatras, mendigos e vagabundos. Odeio também essa gente que fica nas esquinas, se fazendo de artistas de circo, e essas crianças e adultos, que ficam nos semáforos com seus rodinhos, sujando e riscando os parabrisas dos nossos carros com sua água imunda e suas flanelas nojentas.
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     Nunca tinha ouvido antes esse nome: Adrammelech.  Nome estranho, mas bastante sugestivo, forte, diferente. Se um dia tiver um filho vou dar esse nome a ele. Também não sei o que é a Ordem de Samael, essa Irmandade à qual ele pertence. Ele me explicou, mas eu não consegui entender muito bem. Acho que é uma espécie de Maçonaria. Mas eu também não sei direito o que é Maçonaria. Só sei que seus membros se vestem de preto e fazem reuniões secretas dentro de uma igreja que eles chamam de Loja. Dizem que os maçons têm parte com o Diabo.. Quem costuma falar isso são os padres e os pastores. O pastor da minha igreja vive metendo o pau nos maçons. Mas isso deve ser maledicência. Eles não parecem ser gente tão ruim assim. Já trabalhei para um deles e a única coisa que estranhei foi aqueles símbolos esquisitos que eles usam. Esquadros, compassos, réguas, um olho no topo de uma pirâmide, uma corda cheia de nós...  
     Sei lá. Tenho por costume desconfiar das coisas que eu não entendo. Elas pertencem a um mundo desconhecido, feito de magia e mistério, que me assustam e provocam arrepios na minha espinha. A Bíblia condena essas coisas e como eu sou um crente convicto também tenho que condenar.
     
      O Adrammelech é um cara legal. Desde o primeiro dia em do que o vi, a gente se deu muito bem. Ele apareceu de repente, como se saísse do nada, sentou-se ao meu lado na igreja e disse que andava me observando há algum tempo. Perguntei porque e ele me respondeu que eu tinha sido escolhido para fazer um trabalho. E se eu o fizesse bem, a minha vida iria mudar para muito melhor.
      Claro que eu me interessei logo pela conversa dele. Principalmente porque ele disse que a minha vida ia mudar para melhor. Sempre fui um cara muito sofrido. Não sei quem foi meu pai e minha mãe não é o tipo de mulher que alguém gosta de chamar de mãe. Ela dava para todo mundo. Quando eu era criança ela me mandava sair de casa de madrugada, e ir para a rua ganhar algum dinheiro. Não importava o que eu fizesse para isso. Só tinha que trazer algum para casa. Se não trouxesse, ela me batia e me botava para dormir com fome.
      E sempre tinha um cara que vinha dormir com ela. Geralmente um sujeito diferente. Por isso, tão logo comecei a ganhar dinheiro suficiente para me manter, fui embora de casa. Nunca mais a vi. Soube que ela foi assassinada por um desses caras que ela levava para dormir com ela. Sempre soube que isso ia acontecer um dia, por isso não derramei uma lágrima.
     Eu não me aborreço em ser chamado de filho da puta, mas dói imensamente saber que, de fato, eu sou filho de uma.
 
     O Adrammelech não mentiu para mim. Ele se tornou o meu melhor amigo. Só pelo fato de ele ter me ajudado a melhorar de vida eu acho que ele foi a melhor coisa que me aconteceu. Ele me ajudou a arranjar um emprego melhor. Imaginem vocês que eu era um mero servente de pedreiro, e em menos de seis meses me tornei mestre de obras! Ganho agora dez vezes mais do que ganhava antes. Consegui até comprar um Fiat Pálio semi novo com o qual, parece, fiquei mais bonito, pois tenho conseguido até pegar algumas garotas, coisa que não conseguia antes.
     Sim, eu estou agora bem de vida e sei que devo tudo ao Adrammelech. Foi ele que me ensinou, em tão pouco tempo, as técnicas de construção e administração de obras, com as quais eu convenço as pessoas a me contratar como empreiteiro. Foi ele que me ensinou as melhores cantadas, com as quais eu pego as meninas mais gostosas. Ele me ensinou a falar e a me vestir bem. Ele me transformou neste sujeito boa pinta que sou agora.
      O Adrammelech é o meu gênio protetor. Por isso não estranhei quando ele me trouxe aquele facão afiado e disse que estava na hora de pagar tudo que ele havia me ensinado até então. O que eu tinha que fazer era simplesmente cumprir um pequeno ritual para poder entrar na Irmandade de Samael. Eu teria que matar doze pessoas. Matar, não. Eliminar, disse ele. Matar é um verbo que denota uma ação destrutiva sem finalidade. Já eliminar sugere uma ação profilática necessária e útil. Hitler, por exemplo, não matava. Ele eliminava as pessoas que eram inúteis e perigosas para o seu projeto de governo. Assassinos matam. Administradores eliminam. Nesse simples exercicio de semântica, o Adranmelech disse, está o segredo da eficiência administrativa. Eu não também não sei o que é ssemântica, mas logo intui que ele estava certo, por que sempre achei que essa escória de vagabundos e viciados que vivem nas ruas eram uma doença da sociedade.
       Por isso não me abalei nem um pouco quando Adranmelech me disse que eu devia eliminar doze pessoas como parte da minha iniciação na Irmandade de Samael. Os "eliminados" deviam ser mendigos, moradores de rua, ou ainda prostitutas ou drogados. Ele me disse que isso era o que o “o Mestre da Irmandade" exigia, pois o mundo precisava ser limpo dessa imundície. Era um serviço que eu tinha que fazer para o bem da humanidade.
     Não foi difícil entender o que ele queria que eu fizesse, nem achei que fosse coisa ruim. Como já disse, eu não gostava mesmo dessa gente que dorme em baixo das marquises, congestionando as calçadas, cagando e mijando na rua, jogando lixo e sujeira para todos os lados. Também sempre odiei essa gente que se droga, esses mendigos sujos, fedorentos e maltrapilhos que ficam pedindo esmolas nos semáforos. E as prostitutas então... Essas malditas lembravam a minha mãe...
 
     A minha primeira vítima foi uma delas. Talvez eu tenha começado com as prostitutas justamente porque estava pensando em minha mãe. Não sei. Mas eu a retalhei com gosto. Foi fácil atrair a bobinha. Ela entrou no meu carro. Levei-a para um local bem afastado da cidade, pedi para ela tirar a roupa e fechar os olhos. E quando ela esperava que eu fosse fazer sexo com ela, o que entrou no corpo dela não foi uma coisa quente como um membro viril, mas sim a lâmina fria do meu facão. Um golpe só, na garganta. A cabeça daquela cadela fedorenta rolou que nem uma bola que a gente chuta.
      Na mesma noite, depois de matar aquela puta, eu vinha voltando para a cidade e vi aquele mendigo dormindo no ponto do ônibus. Coberto com jornais, uma garrafa de pinga pela metade, ao lado dele. Combinação perfeita. Peguei a garrafa, derramei a pinga nos jornais. Eu não fumo. Por isso não carrego fósforos nem isqueiro. Mas isso não foi problema. Usei o isqueiro do carro. Foi uma bela fogueira. Deu até para sentir o cheiro da carne queimada, temperada com cachaça. Tive prazer em ver o cara estrebuchando na calçada, um embrulho fumegante, dançando uma dança macabra e arrepiante, no meio da escuridão tenebrosa.
    A terceira vítima da noite foi um morador de rua que encontrei em um semáforo da cidade. Era madrugada. Não havia ninguém na rua. O idiota veio me pedir uma moeda. Disse que era para comprar um pãozinho. Mentira. Era para tomar cachaça, tenho certeza disso. O bafo do cara não me deixava mentir. Desci do carro. Dei-lhe uma estocada bem no meio do umbigo. Depois puxei a lâmina para cima, como se estivesse abrindo a barriga de um peixe. As tripas dele saltaram da sua barriga e derramaram-se no meio da rua. O cara ficou sangrando na calçada, como um frango que a gente acabara de limpar.
 
     E assim foi. Em três dias eu completei a missão que o Adrammelech me deu. "Eliminei" doze pessoas. Livrei a humanidade de doze incômodos focos de pestilência social. Fui metódico. Quatro eram mendigos, quatro eram moradores de rua e quatro eram prostitutas. Não se perdeu nada. Ao contrário, ganhou-se muito.
     No quarto dia, quando eu terminara de fazer a décima segunda vítima, o Adrammelech entrou de surpresa no meu carro, quando eu parei em um semáforo. Não sei de onde ele veio, nem o que estava fazendo ali naquela hora soturna da noite. Mas ele era assim mesmo. Costumava aparecer do nada, nas horas mais insólitas, como se fosse um fantasma.
      “Você cumpriu bem sua tarefa”, disse-me ele. “Agora estamos parelhos com o nosso maior inimigo, o Miguel. Ele é o Mestre da outra Irmandade, a dos Elhoins. Ele levou doze almas para a Irmandade dele esta semana. Por isso nós tínhamos que levar doze para o nossa, para que ela se equilibrasse com ela em poder. Seja benvindo. Você agora é um dos nossos Irmãos.”
      Então ele me disse que a polícia ia me pegar. Mas que eu não me preocupasse com isso. Que tudo já estava acertado para mim. Que eu já tinha conquistado meu lugar ao sol. Eu acredito. O Adrammelech nunca mentiu. Agora mesmo, enquanto o delegado me interroga, e os policiais ficam me olhando com essa cara de horror, como se eu fosse um psicopata sem cura, ou uma pobre alma possuída pelo demônio, como disse aquele padre, ele está ali, sentado, morrendo de rir disso tudo. Ninguém pode vê-lo, pois ele não se mostra a quem não é iniciado nos Mistérios da Ordem de Samael.
      Eu posso vê-lo. Ele está ali, sentado em um dos cantos da sala, solidário como um Mestre que acompanha o seu discípulo em uma prova. Está sorrindo para mim agora e me dizendo que tudo vai ficar bem.
      Eu confio nele. Por isso estou tranquilo. Eu sei que nada pode me atingir neste mundo. Aconteça o que acontecer, eu ficarei bem. Porque agora eu já sou um deles. Um membro da Sociedade Secreta de Samael.*


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*Nota do autor: Adranmelech é um dos dez principais demônios citados pela Cabala, e Samael é a Ordem demoníaca á qual ele pertence, e atua como Mestre. Ele aparece na oitava manifestação Sefirótica da Árvore da Vida e sua influência corresponde, no Zodíaco, ao planeta Mercúrio, anunciador das grandes tragédias. Elhoim é a principal ordem angélica da Árvore da Vida e  Miguel é o seu Mestre. Sua área de influência é o sol, o astro da luz. Na Cabala cristã o Arcanjo Miguel é identificado com o Cristo e Adranmelech com o Arcanjo rebelde Lucifer. 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 09/04/2019
Alterado em 10/04/2019


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