TERRÍVELMENTE EVANGÉLICO
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Dois defuntos chegaram á porta do céu juntos. São Pedro consultou os passaportes dos dois e viu que o primeiro era um trabalhador que se dizia ateu, mas todos os registros o davam como uma pessoa muito honesta. Sua ficha também dizia que ele criara uma bela família e fora muito útil para sua comunidade.
São Pedro foi logo carimbando o seu passaporte. ─ Pelo visto você foi um bom homem. Seja bem vindo ao céu, meu filho.
Depois examinou a ficha do outro. Tratava-se de um padre, muito rígido em questões de moral e ferrenho defensor da ortodoxia religiosa.
São Pedro olhou para ele com satisfação. “Eis um dos nossos”, pensou consigo mesmo. “Um batalhador pela nossa causa, defensor da Igreja que eu fundei.”
─ Seja bem vindo, meu filho. Pessoas como você enobrecem a Igreja─ disse ele ao padre.
Escolheu uma chave, abriu uma das portas laterais e mandou o padre entrar numa sala ao lado, onde dois anjos fixaram nas suas costas um belíssimo par de asas. Em volta de sua cabeça colaram uma linda e vistosa auréola, tão luminosa e colorida, que pareciam órbitas de um elétron em volta do seu núcleo..
O padre ficou felicíssimo. Ele era, agora, um anjo.
São Pedro o olhou de alto a baixo e soltou um assobio de satisfação.
─ Ótimo, meu filho! Você está lindo. Agora escolha uma nuvem e comece a fazer o seu trabalho.
─ Desculpe, Santo Apóstolo ─ disse o Padre. ─ Não entendi. Se agora sou anjo, não deveria ir para o céu?
─ Ah! Esqueci de explicar para você que os anjos não moram no céu. Eles são guardiões da obra de Deus. Por isso vivem nas nuvens observando o mundo e intervindo nele para corrigir desvios e erros que possam colocá-lo em perigo de extinção.
─ Mas, Santo Apóstolo, isso não é injusto? Que adianta ser anjo? Rezei a vida inteira e agora vou ter que trabalhar eternamente? Isso não é uma inversão de valores? Porque aquele ateu pode entrar no céu e eu, um anjo, devo trabalhar? ─ choramingou o padre.
─ Ah! Isso é outra coisa que precisa ser explicada ─ disse São Pedro. ─ É que o céu não se conquista com rezas, mas sim com obras e virtude. Cada um escolhe sua forma de recompensa. Você escolheu a sua. Agora, vá para a sua nuvem, meu filho, vá...
Dedico esta metáfora ao presidente Bolsonaro. Para dizer a ele que nenhuma religião tem o monopólio da virtude. Um ministro do STF precisa ser honesto, imparcial, ter reputação ilibada e notório conhecimento jurídico. Não precisa ser “terrivelmente evangélico”. A propósito, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, o casal Garotinho também são evangélicos. E a não ser que o presidente esteja pensando em substituir a Constituição pela Bíblia, é melhor ele começar a procurar um profissional com essas qualidades, porque no seu ministério já há fariseus demais.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 10/07/2019
Alterado em 11/07/2019