Oh! Minha árvore, meu gato, minha estrela fundamental,
E todos os meus amores de cima e debaixo deste céu,
Eu não quero viver afastado de vós, nem fora de vós,
Eu só quero me sentir em estreita união convosco,
Pois somos todos células do mesmo corpo.
Eu não vos destaco, ó doce e fraternal palavra,
Da branca página em que eu vos deito, inocente,
Como uma mulher pronta para o primeiro ato de amor.
Dela irradias a essência de uma mente pobre e incerta
Mas cheia de sonhos e vontade de descobertas.
Vós, palavra, sois a minha alma, jateada em indelével tinta
E vossas irmãs são filhas do mesmo juvenil anseio
A me falar de um mundo mágico que não vejo
Mas que existe em minha alma como realidade inegável.
Não vos arranco, ó agreste flor do campo
Dessa terra estéril em que brotas, incerta e frágil.
Sei que não preciso compreender vosso curto ciclo de vida
Para vos dar a importância que mereces.
Eu só quero admirar-vos na completude do vosso mundo
Porque o belo não reside na indigência do desgarrado.
Nós somos um e vossa beleza depende dos meus olhos
Assim como minha visão só se completa na vossa presença.
Não preciso perguntar-vos nada, ó doce ribeirinho
Nem que expliques por palavras vosso eterno e alegre canto.
Vossa canção já estava explícita em minha alma
Muito antes que todas as chuvas vos gerassem.
Nem preciso seguir vosso caminho por essas penhas sentinelas
Ou chegar até o mar tempestuoso onde vos aninhais
Para saber o quanto sois importante para a minha existência.
Eu vos saúdo com todas as vozes do meu coração.
Não pretendo discutir vossos motivos, ferocíssimo tigre,
Nem vosso direito de caçar e alimentar-se do formoso gamo;
A natureza, nossa mãe, vos deu essa prerrogativa.
E seus decretos são corretos e incontestáveis.
O que fazeis e os vossos primos, os leões, os leopardos e as hienas,
São apenas o cumprimento de uma saga.
No processo das espécies que se revesam sobre a terra
Reside a lógica que preside a vida do universo.
Eu não vos temo, ó terrível tufão dos trópicos
Na vossa horrenda ação, terrível e destruidora,
É por vós que a Nossa Mãe exercita sua força,
E a vossa fúria é a mão de um deus descontrolado.
O que fazeis, fazeis sem ódio nem intenção
E só por isso já mereceis o meu respeito.
Se existes é porque sois necessário nesse concerto
Onde o medo é a semente que dá vida à coragem.
Eu não vos amo ó companheira dos meus dias
Com sentimentos já descritos em nossos livros.
O meu amor não se radica no intelecto
Nem se fundamenta nas virtudes do meu corpo.
Meu amor é natural como o que a abelha e a flor
Praticam, sem pudores, nas manhãs da primavera.
Eu não preciso entender-vos Oh! Minha alma
Pois do meu corpo não vos distingo nem separo;
Sois energia refletida, condensada em amorosa luz
Vinculando meu ser à razão primeira do universo.
Por isso não sois uma nem sois única
Mas multidão que se unifica na unidade.
Eu vos sinto, ò Deus, como um Ser que se conhece
E a quem se pode dar e receber cumplicidade.
Não fosse assim Vos apartaria do universo
E eu não teria esta sensação de pertencialidade.
Eu Vos enxergo em todas as coisas que existem
E vejo nelas intenção de solidariedade.
Tudo é uno neste mundo que criastes, ó Senhor,
E o vosso Amor é a argamassa que nos une.
Por isso, quanto mais o impulso inicial do universo
Nos leva para longe do vosso primeiro alento
Mais nos aproximamos do vosso espirito fundamental,
Onde todos os finais se consumam e se condensam
Para novos inícios que se repetem eternamente.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 06/08/2019
Alterado em 12/09/2019