Bem de manhã, sol começando a raiar,
Eis-me passeando, numa praia deserta.
Sentado na areia, meus olhos a vagar
Me sentindo albatróz, planando no ar.
- Ou um barquinho, com a vela aberta.
Aonde vou? Alguém pode querer saber,
Para mandar procurar os meus restos
Se porventura alguma coisa acontecer,
Ou se por outra eu vier a desaparecer;
- Ou ocorrer quaisquer outros funestos.
Mas eu não sei onde eu quero aportar,
Meu pensamento não tem timoneiro;
É só um barco na imensidão do mar,
Ao sabor das ondas e correntes de ar;
- Nem ele tem idéia do seu paradeiro.
Sem rumo certo, como o antigo viking,
O pensamento navega por ilhas ignotas,
Onde a lua descansa, o sol se extingue,
E o penhasco mais alto é um estilingue
- Arremessando no ar pedras-gaivotas.
Nuvens branquinhas parecem coladas
Na abóbada do céu, tinta de metileno;
E a Aurora - menina de faces coradas-
Lindos cabelos de madeixas douradas,
Penteia-se no vento que sopra sereno.
E na lassidão desse horizonte infinito,
Onde mar e céu uma só coisa parece;
Nem Zéfiro com seu estridente grito,
Soprando nas grutas um irritante apito,
Pode fazer com que o tempo se apresse.
Sem lugar para ir ou pressa de chegar
E o chicote das ondas batendo na proa
No doce embalo do meu berço no mar
Chego até a dormir e consigo sonhar.
- Meu pensamento é um barco que voa.
No embalo do sonho, no meu flutuar,
Ao longe diviso um contorno de ilha.
Parece-me ouvir uma mulher a cantar
Uma melodia suave, canção de ninar,
-Será acalanto de mãe a velar sua filha?
Mas logo percebo que ali é o rochedo
Onde Lígia-sereia canta a sua canção.
Todo marujo sabe, pois não é segredo,
Que o cantar da sereia é doce enredo,
Que leva do homem alma e coração.
O temor da loucura é uma coisa real!
E não é difícil enlouquecer de paixão.
Por isso me afasto desse rochedo fatal;
E fecho os ouvidos ao canto infernal;
- O que menos desejo é perder a razão.
Acordo aliviado por escapar dessa teia,
Mas logo não posso conter o meu riso,
Admirando você, ao meu lado na areia.
Pois me dei conta de quem era a sereia,
E que por sua causa eu já perdi o juízo.
Então me pergunto:
Por que devo buscar no sonho a verdade
Se já estou vivendo com ela na realidade?
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 07/09/2019
Alterado em 07/09/2019