Algo de mim ficará nas coisas que toquei,
Nas mãos que afaguei,
Nos lábios que beijei,
Nos lugares em que passei
Onde minha sombra recortou a luz
E fez com ela uma silhueta,
Para o tempo preencher o álbum das identidades.
Do meu tempo ficará um pouco,
Exposto no intervalo de dois acontecimentos:
Um parto e um funeral, ambos tornados em ritual.
Do meu ódio ficará um pouco,
Registrado nos meus poemas sem arte
E na minha rebeldia sem endereço certo.
Da minha inveja e do meu prazer ficará um pouco
No inventário das minhas tentativas para ser,
E nos espasmos da minha sensibilidade satisfeita.
Mas sobretudo, ficará um pouco
De tudo que eu senti e fiz sentir.
Algo de mim, um pouco de mim, tudo de mim...
Os meus rastros sobre a terra,
Minha voz na canção do vento,
Minha respiração no sopro ar,
O toque das minhas mãos nas coisas,
As imagens que meu cérebro montou,
E as palavras que a minha laringe
Consciente ou inconscientemente elaborou.
Sobretudo, ficará de mim,
Os pensamentos que eu emiti,
Incorporados á atmosfera
Formada de todos os pensamentos
Em todos os lugares e tempos,
Que fazem o Inconsciente coletivo da humanidade.
Assim, sobrevivo á minha passagem pela terra,
E escapo da voragem da entropia.
Sou energia enrolada sobre si mesma
E minha carne se espiritualiza em pensamento.
Minha mente se agrega ao espírito da terra,
Como se fosse mais um neurônio na mente do universo.
Assim, a simbiose se completa.
Mansamente, como um rio que o oceano absorve,
Meu espírito descansa nos braços da eternidade.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 16/10/2019
Alterado em 16/10/2019