João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


Quanto custa a burocracia estatal ao bolso do cidadão brasileiro? Eis uma pergunta difícil de responder. Que é caro, todo mundo sabe, pois toda vez que precisamos de um serviço público temos que pagar por ele, seja em forma de impostos, taxas e contribuições de melhoria, tecnicamente conhecidos como tributos, seja através de tarifas, corveias, pedágios, sisas, emolumentos e outras obrigações que o estado exige para tudo esteja nos conformes da lei. Senti tudo isso na pele quando fui fazer uma procuração num dos cartórios da cidade. Paguei pelo tal documento a bagatela de duzentos e trinta e sete reais e cinco centavos. Quando fui ver para quem se destinava tanto dinheiro – pago por um documento de duas páginas - aprendi que pelo menos oito entidades e repartições diferentes recebiam uma fatia desse bolo que foi cozido com minha pobre procuração. Pela ordem, o cartório levava a maior parte. Depois dele vinham o Estado, a Secretaria da Fazenda, a Santa Casa da cidade, o cartório do registro civil, o Tribunal de Justiça, o fisco municipal e o Ministério Público. Todos esses entes públicos davam uma “mordida” no produto desse serviço, que até hoje ninguém explicou porque é delegado a particulares que “vencem’ uma espécie de concurso público e obtém a concessão para administrar um cartório num sistema de franquia bem estranho. A propósito, a expressão “empresário cartorial” foi popularizada nos anos noventa, quando se discutiu a proposta de estatização desse serviço, que na verdade, deveria ser prestado pelo Estado, gratuitamente, e não por particulares a preços tão extorsivos. “Empresário cartorial” tornou-se sinônimo de empreendedor que não precisa investir quase nada no seu negócio, recebe praticamente de graça um empreendimento que tem mercado cativo e oferta um serviço de consumo obrigatório, que a burocracia estatal não só exige por força de lei, como também vive se esforçando para ampliar constantemente.
Cartórios são um resquício da cultura feudal, onde os reis distribuíam aos seus vassalos o controle de alguns serviços de arrecadação compulsória, dividindo com eles os resultado da arrecadação. Assim eram os serviços de alfândega, hospitais, arquivos notariais, registros de propriedade e outros títulos, etc. Esses serviços eram controlados por nobres vassalos da coroa ou por Irmandades religiosas que detinham esses direitos. Portugal, um dos últimos países da Europa a banir o regime feudal da sua estrutura econômica, trouxe para o Brasil esse sistema ao implantar aqui o regime de capitanias hereditárias como forma de colonização do país. Esse sistema, o de capitanias, nada mais era do uma adaptação do sistema feudal, com controle feito por aividades cartoriais.
Por conta disso ainda sofremos os reflexos dessa organização burocrática retrógrada, que congestiona os caminhos da nossa vida civil com a exigência de dezenas de documentos, certidões e carimbos e inflaciona a vida econômica do país com custos desnecessários e, no mais das vezes, sem qualquer benefício para o povo;
Mas se nem a ditadura militar conseguiu acabar com essa burocracia que morde cerca de vinte bilhões por ano do PIB brasileiro, é porque os interesses por trás dessa atividade são mais fortes que o próprio interesse nacional. E assim, como diz uma velha canção, vamos continuar pagando para nascer, para viver, para morrer e para tudo o mais que se quiser fazer neste país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 10/03/2020
Alterado em 11/03/2020


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