A DEBANDADA DOS SECRETÁRIOS
Willian Shirer (Ascensão e Queda do Terceiro Reich, vol I), disse que uma das principais reclamações de Hitler ao assumir o cargo de chanceler, foi que seria impossível governar a Alemanha com “aquela” Constituição. A Constituição a que ele se referia era a de Weimar, carta elaborada após a derrota alemã na primeira guerra mundial. Segundo Hitler, tratava-se de uma aberração jurídica que instituía um estado socialista para governar um povo de mentalidade liberal-conservadora, forjada na autoridade de um Fuehrer (líder). Por isso, seus primeiros atos de governo foram no sentido de dissolver o Parlamento e providenciar eleições, quantas fossem necessárias, até conseguir um Congresso de maioria nazista.
Guardadas as devidas diferenças, é o que está acontecendo hoje no Brasil. Bolsonaro, um presidente direitista-conservador, está sentindo na pele o que é tentar implantar um governo liberal num país com uma Constituição de tendências marcadamente socialistas.
Pois foi isso que os constituintes de 1988 fizeram: construíram um estado com ideais socialistas para ser governado dentro de uma estrutura política liberal.
Isso não é de estranhar. Constituições são feitas por uma maioria de cabeças voltadas para a política e esta não se faz sem dinheiro público. Por sua vez, querer que políticos sejam criteriosos com o dinheiro público é a mesma coisa que desejar que adolescentes rebeldes não se sintam atraídos para a transgressão. Todos os políticos, sejam de esquerda ou de direita, são socialistas em seus discursos e liberais quando se trata de gastar o dinheiro público.
Menos Brasília e mais Brasil, como quer o Presidente, só seria possível se o Brasil não fosse um país “coronelizado”, onde as empresas estatais e os principais órgãos do serviço público não fossem controlados por “famílias” e castas de funcionários públicos especiais, cujos privilégios e benefícios são todos constitucionais.
A debandada de secretários do Ministério da Economia (nove até agora) mostra bem a dificuldade de se fazer qualquer reforma de verdade na estrutura da nossa República. Quem se atreveria a fazer uma reforma administrativa que mexesse com os privilégios dos funcionários do Poder Judiciário, por exemplo? E com os funcionários do Legislativo? E com os marajás do Executivo? Ou que acabasse com a criação de municípios que só servem para empoderar políticos e arrumar emprego para seus amigos e familiares?
Bolsonaro já percebeu que a sua cruzada direitista não vai conquistar a Jerusalém do Planalto e já se prepara para fazer acordos com os barões da terra para garantir, pelo menos, um mandato completo. E Guedes jamais conseguirá emplacar a sua agenda liberal. Nada de amplas reformas, quer sejam políticas, administrativas, trabalhistas ou econômicas. Admitem-se alguns remendos no tecido, como as pífias mudanças na legislação trabalhista já aprovadas e as inócuas propostas para a reforma tributária, que no fundo deixará tudo igual ao que já está. E nós continuaremos prestando cultos a personalidades que se elegem prometendo tudo e no fim fazem muito pouco. Mas como diziam os faraós do antigo Egito, let it be written, let it be done. (Assim se escreva, assim se cumpra).
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 13/08/2020
Alterado em 13/08/2020