João Anatalino

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UMA BREVE HISTÓRIA DOS RITOS MAÇÔNICOS
 
Ritos são formulações teatrais que se destinam a impressionar o espírito do praticante, forjando âncoras que fixam o conteúdo da crença ou do sentimento que se pretende incutir na pessoa. Daí a razão de todas as religiões terem seus ritos próprios e também as instituições que, de alguma forma, ministram ensinamentos, se valerem desse instrumento para propagar seus conteúdos doutrinários. Na nossa própria vida, os principais acontecimentos são acompanhados de rituais apropriados para marcá-los como passagens obrigatórias em nossas existências. Daí os rituais do batismo, do casamento, da formação universitária, do funeral, etc.
A Maçonaria pode ser classificada como uma sociedade teosófica. Essa foi a característica que seus fundadores, em fins do século XVII, a partir da ideia de uma confraria mundial de “espíritos esclarecidos”, lançada pelos simpatizantes do movimento Rosacruz, lhe deram. Com isso, transformaram em instituição uma utopia que só existia na cabeça de alguns idealistas. Daí a confusão que se estabeleceu em alguns espíritos conservadores da época – presentes principalmente na Igreja Católica e entre os protestantes radicais - de que a Maçonaria era uma nova religião, e que, para torná-la ainda mais sinistra aos olhos daqueles fundamentalistas, foi taxada como  francamente anticristã e herética.  
Isso porque os ritos praticados pelos novos maçons – as pessoas que se filiavam às Lojas que se formavam por toda a Europa -  eram virtualmente ligados á motivos pagãos e heréticos. Em alguns casos, inclusive, já julgados e condenados pela Igreja Romana, como os ritos praticados pelos Templários e os Cátaros por exemplo, e as claras alusões a motivos cabalísticos e ensinamentos gnósticos, banidos e condenados pela teologia cristã há muitos séculos atrás.
É certo que os rituais praticados pelos novos maçons – que adotaram esse título em respeito aos antigos construtores de igrejas e outros monumentos públicos – não guardavam muita analogia com seus antecessores. Não encontramos nos registros das reuniões dos chamados maçons operativos, alusões a ensinamentos gnósticos e cabalísticos, ou mesmo alguma forma de esoterismo, que se tornou uma marca registrada da maçonaria especulativa. Na verdade, os rituais praticados pelos maçons operativos estavam mais ligados à conhecimentos de sua profissão, como os elementos de matemática e geometria, próprios da ciência da arquitetura, do que aqueles referentes à antigas crenças solares, e mesmo alusões a  motivos bíblicos do Velho Testamento, que se tornaram verdadeiras colunas mestras nos ensinamentos da Maçonaria e serviram de informações basilares para o estabelecimento de seus ritos.[1]
Não é difícil entender porque essas tradições oriundas de crenças antigas - opostas mesmo ao cristianismo praticado na época - foram apropriadas nos ritos da nova Maçonaria que se institucionalizara a partir da união das Lojas inglesas e a disseminação da sua doutrina pelos países da Europa e nações que surgiram no Novo Mundo. Essas tradições estavam sendo fortemente revalorizadas pelo novo pensamento que se convencionou chamar de Renascença. Pensadores importantes, como Marcilio Ficcino, Jean Batista Della Porta, Giordano Bruno, Cornélio Agripa, Teofrasto Paracelso, além de cientistas influentes como Copérnico, Galileu, e os praticantes de alquimia, que era praticamente a ciência operativa da época, todos ocupavam-se do assunto, impregnando a teologia cristã de velhas ideias gnósticas e crenças antigas que os cultores do cristianismo oficial acreditavam ter banido há muito tempo. Era a revitalização do cristianismo místico que fora tão influente nos primeiros séculos da era cristã e que havia sido sufocado pelo Concílio de Nicéia.[2]
A Reforma Protestante havia colocado em cheque as pretensões da Igreja de Roma em ser a única representante da fé cristã no mundo. As várias seitas protestantes (hoje evangélicas) que nasceram da rebelião de Martinho Lutero, cada uma estabelecia seus próprios rituais para instrumentar a sua crença. Novas formas de batismo, diferentes maneiras de realizar um casamento, regras próprias para funerais, reuniões nos templos, etc. E no meio dessa avalanche de novas idéias e práticas rituais, a nascente Maçonaria dos pensadores dos novos tempos não poderia deixar de gerar as suas práticas rituais.
São muitas as influências que modelaram os ritos maçônicos. A mais praticada forma de Maçonaria que ganhou o mundo e sedimenta hoje a teatralização das seções maçônicas são oriundas da Escócia. Estão presentes no Chamado Rito Escocês Antigo e Aceito e no Rito de York, que no seu conteúdo são bastante semelhantes, diferindo apenas no título dos capítulos, na quantidade deles e em algumas encenações ritualísticas. Esses ritos, acredita-se, foi bastante influenciado por certos elementos das antigas regras cavaleirescas, praticadas pelos cavaleiros das Ordens Militares durante as Cruzadas. Esses elementos teriam sido desenvolvidos especialmente pela liturgia praticada pelos Cavaleiros Templários em suas reuniões de iniciação e doutrinação, tendo sido repassados à Maçonaria pelos escoceses da Ordem de Santo André do Cardo, Irmandade criada pelo rei escocês Robert Bruce para acoitar os cavaleiros templários que estavam sendo perseguidos pela Igreja na época.
A agregação da liturgia e de algumas crenças praticadas pelos Templários, à pratica dos antigos construtores de igrejas, deu em resultado a chamada Maçonaria Especulativa, como hoje nós a chamamos. O forte apelo que os ritos maçônicos atuais mantém com a alquimia, algumas teses gnósticas e principalmente, a cabala judaica, provém certamente dessa fonte templária, pois hoje está mais que provado que esses famosos cavaleiros estiveram profundamente envolvidos com essas tradições, e que esse envolvimento foi a causa da supressão dessa Irmandade e a morte de seus lideres na fogueira.
Como se sabe, o registro de nascimento da Maçonaria moderna foi a fundação da Grande Loja de Inglaterra, em Londres, em 24 de Junho de 1717. Nessa época a prática maçônica, como hoje a conhecemos, já estava completamente desvinculada da tradição operativa dos construtores de igrejas. A ideia de uma confraria a nível mundial, que trabalharia para operacionalizar a ideia dos rosacruzes ( o estabelecimento de uma sociedade mundial, política e religiosa, como queriam aqueles pensadores) nascia naquele momento e ganharia corpo como primeira Obediência institucional, federalizando outras células por toda a Europa e logo depois pelos territórios do Novo Mundo.[3]  A partir deste ponto a Maçonaria especulativa ou filosófica converteu-se numa grande sociedade sem fronteiras, como queriam seus idealizadores rosacruzes.
A tradição, as crenças, os costumes de cada povo, por onde a Maçonaria se difundiu modelou o formato de cada rito que então passou a ser praticado na Ordem Maçônica. Dentro de um mesmo país pode ser observado a prática de diversos ritos diferentes. A história da Maçonaria portuguesa, por exemplo, registra, em seus primórdios (1820 a 1869) a prática de seis ritos diferentes: o Rito Francês, Rito Simbólico Regular, Rito Escocês Antigo e Aceito, o Rito de Heredom, o Rito Ecléctico Lusitano e o Rito de Adopção, conquanto a constituição maçónica de 1806  tivesse adotado o Rito Francês como rito oficial e único a ser praticado no Grande Oriente de Portugal.[4]
Essa foi uma imposição do momento histórico vivido por Portugal, ocupado que estava pelas tropas de Napoleão. Com a libertação, voltaram os portugueses a sofrer a influência dos ingleses, conservando-se, entretanto, muita ligação com os franceses, que a essa altura já trabalhavam com a tradição legada pelos Templários, a eles comunicada através do trabalho realizado por Charles Radcliff, o nobre escocês, que levou para a França o Rito Escocês Antigo e Aceito.
No Brasil a primeira Loja Maçônica surgiu na Bahia em 1797, cerca de 80 anos após a fundação da grande loja de Londres. Suas primeiras reuniões foram realizadas a bordo de uma fragata francesa, onde provavelmente se iniciaram os homens que iriam promover, alguns anos mais tarde, a Independência do Brasil. Essa informação se infere pelo caráter eminentemente iluminista que a campanha pela independência brasileira assumiu, caráter esse que estava fundamentalmente vinculado às ideias dos revolucionários franceses. É nessa fonte histórica que podemos identificar as raízes da Maçonaria brasileira.
 
(continua)
 
[1] Referimo-nos à Lendas como a de Hiram Abbif, que é uma reminiscência de antigos cultos solares e alusões ao mito do sacrificado, que em muitas religiões antigas eram realizados para dar sacralidade ao edifício construído. Ver também antigos manuscritos dos maçons operativos, como o Manuscrito Cooke, por exemplo, documento que serviu de base para a Constituição de Anderson.
[2] O Primeiro Concílio de Niceia, realizado em 325 e.C, foi realizado com o patrocínio do Imperador romano Constantino, para definir os cânones da crença cristã. Nesse sentido, os bispos ali reunidos decidiram  estabelecer um único entendimento para a doutrina cristã e tratar todas as interpretações em contrário como heresias.  
[3] Vide o Manifesto Rosacruz “Fama Fraternitatis”, de 1614, onde os integrantes desse movimento lançam a ideia de uma “confraria internacional” para lutar e estabelecer um novo mundo, que seria governado pela ciência e pela nova ética trazida pela Reforma Protestante.
[4]  CASTELANNI, José e ALMEIDA de Carvalho - William História do Grande Oriente do Brasil- Madras, São Paulo, 2009.

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João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 07/12/2020
Alterado em 13/12/2020


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