João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


 
OS RITOS MAÇÔNICOS –BREVE HISTÓRIA
 
Vimos que rito é um conjunto sistemático de cerimônias cujo objetivo é fixar no espírito do praticante a importância de determinado acontecimento. Não raramente ele veicula ensinamentos de caráter filosófico ou religioso, que compõe o glossário de uma prática religiosa ou filosofia de vida. Na Maçonaria eles variam de acordo com o período histórico em que foram instituídos, refletindo, no mais das vezes, a conotação, o objetivo e a temática que foi dada pelos seus criadores. Ao longo da história da maçonaria moderna estima-se a existência de mais de 140 ritos diferentes, a maioria dos quais já extintos. Os ritos hoje mais difundidos no mundo são atualmente os de York, o Escocês Antigo e Aceito, O Francês ou Moderno, o rito de Schroeder, e o de Memphis-Misraim. No Brasil temos, além desses acima citados, o Rito Brasileiro e o Rito Adonhiramita.
Rito de York
 
Segundo alguns autores esse rito foi criado por volta de 1743 pelos ingleses das Grandes Lojas, sendo, portanto, um dos mais antigos praticados pela chamada maçonaria filosófica .Teria sido levado ás colônias americanas por volta de 1777, e sob sua égide foram iniciados os líderes que promoveram a independência americana e a fundação dos Estados Unidos da América. Isso explica o caráter essencialmente iluminista dos seus ensinamentos. Por isso apresenta também um caráter teísta, com forte influência nos postulados da Reforma Protestante, no que tange aos elementos de culto e na liberdade de crença. Até 1744 praticava apenas os três graus simbólicos. Em 1799 o americano Thomas Smith Webb reformou as bases filosóficas do Rito, dando-lhe os contornos  filosóficos que ele tem hoje, mais de acordo com as tradições americanas. Isso se deu principalmente em razão da separação política ocorrida entre as colônias americanas e a coroa inglesa, e o desejo dos americanos de desenvolver suas próprias tradições, o que, por consequência, resultou em uma maçonaria também independente da sua origem inglesa. Por isso alguns autores têm o Irmão Webb como um verdadeiro fundador do Rito de York, quando, na verdade, ele foi apenas um reformador da sua estrutura filosófica.[1]
Em 1813 o rito foi novamente reestruturado, nos Estados Unidos, com a introdução de um grau filosófico denominado ROYAL ARCH.  Hoje ele possui 13 graus, sendo o rito mais difundido no mundo maçônico. No Brasil, as Lojas que o pratica ainda seguem o velho sistema inglês que observa as cerimônias tradicionais conhecidas como Emulation working (trabalhos de Emulação). É que para os ingleses mais conservadores,o sentimento de emulação é o que leva o homem a buscar o aperfeiçoamento espiritual que a Maçonaria tanto estimula. Dessa forma, o rito seria uma estimulação de virtudes, e essa seria a sua grande virtude.
Rito Escocês Antigo e Aceito
 
Historicamente acredita-se que esse rito foi criado pelos maçons ingleses, denominados jacobinistas, que apoiavam os Stuarts no conflito que se travou entre a coroa inglesa e o Parlamento, na guerra travada pelos descendentes stuartistas que visavam recuperar o trono inglês. Sua origem é obscura, mas geralmente acredita-se que tenha se originado entre as Lojas escocesas das High Lands (terras altas), que na sua maioria eram partidárias da restauração dos Stuarts. A base desse rito está ligada á uma tradição que sustenta ser a Maçonaria escocesa uma continuação de tradições oriundas das Cruzadas, especialmente desenvolvidas pelas Ordens militares fundadas durante esse período. Essas Ordens eram principalmente a dos Templários e dos Hospitalários. Com a supressão da Ordem do Templo na França e nos demais países da Europa, em 1312, alguns desses cavaleiros fugiram para a Escócia e ajudaram o rei Robert de Bruce, antecessor dos Stuarts, a fazer a independência da Escócia. Em retribuição, esse teria fundado a Ordem de Santo André do Cardo, para agasalhar os Templários perseguidos pela Igreja, e essa Ordem seria a origem da Maçonaria escocesa. Com a derrota dos Stuarts, os defensores dos Stuarts teriam se refugiado na França e levaram para lá os fundamentos da Maçonaria escocesa, dando nascimento ao Rito Escocês Antigo e Aceito, que se tornou o rito oficial no Oriente da França e se espalhou pelas Lojas da América Latina, tornando-se o mais praticado no mundo latino.[2]
Isso explica, não só o forte apelo que esse rito tem com as regras da antiga cavalaria, e com a prática alquímica, bem como com doutrinas gnósticas e cabalísticas, que supostamente deviam fazer parte do conjunto doutrinário praticado pelos Templários. Essa é razão de encontrarmos, nos mais variados capítulos do corpo doutrinário que integra os graus filosóficos, títulos como “Cavaleiro do Oriente e do Ocidente”, “Cavaleiro da Rosa Cruz”, Cavaleiro Do Real Machado”, Cavaleiro de Santo André” etc. 
Na verdade, não se descobriu até hoje qualquer documento que prove a existência de um vínculo histórico entre as Ordens de Cavalaria fundadas na Terra Santa durante as Cruzadas e a Maçonaria, a não ser o fato de que essas Ordens mantinham em seus quadros vários arquitetos e pedreiros de ofício, responsáveis pelas construções que eles faziam. E até hoje não se sabe com exatidão quais eram, de fato, os ritos praticados pelos Templários em suas iniciações ou seções capitulares. Essas seções eram realizadas em segredo e não se fazia qualquer registro delas. Assim, não é possível afiançar que esses ritos tivessem qualquer analogia com os praticados pela Maçonaria moderna. O responsável pela informação de que o Rito Escocês Antigo e Aceito, e consequentemente, a Maçonaria escocesa, seria uma derivação sobrevivente dos Templários, deve-se ao nobre escocês André Michel de Ransay, simpatizante stuartista refugiado na França após o fracasso da rebelião jacobinista. Esse nobre escocês, para dar foros de nobreza á Maçonaria escocesa criou o mito de que o rito praticado pelos escoceses seria uma derivação daquele praticado pelas Ordens militares na Terra Santa, especialmente os Templários. Explorando o espírito místico dos franceses, que tinham uma ligação mítica e sentimental com os Templários, ele conseguiu fazer com que os maçons franceses adotassem o REAA e o tornasse o preferido do Oriente da França. Dali ele se espalhou pelos países latinos e se tornou o rito preferido da Maçonaria latina. No Brasil, o REAA é mais praticado nas Lojas maçônicas do país.
 
Rito Francês ou Moderno
 
O chamado Rito Francês ou Moderno provém de uma dissensão entre os maçons franceses ocorrida em 1755, que culminou com uma revisão dos regulamentos e estatutos da Maçonaria francesa, surgindo em consequência a Grande Loja da França, em oposição ao Grande Oriente da França, de orientação inglesa. Também nesse caso, foram as implicações do momento histórico em que viviam as duas nações que motivaram essas querelas. França e Inglaterra viviam em constante estado de guerra e essa conjuntura refletia no movimento maçônico, pois em suas fileiras se encontrava se a grande maioria dos atores políticos da época.
Em princípio, os reformistas procuraram reduzir o número de graus, suprimindo os filosóficos, que eles entendiam demasiadamente ligados à raízes britânicas (escocesas), ficando apenas com os simbólicos. Com o correr do tempo, entretanto. verificou-se que apenas a liturgia das Lojas simbólicas não era suficiente para transmitir os ensinamentos maçônicos que se pretendia passar aos Irmãos. Foi decidido então restituir quatro dos principais graus filosóficos, preservando-se principalmente o caráter filosófico dos ensinamentos, e hoje esse é o rito praticado pelas Lojas filiadas à essa obediência.
O Rito Francês Retificado, como então ficou conhecido, em princípio se fundamentava nos princípios da filosofia iluminista, que pugnava por uma recusa do caráter demasiadamente esotérico do REAA. Primava por mais racionalidade, conquanto não tivesse abandonado as orientações doutrinárias constantes da Constituição de Anderson, que agasalhava uma tendência claramente deísta, mas largamente tolerante, no que concerne à religião. Em 1815, entretanto, o anti-dogmatismo que era característico da maçonaria inglesa, seria contestado na própria Inglaterra com a cisão provocada pelos chamados “maçons modernos” que se desligaram das Grandes Lojas e fundaram a Grande Loja Unida da Inglaterra, alterando inclusive a Constituição de Anderson, fazendo dela um documento contaminado por uma tendência calvinista, que contrastava com o liberalismo e à tolerância da obra original do pastor Anderson. Ao apelo inicial do ensinamento maçônico, que fora largamente inspirado no espírito liberal do iluminismo, foram sobrepostos um certo teísmo pessoal, com imposição de dogmas incompatíveis com a liberdade de pensamento e de consciência. Essa guinada de parte pensamento maçônico inglês, teve, como seria lógico prever, uma grande repercussão na Maçonaria francesa, e ela que havia abolido, em boa parte, o esoterismo dos ritos de origem inglesa, por considerá-los demasiadamente teístas, reforçou a sua face positivista, dando ao Rito Francês Retificado a característica que ele mantém até hoje.[3]
Apesar das dissensões, os maçons franceses, tanto os filiados ao Grande Oriente como  da Grande Loja da França, doutrinariamente continuam a manter o respeito à liberdade absoluta de consciência oriunda dos ensinamentos iluministas. A Maçonaria francesa, em sua origem, embora contasse com muitos aristocratas nos seus quadros, foi formada essencialmente por membros da burguesia, emergentes da Revolução de 1789. Dela emergiu a divisa Liberdade, Igualdade e Fraternidade, lema oficial da Maçonaria de todos os ritos.  Por isso alguns autores acham que o Rito Moderno Francês ainda hoje, é  o único rito que se manteve fiel ao texto original das Constituições de Anderson no tocante ao caráter libertário e tolerante da Maçonaria.[4]
Rito Schröder
 
O Rito Schroder é um rito de origem alemã, criado por Frederick Louis Schröder em 1766 para a Loja de Hamburgo. O fundamento essencial desse rito é a ideia de que a Maçonaria deve desenvolver apenas as suas características fundamentais iniciais, sem nenhum acréscimo de ordem esotérica ou política. Segundo o pensamento do seu criador, a Ordem maçônica, originalmente, tinha essa finalidade, e com o passar do tempo as vaidades pessoais e os interesses políticos acabaram adulterando esse propósito. Esse ritual foi criado em oposição ao rito fundado pelo Barão Von Hundt, em 1764, o qual levou para a Alemanha a ideia desenvolvida por Michel de Ransay na França, de que a Maçonaria era uma continuação da Ordem do Templo. Com isso Hundt criou o rito chamado “da Estrita Observância”, uma espécie de ritual semelhante ao REAA, centrado nas regras da cavalaria cruzada, com ênfase na experiência templária, misturada às tradições legadas por outra Ordem militar, de origem alemã, os Cavaleiros Teutônicos.[5]
 A proposta do rito fundado por Schroder foi devolver a Maçonaria às suas origens rosacrucianas, que eram fundamentalmente filosóficas, centradas na moral e na ética cristã. Ele entendia que a “maçonaria de Hundt”, ao adotar as tradições da antiga cavalaria, como fizeram os escoceses e franceses com o REAA, havia adulterado a face original da Arte Real.
Com base numa extensa pesquisa por ele realizada sobre as origens e os propósitos originais da Maçonaria ele escreveu um ritual com foco nos propósitos essenciais da fraternidade, ou seja, aqueles princípios que foram expressos no manifesto “Fama Fraternitatis”, escrito pelo idealizador do Movimento Rosacruz, Johan Valentin Andreas, que preconizava a construção de uma fraternidade universal de homens probos, onde  "a tolerância, e o pensamento humano fossem guiados pela ciência". 
Segundo alguns autores este é um dos ritos mais autênticos da Maçonaria. São formados pelos três primeiros graus simbólicos, pois a Maçonaria, originalmente, era praticada nos três primeiros graus. Por o Rito Schroder se resume aos três graus simbólicos, aprendiz, companheiro e mestre, sendo que o mestre, além dos ensinamentos próprios do grau também recebe instruções superiores, que faz dele “um mestre com o círculo completo”.
O Rito Schröder foi aprovado em 1801 pela Assembleia dos Veneráveis Mestres da Grande Loja de Hamburgo, ganhando logo adeptos em toda a Alemanha, e dali levados por imigrantes alemães á vários países. No Brasil, a colonização germânica no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina proporcionou uma grande utilização desse rito nas Lojas maçônicas da região. Hoje, já traduzido para o português, ele é reconhecido pelas Grandes Lojas Estaduais-CMSB, pelo G. O. B. e pelos Grandes Orientes Estaduais Independentes – COMAB de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.[6]
Schröder entendia ser a Maçonaria uma união de vontades dirigidas para um aperfeiçoamento moral da humanidade e não uma sociedade teosófica, contaminada por interesses políticos. Por isso, o seu ritual enfatiza o ensinamento dos valores morais e a desenvolvimento do puro espírito humanístico, alicerçado no verdadeiro amor fraternal, que ele defende como sendo o primitivo valor cristão contido na mensagem de Jesus. Preserva, no entanto, a importância da simbologia adotada pela Maçonaria regular e afirma o princípio que defende ser “a verdadeira Maçonaria a dos Três Graus de São João”, como era, segundo seu entendimento, no início. No Brasil o Rito Schröder tem crescido bastante, Até 1995, quando haviam 14 Lojas no Brasil praticantes esse rito. Hoje são mais de cinquenta, segundo a Wikipédia.  Por utilizar um Templo simples, com poucos paramentos e cargos, torna-se muito mais fácil “trabalhar” numa Oficina Schröeder. Tudo isso contribuiu para aumentar o número de Oficinas que adotam o rito. Atento a este movimento, o G. O. B. criou em 1999 o cargo de Grande Secretário Geral de Orientação Ritualística – Adjunto para o Rito Schröder, não por acaso, ocupado por um dos integrantes do Colégio de Estudos.[7]

Os Ritos de Memphis-Misraim
 
O Rito Misraim-Menfis é um rito formado pela fusão de dois ritos que privilegiavam o esoterismo da antiga religião egípcia, sustentando ser a Maçonaria uma derivação das antigas tradições praticadas nos templos egípcios pelos sacerdotes daquela religião solar. Foi formado a partir de uma miscelânea costurada com simbolismos extraídos de praticamente todos os demais ritos praticados na época (por volta de 1805), resultando numa ordenação que chegava a noventa graus. Segundo Jean Palou, citando J M Ragon, o Rito de Misraim foi organizado por um francês conhecido como Lechangeur, com elementos do escocismo, martinismo, heretismo, templarismo e todos os demais “ismos” que a mixórdia em que a Maçonaria da época se transformara.Tanto que Ragon chama esse rito de “Rito Monstruoso” e Paul Naudon diz ser um rito destinado a “dissipar as trevas profundas que dizem respeito à verdadeira Maçonaria e nos levar ao conhecimento dos verdadeiros princípios maçônicos dos quais não tínhamos qualquer dúvida, os homens da antiguidade haviam praticado... ”[8]
Já o Rito de Mênfis tem sua origem na chamada Maçonaria Oculta dos Filaletes de Paris e nos rituais dos chamados filadelfos de Narbonne.[9] Esse rito foi organizado pelos -maçons que tomaram parte na campanha do Egito, com Napoleão Bonaparte, em 1799. O número de graus chegava a noventa e cindo, e tinha os Templários como seus fundadores imediatos. Segundo seus autores o rito tinha como objetivo principal “dotar o Irmão de todo o conhecimento acumulado pela humanidade, através da “busca das leis da natureza e suas relações com os homens e o Plano Divino...”[10]
Os ritos de Mênfis e Misrain se fundiram em 1899, sendo praticado por um grande número de oficinas na Itália e na França, principalmente, tendo em seus quadros vários maçons famosos, como Cagliosto, Papus, Renê Guénon e outros. Atualmente ele é praticado por um grande número de oficinas na França, Itália, Grécia, Canadá, Argentina e Costa do Marfim. No Brasil existem algumas Lojas praticantes desse rito, embora algumas potências maçônicas contestem sua legitimidade, como já aconteceu em outras épocas, quando ele foi posto na clandestinidade e até virou caso de polícia, como informa Jean Palou em sua obra.
(Continua)
---------------
[1] Ver nesse sentido OVASON, David. A Cidade Secreta da Maçonaria. São Paulo, Ed. Planeta, 2007. Thomas Smith Webb (1771-1819) é autor de "O Monitor dos Franco-Maçons, ou “Ilustrações da Maçonaria", obra que teve um impacto significativo sobre o desenvolvimento do Ritual Maçônico nos Estados Unidos da América, e, especialmente, do Rito de York.  Na imagem, comparação entre os ritos de York e o Rito Escocês.
[2] Vide, nesse sentido BAIGENT, Michael, LEIGH, Richard, LINCOLN, Henry. O Templo e a Loja, Ed. Madras, São Paulo, 2006.
[3] Positivismo é uma escola filosófica desenvolvida pelo sociólogo e filósofo francês, Auguste Comte (1798-1857), em meados do século 19. O positivismo é a filosofia que defende a ideia de queo único meio de se chegar ao conhecimento é a Ciência
[4] Cf Marius Lepage, L’Ordre e lês Obediences, pg.62
[5] A Ordem dos Cavaleiros Teutônicos também foi fundada na Terra Santa e congregava especialmente nobres de origem alemã. Essa Ordem, após o término das cruzadas, foi a responsável pela fundação da Prússia Oriental, estado que deu origem à Alemanha moderna.
[6] Na imagem, o Grão Mestre Friedrich Ludwig Schröder
[7] Em Curitiba, desde 2014 existe um Colégio de Estudos do Rito Schröder, com o nome do organizador do Rito Schröder no Brasil, o saudoso Irmão Antonio Gouveia Medeiros. Esse colégio denomina-se “Colégio de Estudos do Rito Schröder – Ir Gouveia”.
[8] Jean Palou. A Maçonaria Simbólica e Iniciática, pg. 174
[9] Idem, pg 181
[10] Ibidem, pg 183


instagran @escritorjoãoanatalino.
 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 10/12/2020
Alterado em 13/12/2020


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras