João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos



É sempre interessante ler, ou ver documentários sobre a história das crenças humanas. É importante saber como elas se formam, se tornam religiões e acabam criando sua própria mitologia. Independente daquilo que cremos, o assunto sempre merece reflexão. Não sou daqueles que dizem que política e religião não se discutem. Isso é fruto de um pensamento totalitário, que não cabe em um ambiente que se diz livre e democrático. Todo mundo tem o direito de acreditar no que quiser. É direito natural. Só precisamos respeitar a crença alheia. Isso nem sempre aconteceu e continua não acontecendo hoje.
Pessoas ainda se matam por causa de religião. Não conseguem aceitar que Deus é uno, mas que as pessoas são múltiplas. E que a fé não deve ser confundida com a religião. Fé é crer que Deus existe e nada escapa do seu poder. Religião é apenas uma forma que cada pessoa desenvolve para se comunicar com ele. Nenhuma delas é mais certa ou errada.
John Lennon, no auge do conflito entre católicos e protestantes na Irlanda, conflito esse incentivado pelo governo inglês para manter sua soberania sobre os irlandeses, disse que o mundo seria bem melhor se não houvesse religião nenhuma. Expressou esse pensamento na sua canção mais famosa “Imagine”.
Não sei se ele estava certo ou não, mas não acredito que quem pense assim seja ateu. Até porque eu acho que o ateísmo é uma contradição nos termos. Ser ateu significa negar a existência de Deus. Mas para negarmos qualquer coisa é preciso primeiro pressupor a possibilidade da sua existência. A mente humana só pode trabalhar diante de um processo dialético. Só posso construir uma tese diante de uma antítese. Por isso digo que não existem ateus. Existem pessoas que são contra a idéia da existência de Deus, mas não a-teus (pessoas que não acreditam que exista um Deus). Porque um "não" só tem sentido diante do pressuposto de um "sim" e vice-versa.
Essas especulações me vieram á cabeça ao assistir um documentário chamado “O Evangelho Proibido de Judas”, produzido pela National Geographic Society. Eu já tinha lido, tempos atrás, esse Evangelho apócrifo e acho até que já publiquei alguma coisa neste Recanto sobre o assunto.
Sei que esse documentário foi recebido com muita polêmica e provocou intensa discussão, quando do seu lançamento em 2006. Isso porque a versão apresentada nesse Evangelho mostra Judas como sendo um herói e não como um traidor, como é veiculado nos Evangelhos oficiais.
Particularmente, sempre vi em Judas um personagem enigmático e singular, cujo papel no drama de Jesus me parece mais relevante do que aquele que evangelistas canônicos registraram. Aliás, os Evangelhos oficiais estão cheios de personagens enigmáticos, cujos perfis e papéis deviam ter sido mais desdobrados para que a verdadeira história de Jesus não fosse assim tão cheia de incógnitas e mistérios, e não se prestasse a tantas especulações. Quem foi, por exemplo, Simão Cirineu? E Barrabás? E José de Arimatéia? Quais foram, realmente, os papéis desses personagens nessa história?
De novo, que ninguém me diga que isso é uma questão de fé e não deve ser indagado. Isso serve para aquelas pessoas, de quem Geraldo Vandré dizia “ para viver lhes ensinam antiga lição, de morrer pela pátria e viver sem razão”. Eu não sei viver sem razão. Sou como Descartes. Penso, logo indago. 
 
 O Evangelho de Judas, juntamente com os demais apócrifos, é um documento histórico importante. Abstraindo o seu conteúdo doutrinário, que é, no mínimo, intrigante, ele nos dá informações importantes sobre o pensamento cristão dos primeiros séculos do cristianismo. Mostra que a figura de Jesus e a sua extraordinária experiência sempre foi muito controvertida e naqueles tempos, até mais do que agora, despertava as mais apaixonadas especulações.
Foi no ano de 2000 que a emissora de televisão a cabo “National Geographic”, exibiu pela primeira vez um documentário falando do Evangelho segundo Judas. Esse filme foi composto a partir de um pergaminho recentemente encontrado em uma abadia no Antigo Egito. Trata-se de mais um evangelho apócrifo, banido pelo Concílio de Nicéia, realizado nessa cidade em 325 d C.. Foi um dos evangelhos que escapou da censura da Igreja e reapareceu, após ter ficado escondido por cerca de 1700 anos. Os antigos cristãos já sabiam da sua existência, pois o bispo Irineu, de Lyon, um dos mais famosos historiadores da Igreja, havia denunciado a sua existência na metade do século II, quando julgou o seu conteúdo herético e pernicioso para a verdadeira fé.
A cópia encontrada é um pergaminho de 26 páginas escritas em papiro, em linguagem copta. Acredita-se que se trata de uma cópia transcrita de um texto ainda mais antigo, feita por volta de 300 a D. já que o texto original deve ter sido escrito em fins do primeiro século, sendo contemporâneo dos evangelhos canônicos, já que o mesmo é citado por autores antigos, como o acima citado bispo Irineu.
Tendo passado pelas mãos de diversas pessoas, como é praxe ocorrer com documentos antigos, ele ficou depositado no cofre de um banco americano por cerca de 16 anos, o que provocou a sua deterioração, evitando que ele pudesse ser recomposto em sua totalidade.
 
O Evangelho de Judas contesta a versão apresentada nos quatro evangelhos canônicos a respeito do papel de Judas Iscariotes no drama da Paixão e morte de Jesus. Mostra que efetivamente Judas não traiu Jesus, mas sim, cumpriu uma missão que lhe foi delegada por ele próprio. A ação de Judas, segundo esse documento, foi uma estratégia previamente combinada, que tinha como objetivo libertar o espírito de Jesus da sua vestimenta carnal, como ensinava a crença gnóstica. Por isso lemos nesse documento frases enigmáticas como as que seguem:
 
“Você superará todos eles”, diz Jesus para Judas. “Você sacrificará o homem que me cobriu.”
“ Mestre, onde você foi e o que fez quando nos deixou?”, pergunta Judas.
“Eu fui para outra grande e santa geração”, responde Jesus.
“Na visão, eu vi como os doze discípulos estavam me apedrejando e perseguindo severamente (...) também fui para um lugar (...) vi uma casa (...) meus olhos não puderam compreender o seu tamanho..,” diz Judas, contando para Jesus uma visão que teve.
“Nenhuma pessoa de nascimento mortal é merecedora de entrar na casa que você viu. Aquele lugar é reservado para os santos (...) Você superará todos eles {os discípulos} Você sacrificará o homem que me cobriu (...) Erga para cima seus olhos, veja a nuvem e a luz dentro dela e as estrelas que a cercam. A estrela que conduz é a sua estrela. Judas ergueu para cima os olhos e viu a nuvem luminosa (...) e ouviu uma voz vinda da nuvem...”,
 
Os textos do Evangelho de Judas mostram um Jesus esotérico, muito a gosto dos gnósticos. É um Jesus que domina os ensinamentos da Cabala e da Gnose com a sabedoria de um grande mestre nessas estranhas disciplinas. Não pode ser computado como documento histórico a respeito da vida de Jesus, porém ensina mais que os evangelhos oficiais a respeito do ambiente vivido na época e das intrigas políticas e crenças religiosas que as pessoas professavam naqueles antigos dias.
Particularmente eu sempre desconfiei das motivações que levaram Judas a entregar Jesus. Elas não aparecem de forma clara em nenhum dos evangelhos. Dizem que ele era ladrão e guardava para si as contribuições que os crentes davam para o grupo. Se assim era, porque o elegeram para tesoureiro do grupo? E se Jesus tinha os poderes que os evangelistas informaram, como não sabia dessas coisas?
O Evangelho de Judas diz que sabia e tudo fazia parte de um plano pré-concebido. Não por Deus, como quiseram fazer crer os exegetas da Igreja, mas pelo próprio Jesus. Para cumprir um propósito político, ou religioso, Jesus quis ser sacrificado. E tramou sua própria morte e ressurreição (verdadeira ou não). Isso, inclusive, parece estar patente até nos próprios evangelhos canônicos, pois todos, de alguma forma sustentam que Jesus disse a Judas “ O que tendes a fazer, faze-o depressa”. Se os demais apóstolos sabiam desse arranjo entre Judas e Jesus é difícil dizer, mas com o que se sabe hoje, depois da descoberta dos apócrifos, não deixa dúvidas que a história de Jesus é um pergaminho ao qual muitos pontos em branco ainda estão para preencher. O Evangelho de Judas tenta preencher alguns desses espaços. Se conseguiu ou não, é uma mais questão de crença.
Será que isso é perigoso para a fé, como diziam os bispos que censuraram os apócrifos e aprovaram a chacina de milhões de pessoas que ousaram pensar de forma diferente? Acho que não. Pode ser perigoso para alguns religiosos que não conseguem conviver com a diversidade de crenças. Afinal, jihadistas e  talibans não são privilégio somente da religião muçulmana. Estão em toda parte e em todas as sociedades. Frequentam todo tipo de igreja e professam todo tipo de religião. Gente que mata quem não concorda com eles sempre existiu. E quando não consegue matar, prefere morrer.
Para a fé que tenho em Deus não fará diferença alguma se algum dia se descobrir que Jesus foi um homem comum, que morreu como todo ser humano e que seus ossos ainda estão em alguma tumba, esperando ser descobertos. A minha fé não precisa de mistérios insolúveis para ser fortalecida. Se precisasse não seria fé, mas sim superstição. Por isso concordo com John Lennon quando diz::
“Imagine there's no heaven (imagine que não existe um céu)
It's easy if you try (é fácil se você tentar)
No hell below us (nenhum inferno nos esperando)
Above us only sky ( e acima de nós só o ar)
Imagine all the people (imagine todas as pessoas)
Living for today..(vivendo o dia de hoje)
Imagine there's no countries (imagine que não há países)
It isn't hard to do (não é dificil de fazer)
Nothing to kill or die for (nada pelo que matar ou morrer)
And no religions too ( e nenhuma religião também)
Imagine all the people (imagine todas as pessoas)
Living life in peace...” (vivendo suas vidas em paz...)
You do, uuu (voce pode)
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 27/01/2021
Alterado em 27/01/2021


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