João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

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CABALÁ- A VISÃO DA SABEDORIA
COMENTÁRIOS AO SEPHER A ZHOAR
 
Em volta do Mar da Galiléia, o mestre Shimon ben Yochai, passeava com seus alunos, conversando com eles sobre os ensinamentos da Torá. Eram doze os discípulos do Mestre, e com eles o Mestre discorria, de forma metafórica e poética, sobre os mistérios revelados aos profetas de Israel, que foram compilados no Livro Sagrado, a Bíblia.
  1. Infeliz é aquele que vê na interpretação da Lei a recitação de uma simples narrativa, contada em palavras de uso comum. Se fosse só isso, não teríamos dificuldade alguma em compor hoje uma Torá melhor e mais atraente. Mas as palavras que lemos são apenas a túnica exterior. Cada uma delas contém um significado mais alto do que o que nos é aparente. Cada uma contém um mistério sublime que devemos tentar penetrar com persistência. Os que tomam o traje exterior pela coisa que ele cobre, não encontrarão muita felicidade nele- exatamente como os que julgam o homem apenas pela sua vestimenta exterior- estão fadados à desilusão, pois são o corpo e o espírito que fazem o homem. Sob a vestimenta da Torá, que são as palavras, e sob o corpo da Torá, que são os Mandamentos, encontra-se a alma, que é o mistério oculto. É o mistério oculto que faz a lei dada por Deus superior a todas as leis feitas pelo homem, ainda que essas últimas possam parecer mais grandiosas e mais lógicas.Há uma alma dentro de uma alma, que respira com a Lei.”  [1]
 
O Livro do Esplendor, conhecido como Sepher a Zhoar, mais conhecido como Zhoar, é considerado a Bíblia dos cabalistas. Trata-se de uma série de ensinamentos, supostamente dados pelo rabino Shimon ben Yochai aos seus discípulos, no início do século II da era Cristã.  Esses ensinamentos, segundo a tradição cabalística, seriam oriundos de lições mais antigas, dadas por antigos mestres da religião de Israel, os quais teriam sido compilados por ben Yochai e repassados aos seus discípulos.
Na verdade, o Zhoar é um poema místico, muito a gosto dos escritores gnósticos dos primeiros séculos do Cristianismo. E tem, no desenvolvimento dos seus temas, uma estreita semelhança com outra tradição muito em voga na Idade Média, que era a alquimia. Essa semelhança é tanta que há historiadores que vêem a alquimia como uma espécie de Cabalá operativa, na qual o operador procura, no trabalho do laboratório, realizar as visões dos cabalistas de modo prático.
Também encontraremos no Zhoar algumas inspirações próprias de outros livros místicos, como a Baghavad Guita, dos hindus e o livro das mutações, conhecido como Tao Te Ching, atribuído ao filósofo chinês Lao Tsé.
Dessa forma, o Zhoar é uma visão mística dos chamados livros inspirados da Bíblia, a Torá – que compreende os cinco livros atribuídos a Moisés, ou seja, a chamada Lei dada por Deus a Israel.[2] A idéia desenvolvida pelo autor (ou autores) do Zhoar é a de que a  Torá não deve ser entendida na sua forma literal, mas sim que nas prescrições dadas por Deus a Israel, existem vários mistérios que precisam ser desvendados para se possa entender o que realmente quis revelar nos livros sagrados.
Esses mistérios são de difícil entendimento e não podem ser descritos em palavras de uso comum. Por isso ben Yochai os desenvolve na forma de visões e metáforas de estranha formulação, que apela para símbolos e fórmulas que só pessoas iniciadas na linguagem mística da Cabalá conseguem entender. Essa linguagem está fundamentada na estrutura do alfabeto hebraico, cujas construções linguísticas combinam a semântica (significado e forma das palavras) com seus valores numéricos, na técnica chamada gematria.[3]
Dessa combinação nascem diversas visões e significados das histórias e ensinamentos bíblicos, que fazem desse fabuloso livro uma verdadeira “gestalt” de interpretações que tem, ao longo do tempo, causado muito espanto nos estudiosos do assunto pela beleza poética que emana dessas visões e pela analogia que elas permitem fazer com descobertas e proposições científicas modernas.
Historicamente, porém poucos estudiosos acreditam que o Zhoar tenha sido, de fato, produzido ou mesmo compilado por Shimon ben Yochai no século II da era cristã. Na verdade, esse livro só aparece no século XIII, revelado por um rabino espanhol chamado Moisés de Leon, conhecido mestre da religião de Israel, que é considerado um dos grandes expoentes da teologia hebraica em todos os tempos. A grande maioria dos estudiosos acredita que o Zhoar tenha mesmo sido escrito por ele, com a ajuda de alguns outros mestres da língua hebraica da época. Afinal, a região espanhola onde Moisés de Leon viveu e ensinou grande parte da sua vida hospedava uma significativa colônia judaica, onde o misticismo próprio da época causava grande preocupação na Igreja Católica. Essa região compreendia alguns territórios pertencentes ao antigo reino da Septimania, onde, na época em que esse famoso rabino ensinava floresceu a famosa heregia albigense, da seita dos cátaros. Nesse território havia uma liberdade religiosa muito grande, razão pela qual o misticismo próprio da época tinha ali uma grande divulgação.
Daí o fato de a Cabalá ser considerada mais como um produto do gnosticismo (conjunto de doutrinas que procura explicar o mundo e as coisas divinas de uma forma mística e simbólica) do que propriamente uma doutrina judaica de caráter original. Nesse caso, a Cabalá seria a variante judaica do gnosticismo, da mesma forma que a alquimia seria a variante operativa dessa tradição filosófico-religiosa.
Mas, como veremos no decorrer deste estudo, a Cabalá tem fundamentos para ser muito mais do que isso.
 
[1] O Zhoar- O Livro do Esplendor-Passagens selecionadas pelo rabino Ariel Benson. Ed. Polar, São Paulo 2018.
[2] Ou seja, os cinco primeiros livros do Velho Testamento Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronônio. Esses cinco livros, atribuídos à Moisés, contam a história do nascimento do povo de Israel, sua história e escolha por parte de Deus, como nação dele escolhida. E consequentemente, a Lei que a ela foi dada, na forma do Decálogo e das prescrições do Deuteronômio.
[3] É que o alfabeto hebraico não tem numerais. Os números são representados por letras, pois nesse sistema de escrita, cada letra tem um determinado valor. Gematria é o método hermenêutico que procura interpretar a Bíblia atribuindo um valor numérico a cada letra, obtendo-se assim, diversos significados para uma mesma palavra, mudando a ordem em que elas aparecem no sentença escrita.
 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 09/04/2021
Alterado em 11/04/2021


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