João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


ADMIRÁVEL GADO NOVO
 
Dizem que a tolerância à corrupção é um desvio de caráter do povo brasileiro. Isso implica dizer que somos propensos à imoralidade, porque a ética que deveria nortear nossas relações sociais e econômicas está circunscrita a um contexto de necessidades materiais que precisam ser atendidas. Todavia, o que se observa é que a tolerância à corrupção não existe só no Brasil. Ela é uma situação prática que está no cotidiano de todas as sociedades. É uma espécie de estratégia de sobrevivência, praticada mesmo num contexto onde a moralidade é apregoada como característica do caráter do povo. Quer dizer: a corrupção, na verdade, é decorrência da cultura patrimonialista que a economia de mercado incutiu no espírito dos povos e ela só desaparecerá, ou pelo menos será mitigada no dia em que uma filosofia de verdadeiro estoicismo triunfar como principal orientação espiritual entre os homens. Algo que provavelmente, nunca acontecerá e pouco tem a ver com regimes políticos ou orientações ideológicas, pelas quais nos matamos e morremos desde os primórdios da história.
É certo também, e a História mostra claramente isso, que uma postura estóica não se coaduna com o exercício pleno de uma democracia, onde as pessoas são livres para exercer uma atividade econômica, e por consequência, acumular riquezas. Essa incompatibilidade já havia sido exposta pelo famoso orador romano Cícero, quando se insurgiu contra a ditadura imposta pelo triunvirato formado por Marco Antonio, Otávio é Lépido para governar Roma após o assassinato de César. Um dos principais discursos do triunvirato era o de que Roma se tornara uma república corrupta e precisava retornar às suas origens, quando a rigidez dos princípios morais era a principal virtude dos romanos. “Prefiro uma república com alguma corrupção à uma ditadura sem liberdade alguma para fazer as minhas próprias escolhas” teria dito Cicero, o que lhe valeu a condenação à morte.
Tudo isso mostra que a corrupção não é um fato político, mas sociológico. Não existem ditaduras virtuosas nem democracias visceralmente corruptas. Na verdade, as ditaduras são ainda mais corruptas que as democracias porque nelas não há oposição nem controle dos atos dos mandatários. Assim, os que propugnam por uma ditadura “para expulsar os cs corruptos” só estão substituindo uma corrupção que pode ser exposta por outra que ficará oculta por falta de liberdade para denunciá-la. No caso brasileiro, o que falta é um processo de democratização em termos sociais e culturais, que tenha como horizonte uma democracia que não se resuma a aspectos meramente formais, mas que seja capaz de garantir, de fato, a adesão do cidadão comum às instituições democráticas, com leis efetivas e mecanismos de controle da corrupção. Não sendo assim, todos os que forem às ruas amanhã, para defender este ou aquele lado, serão apenas mais uma cabeça dentro desse rebanho de “admirável gado novo”, de que fala a canção do Zé Ramalho.
 
 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 06/09/2021
Alterado em 06/09/2021


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