POLÍTICA, FUTEBOL E RELIGIÃO
Schopenhauer acreditava que não havia espírito no homem além das paixões que impressionam o seu cérebro e fazem a mente trabalhar para produzir suas ações. Não concordo com ele na conclusão geral da sua tese, pois quero crer que existe no homem algo mais do que apenas motivos sensoriais a guiá-lo em seus comportamentos. Para toda conseqüência há uma causa que a produz e eu não posso aceitar que a vida - especialmente a do ser humano – tenha surgido de um acontecimento fortuito que não teve antecedentes causais nem propósitos fundamentais para justificar o seu surgimento. Mas quando se trata de política, não posso deixar de comungar com ele. Política é fundamentalmente paixão dos sentidos. Um amigo meu, bolsonarista de carteirinha, praticamente rompeu a nossa amizade quando eu lhe disse que não votaria no Bolsonaro hoje, porque acho que ele está fazendo um péssimo governo. E não adiantou todos os argumentos que coloquei para justificar a minha opinião, nem os fatos que alinhei, os comprovados maus resultados da sua gestão, etc. Mas logo me conformei porque isso já havia acontecido antes com outros amigos, que eram petistas e não gostaram das críticas que eu fazia ao Lula e ao PT.
Minha mulher, que é mais sensata do que eu, diz que política, religião e futebol não deve ser objeto de discussão. A consequência disso é que eu não sei até hoje, depois de mais de vinte anos de casados, para qual time ela torce nem que religião ela professa. Às vezes acho que é para o Palmeiras, pois um dos filhos é palmeirense; mas também acho que é o São Paulo, pois o outro garoto é sampaulino. Mas ela parece ficar satisfeita quando o Corinthians ganha dos dois, porque eu sou corinthiano. E quanto à religião, ela se sente bem em qualquer templo.
Mas quanto à política também não concordo com ela. Acho que ela tem que ser discutida sim. Afinal, é a disciplina que baliza a nossa vida. Como dizia Platão, ela é a vida da pólis. Na antiga língua grega essa palavra significa cidade, mas hoje em que o planeta se tornou uma aldeia global, ela abarca praticamente toda a sociedade humana. Ignorar as questões políticas é a mesma coisa que desprezar as próprias razões de viver.
O grande problema é que nós colocamos a política na mesma categoria do futebol e da religião. Transformamos em crença uma disciplina que deveria ser, antes de tudo, um exercício de lógica e busca de verdadeiras informações. No futebol o nosso time pode estar a caminho da segunda divisão, mas nós continuamos a apoiar e brigar por ele como se fosse o melhor do mundo. É uma paixão que não se apaga nem com a mais cristalina das razões. Com a religião sucede a mesma coisa. A nossa é sempre a melhor, ainda que o mais correto dos raciocínios prove que sua base foi construída em cima de um conjunto de superstições.
Como disse Sêneca, é mais fácil crer do que julgar. Para julgar é preciso analisar informações. Em outras palavras é preciso pensar. Pensar é cansativo. Crer é mais fácil, pois basta sentir simpatia pelo emissor da mensagem ou ter comunhão de interesses com ele ou com a ideia que ele transmite.
Petistas e bolsonaristas continuarão se engalfinhando até as eleições e seguirão professando seus credos depois dela, ainda que os resultados que seus times apresentem estejam levando o país à segunda divisão. Porque quando uma paixão toma conta dos nossos sentidos, não há razão que consiga contrastá-la.