O LIVRO DO MISTÉRIO OCULTO.
Palavras do Mestre: “Infeliz é o homem que vê na interpretação da lei a recitação de uma simples narrativa, contadas em palavras de uso comum. Se fosse só isso, não teríamos dificuldade alguma em compor hoje uma Torá melhor e mais atraente. Mas as palavras que lemos são apenas a túnica exterior. Cada uma delas contém um significado mais alto do que o que nos é aparente. Cada uma contém um mistério sublime que devemos tentar penetrar com persistência. Os que tomam o traje exterior pela coisa que ele cobre não encontrarão muita felicidade nele – exatamente como os que julgam o homem apenas por sua vestimenta exterior estão fadados à desilusão, pois são o corpo e o espírito que fazem o homem.”[1]
A questão da Torá
Essas palavras foram pronunciadas pelo Mestre Shimon ben Yochai aos seus discípulos, às margens do Mar da Galileia, onde ele costumava ministrar os seus ensinamentos a um grupo seleto de iniciados nos mistérios ocultos na palavra de Deus, constantes da Torá. Os ensinamkentos do Mestre Shimon compõem o corpo do livro chamado Zhoar- O Livro do Explendor, considerado o livro base da grande tradição da Cabalá.
A Torá, como sabemos, são os cinco livros atribuídos à Moisés, que constituem a primeira parte da Bíblia Hebraica. Esses livros contém os fundamentos básicos da religião israelita e estão divididos em cinco estágios de ensinamentos e experiências históricas vividas do povo de Israel. Cada estágio é nomeado de acordo com o título dado ao texto e o conteúdo do tema desenvolvido.[2]
Os cinco primeiros livros do Velho Testamento descrevem como o mundo foi criado (Gênesis), a origem do povo de Israel e como ele se tornou a nação escolhida por Deus para ser um modelo para as demais, (Êxodo), as leis e ordenanças que o povo de Israel deveria obedecer (Levítico), a organização política e o recenseamento do povo israelita após o seu êxodo do Egito (Números) e os preceitos sociais, religiosos, sanitários e outros que eles deveriam observar para manter o status de povo escolhido (Deuteronômio).
Em termos práticos a Torá pode ser tomada como um resumo da História do povo de Israel, acompanhado de um extenso código de leis que pode ser considerado como uma espécie de Constituição (O Decálogo), que tinha por objetivo regular a vida daquele povo depois de ele ter deixado as terras do Egito, onde viveu por quatro séculos em estado de escravidão. A parte histórica tem como objetivo mostrar como e porque Israel é o povo escolhido por Deus para ser um exemplo para todas as demais nações da terra. A par isso, procura fundamentar o direito que o povo israelita teria sobre as terras da Palestina, porque ela lhe teria sido outorgada pelo próprio Deus.
Os cânones religiosos e jurídicos (Levítico, Números e Deuteronômio) regulam praticamente todas as relações sociais, políticas, religiosas e econômicas do povo de Israel. Em termos semânticos não haveria nenhum problema de interpretação do conteúdo da Torá escrita, se tomada no seu aspecto social e histórico pois ela reflete, de forma bastante clara, as tradições, as crenças e as experiências vividas por esse povo desde o seu surgimento nas planícies da Mesopotâmia e sua imigração para as terras da Palestina, história essa que é contada nos textos do livro de Genesis.
Um historiador moderno, que interpretasse a Bíblia exclusivamente pelos óculos do positivismo científico [3]não teria nenhum constrangimento em dizer que os textos bíblicos que tratam da história do povo israelita e suas ordenações jurídicas, sociais e políticas nada mais são que fruto da sua luta para se estabelecer e sobreviver nas áridas terras da Palestina, cercado de inimigos por todos os lados e olhados com desconfiança e estranheza por causa das suas crenças, bastante singulares naqueles tempos e ambiente.
Afinal, para esses historiadores, os mitos da Criação, que mostram o universo material saindo das mãos de Deus em forma de luz nada mais refletem do que a antiga crença oriental de que tudo na terra tinha origem e sustentação na luz do sol.
O Sol era a deidade cultuada pela maioria dos povos daquela região e praticamente todas as religiões da antiguidade, naquela região eram solares. Dessa forma, para esses historiadores, a versão israelita da criação nada mais reflete do que uma variante das religiões persa, babilônica e egípcia, que conferiam ao astro-rei do nosso sistema a responsabilidade, não só por todas as realidades existentes no mundo, como também a sustentação da própria vida na terra. A novidade, no caso, que fazia os demais povos do Levante desconfiarem dos israelitas era o fato de que a sua principal deidade, o deus Sol, era rebaixado a um mero instrumento de criação do deus de Israel, pois ele mesmo também havia sido criado por ele e não tinha poderes próprios, mas somente produzia o que o próprio deus israelita lhe permitia.
Outras histórias, como o episódio de Cain e Abel, por si mesmo polêmico e gerador de questionamentos constrangedores para os defensores da literalidade da verdade bíblica, segundo esses mesmos historiadores poderiam ser entendidos na configuração de metáforas que simbolizam momentos históricos vividos pelas primitivas civilizações que ocuparam as terras palestinas naqueles tempos. Nesse sentido, Abel, o filho primogênito de Adão seria um símbolo da matriz econômica do povo de Israel, centrada no pastoreio; e Cain simbolizaria a matriz econômica dos povos palestinos, que tinha por base a agricultura. Isso explicaria o porquê de Deus ter aceitado as oferendas de Abel (simbolizada na queima da gordura dos seus animais) e recusado a de Cain, feita através da oferta dos produtos da terra.
Essas são apenas algumas amostras de interpretações que são feitas por historiadores positivistas que não aceitam as crônicas bíblicas como verdades históricas sobre a origem e o desenvolvimento da espécie humana. Também a própria história política do povo de Israel tem sido contestada por vários historiadores, que não conseguiram encontrar, até agora, provas de que a saga israelita, tal como é descrita no Pentateuco, tenha de fato ocorrido como ali se conta.
Uma forma mística de interpretação da Bíblia
Narrativas como a da criação do universo (uma criação ex-nihilo) e do ser humano a partir de um molde de barro (uma variação da Lenda do Golém), colocaram os defensores da literalidade da Bíblia como verdade histórica em dificuldades para explicar a bizarrice contida nessas concepções.[4]
Foi a partir das críticas gnósticas à literalidade da Bíblia que nasceram as primeiras manifestações da tradição cabalística, no sentido de dar uma explicação mística para as histórias e proposições do livro sagrado da religião israelita. Essas manifestações, no entanto, não tiveram uma geração espontânea, no sentido de que foram produzidas apenas para justificar os mitos judaicos arrolados na Torá. Na verdade, uma longa tradição esotérica, que se acredita tenha vindo dos tempos de Abraão, já rolava entre os eruditos judeus para explicar, de uma forma mística e espiritualista, essas histórias. Era uma tradição que tinha origem nas crenças orientais que conferiam poder às palavras e à numerologia que podia ser expressa através das combinações que poderiam ser feitas com elas e o som que elas produziam.
Palavras de poder eram comuns nas crenças egípcias, mesopotâmias e do extremo oriente, como catalizadoras de forças sobrenaturais. E sendo a língua hebraica baseada em um alfabeto cujas letras e números formam combinações para expressar as mais variadas ideias, principalmente as de cunho espiritualista, nada mais natural do que desenvolver um processo natural de interpretação das metáforas bíblicas, baseado num código linguístico só inteligível à determinados grupos religiosos. Por isso é que Von Rosenroth, na introdução à sua Kabbalah Revelada, diz: “A Bíblia é mais que um simples livro de histórias, que está construído de forma mais elaborada que qualquer outro livro e que contém numerosas passagens obscuras e misteriosas, as quais foram bloqueadas de maneira ininteligível, com uma chave que mantém oculto seu conteúdo. Essa chave é dada precisamente na Qabalah. [5]
Com essas considerações podemos voltar às palavras do Mestre Shimon ben Yoshai: A Torá não é um livro onde as palavras, os fatos, nomes e acontecimentos devem ser lidos de forma literal. Há em cada termo nela empregado um significado literal e outro, que só pode ser decodificado por um iniciado na tradição da Kabbalah.
Por isso é que ele diz que o homem que vê na interpretação da lei a recitação de uma simples narrativa, contadas em palavras de uso comum é um infeliz, já que nunca terá a verdade do real significado da comunicação que as palavras transmitem, mas apenas a sua a sua aparência exterior.
Correspondência entre a Kabbalah e a PNL
Corroborando os dizeres do Mestre Shimon ben Yochai, as modernas técnicas da PNL (Programação Neurolinguística) também trabalham com o mesmo postulado. Para os praticantes dessa nova forma de estudo do comportamento humano, as palavras que pronunciamos nem sempre correspondem aos fatos que elas procuram comunicar.
É mérito de Alfred Korzibsky a descoberta de que as representações mentais que fazemos da informação recebida não correspondem à totalidade de percepções que os nossos sentidos têm do mundo justamente por causa da incompetência que o nosso sistema de linguagem neurológica desenvolveu para reproduzi-las em nossa comunicação. Com isso ele criou o lema “o mapa não é o território”, significando que aquilo que sabemos do mundo é apenas uma ínfima parcela dele, apenas o que podemos representar em nossas mentes com a capacidade de linguagem que temos.[6]
Dessa forma, há uma defasagem muito grande entre o que vemos, ouvimos e sentimos e aquilo que comunicamos através dos nossos sistemas de comunicação, seja ela escrita, falada ou visualizada através de meios audiovisuais. Assim, o axioma, “o mapa não é o território”, encaixa-se perfeitamente nos dizeres do Mestre Shimon ben Yochai, quando ele diz que “Infeliz é o homem que vê na interpretação da lei a recitação de uma simples narrativa, contadas em palavras de uso comum.”[7]
Ele estava se referindo às palavras e histórias contidas na Bíblia, mas isso vale para todo e qualquer sistema de comunicação. A linguagem e os alfabetos até desenvolvidos pelo homem não são suficientes para mostrar a verdadeira face do universo e do ser humano.
Tanto a Kabbalah quanto a PNL têm como objetivo comum a decodificação de realidades ocultas no sistema de linguagem utilizado para a comunicação dos fatos e ideias que nos são apresentados. A Kabbalah é um sistema de interpretação da Bíblia, que traduz em várias metáforas de sentido esotérico as visões dos autores desse que é o mais conhecido e respeitado livro jamais escrito pelos homens. Já a PNL busca encontrar o verdadeiro conteúdo das informações nas demais expressões que o corpo humano utiliza para se comunicar.
É nessa similitude de objetivos e nas ferramentas de utilização para a consecução desse propósito que nós vemos o ponto de intercessão entre essa grande e sublime tradição desenvolvida pelos rabinos judeus e os modernos estudos feitos pelos praticantes dessa nova arte que vêm revolucionando os estudos do comportamento humano. Esperamos mostrar, com mais detalhes e argumentos válidos essa aproximação no estudo que estamos começando.
Correspondência entre Kabbalah, PNL e Física Quântica
O tema reveste-se de maior relevância ainda quando se sabe que muitos dos insights dos mestres cabalistas e dos praticantes de PNL têm tido a sua veracidade comprovada nos laboratórios da física quântica. Como diz o filósofo escritor Deepak Chopra, “neste exato momento, um grupo crescente de cosmólogos- cientistas que procuram explicar a origem e a natureza do cosmos- desenvolve hipóteses sobre um universo completamente novo, um universo vivo, consciente e em evolução. Tal universo não se encaixa em padrões pré-existentes. Não se trata do Cosmos da física quântica nem da Criação descrita no Gênesis como sendo o trabalho de um Deus todo-poderoso.”[8]
Evidentemente, esse universo de que fala Deepak Chopra é uma realidade que só existe na mente dos cientistas que rezam pela cartilha positivista, que não admite a possibilidade de uma metafísica dentro das realidades físicas que eles estudam. Nesse sentido eles se afastam das intuições cabalistas e das proposições da PNL, que veem na subjetividade da mente humana a verdadeira argamassa que sustenta a realidade do mundo em que vivemos. Essa, inclusive não é a concepção esposada pelo autor em questão, que admite, não só a ação da mente humana no comportamento da energia que constitui o estofo do próprio universo, como a existência de uma “Mente Cósmica” a orientar esse processo, como inclusive pensam os maçons com a sua concepção de um Grande Arquiteto do Universo.
Estamos no limiar de uma mudança de paradigma, imposto pelas descobertas da física quântica. No novo paradigma que se impõe, a ideia é a de que nós somos “pedreiros da construção universal”, pois o universo é uma criação humana, quer acreditemos que existe uma “Mente Cósmica” (um Deus) a orientar esse processo ou não. Talvez com as revelações que vem sendo extraídas dos estudos desses pesquisadores do íntimo da matéria, que revelam como o tecido físico do universo é costurado, a expressão maçônica que eles aplicam à Mente Cósmica (O Grande Arquiteto) possa ser recuperada na sua verdadeira expressividade.
A ideia posta pela Kabbalah – a de que o Criador constrói o universo a partir da manifestação da sua potência criativa- também se encaixa nesse novo paradigma. Nele, anjos e demônios ganham nomes novos como quarks, elétrons, fótons, e se revelam nas telas dos computadores e écrans dos aceleradores de partículas. O mundo dos gnósticos, dos cabalistas e dos místicos de todos os tempos, que se aproximaram do âmago da consciência humana e universal para tentar explicar a razão de todas as coisas surge agora nas experiências desses novos pesquisadores dos mistérios ocultos do universo.
E o que se constata é eu tudo está ligado à nossa própria consciência e percepção do mundo. O universo somos nós e nós somos o tudo que ele contém, porque ele está todo presente em nossa consciência. E essa é a tradução da metáfora bíblica que diz que Deus nos fez à sua imagem e semelhança, metáfora essa que os cabalistas explicam com a formidável intuição do homem universal, expresso na figura de Adão Kadmon.
Este é o escopo deste nosso trabalho. Erguer uma ponte entre a mística cabalística, as proposições da PNL, enquanto técnica que pesquisa a subjetividade humana na construção da realidade universal e as descobertas da física quântica. É um estudo feito para espíritos que já conseguiram se libertar da dogmática que os conforma à uma visão limitada da realidade universal e não conseguem alargar o horizonte da sua percepção.
É evidentemente, uma viagem especulativa empreendida pelo autor. Mas aqueles que quiserem pegar carona conosco voltarão, com certeza, com uma nova visão da realidade que os cerca. Isso quem promete é o Mestre Shimon bem Yochai: “Lança fora tudo que venha perturbar o seu espírito. Que a ligeireza da nossa língua não nos faça pecar, pois a sorte do mundo depende dos mistérios secretos. E devemos, especialmente, guardar-nos de sair do caminho da verdade, nem por um tênue fio de cabelo.” [9]
[1] Conforme O Zhoar: O Livro do Esplendor: Passagens selecionadas pelo rabino Ariel Benson- Ed. Polar São Paulo, 2018
[2] Os cinco livros que constituem a Torá, em hebraico, são nomeados de acordo com a primeira palavra de seu texto. Essa palavra resume o conteúdo e o tema tratado em cada um dos livros. Dessa forma temos:
- בראשית, Bereshit, O Princípio – A criação do universo, do homem e o nascimento do povo de Israel. Gênesis.
- שמות, Shemot – A História do povo de Israel, sua vida no Egito e o estabelecimento da Aliança com Deus. Êxodo;
- ויקרא, Vayikrah – Contém a legislação dada ao povo de Israel por Moisés e seus sucessores, destinada a observar as regras da Aliança de Israel com Deus. Levítico;
- במדבר, Bamidbar- Trata do censo do povo de Israel e institui várias determinações que deverão ser observadas pelos israelitas em relação a vida civil, religiosa e sanitária. Números;
- דברים, Devarim – Institui diversas regras de convivência entre os israelitas, bem como instruções militares, sanitárias, civis e religiosas, semelhante a um Código Civil nas nações modernas. Deuteronômio.
[3] Vide principalmente A Bíblia não Tinha Razão, obra escrita pelos historiadores israelenses Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman, edição em português pela Ed. Girafa, 2003
[4] Criação ex-nihilo significa que Deus criou o mundo a partir do nada (nihil). Essa concepção passou a ser contestada principalmente pelos pensadores neoplatônicos, conhecidos como gnósticos, para quem o cosmo é gerado a partir de manifestações da Vontade Divina, que se traduz por emissões energéticas da sua potência. Essas ideias tinham inspiração na filosofia de Platão, para quem a realidade material tinha origem nos chamados “arquétipos”, que eram manifestações do pensamento dos deuses, que refletiam nos seres humanos. Quanto ao Golém, trata-se de uma lenda cabalística que fala da criação artificial de um ser utilizando-se combinações do nome de Deus para gerar uma palavra mágica que teria o poder de dar vida a uma estátua de barro, da mesma forma que Deus teria feito com Adão. Há muitas variações dessa lenda no folclore judaico. A mais famosa é do Golém de Praga, uma espécie de monstro criado por um rabino para proteger o gueto judeu daquela cidade, que vivia sendo alvo de ataques antissemitas. Essa lenda inspirou várias obras literárias, inclusive o famoso Frankenstein, de Mary Shelley.
[5] A Kabbalah Revelada, Editora Madras, 2005.
[6] Alfred Habdank Skarbek Korzybski, nascido em Varsóvia (1879-1950) foi engenheiro, cientista, matemático e filósofo conhecido por ter desenvolvido a teoria da semântica geral. Sua obra tem sido muito reverenciada pelos praticantes de PNL, como uma das inspiradoras dessa prática.
[7] Idem, O Zhoar- O Livro do Esplendor, pg 74
[8] Você é o Universo- Ed. Alaúde, pg 10
[9] Ibidem- O Zhoar-Livro do Esplendor, pg. 76