PROCURA-SE UM CADÁVER
Em 1923, quando mofava numa prisão por ter liderado um golpe de estado contra o governo da Baviera, Adolph Hitler, então apenas um arruaceiro que começava a despontar na cena política daquele país, aproveitou para escrever o seu sinistro e odioso livro Mein Kampf (Minha Luta). Esse livro, que viria a ser mais tarde uma bíblia para os nazistas, traz, na sua abertura, uma dedicatória aos membros do seu recente fundado partido, que com ele intentaram o famoso Putsch da Cervejaria, em Munique, em 9 de abril daquele ano. Esse golpe tinha a intenção de tomar o poder no estado da Baviera, para daí começar um movimento para depor o governo democrático da Alemanha e implantar uma ditadura nacionalista, como acabou acontecendo mais tarde. O golpe falhou e 16 companheiros de Hitler perderam a vida no conflito. Esses mortos se tornaram mártires do partido e foram usados pelos nazistas para eliciar a emoção dos alemães para a sua causa.
Geralmente é o que acontece em movimentos como esse. Nada elicia melhor as emoções de um grupo do que um mártir que morre pela causa. No desenvolvimento das revoluções e das grandes aventuras ideológicas já ocorridas na vida da humanidade, esse fenômeno é conhecido como a simbologia do herói sacrificado. Na história das religiões, por exemplo, esse mito é amplamente utilizado. Entre os povos antigos sempre encontraremos um herói que se sacrifica pela causa. Até o cristianismo se valeu dessa simbologia, fazendo de Jesus o herói sacrificado da sua religião. Como mostra James Frazer (O Ramo de Ouro, 1890), famoso tratado sobre a origem das religiões, o mito do herói sacrificado é um arquétipo que está no inconsciente coletivo da humanidade e funciona como um poderoso símbolo emulador das mais profundas emoções humanas.
Quando se vê as postagens dos bolsonaristas nas redes sociais, nota-se, claramente que eles estão procurando um cadáver para transformá-lo no seu herói sacrificado. Já descolaram até uma senhora de oitenta anos, que morreu a meses atrás, em sua casa, para representar esse mito. Disseram que ela teria morrido na prisão onde os golpistas que invadiram Brasília no último domingo estão detidos. Uma deslavada mentira, mas muita gente acreditou.
Esse é o grande perigo que corre as autoridades que estão tentando cortar as cabeças da hidra bolsonarista. Qualquer acidente, ou incidente, nesse sentido, poderá ser usado para espalhar o veneno que a cabeça cortada espalhará. É preciso tomar o máximo cuidado na repressão a esse movimento, pois um cadáver, nessa altura, será o que de melhor poderá acontecer para esse movimento golpista que já está ramificado pelo país inteiro e só precisa de um acontecimento assim para eliciar a emoção de seus tresloucados participantes.
Nos anos trinta, Hitler destruiu a frágil democracia alemã usando a própria democracia. Aqui os bolsonaristas atacam as instituições democráticas brasileiras a pretexto de defendê-la. Malgrado os tempos serem outros e os métodos diferentes, qualquer semelhança não terá sido mera coincidência.