O COMPLEXO DE HAMLET
O COMPLEXO DE HAMLET
Shakespeare é um gênio da literatura mundial. Seus personagens podem ser identificados como atuais em todos os segmentos da sociedade, principalmente na política. Romeu e Julieta, por exemplo, simbolizarão eternamente o sentimento de rejeição ao ódio faccioso. Ricardo III, Henrique IV, Macbeth e outras, são protótipos das maquinações que mentes febris e ávidas de poder impregnam a política, em todos os tempos.
Hamlet, porém, nos fala mais de perto. Porque na América Latina o comportamento político é ditado por espectros, como na tragédia do príncipe dinamarquês. Nosso continente vive repetindo sempre as mesmas experiências surrealistas, como bem viu Gabriel Garcia Marques em sua premiada obra “Cem Anos de Solidão”.
Tudo a ver com o enredo de Hamlet, cujo comportamento é influenciado pelo fantasma do seu pai. Ele surge do mundo dos mortos para dizer que a coroa lhe foi usurpada pelo próprio tio, que o assassinou sorrateiramente e se casou com sua mãe, tornando-se um rei ilegítimo que precisava ser denunciado e destronado em nome da justiça. E uma grande tragédia se desenvolve a partir dessa alucinação.
Guardadas as devidas diferenças, o mito de Hamlet tem sido reproduzido na América Latina desde as suas mais antigas experiências políticas como países livres. As nações de língua espanhola nunca se libertaram da memória dos seus mitos. Até hoje, os povos da Colômbia, Equador e Venezuela principalmente, ainda sonham com a implantação da ideologia bolivariana em seus países. No Chile, o fantasma de Salvador Allende, volta e meia, aparece para insuflar motins e manifestações. Conspirações de direita e de esquerda se sucedem, uma atrás da outra, como no romance de Garcia Marques.
Lula, mistura mal composta de Jango e Juscelino, quer reatar os laços do Brasil com os países da América Latina, que Bolsonaro (reencarnação atoleimada do Gal. Figueiredo) rompeu. O que a direita constrói a esquerda destrói e vice-versa.
Assim vamos vivendo como eternos Hamlets, obcecados por fantasmas que não desaparecem porque seus simpatizantes acham que eles foram apeados do poder por conspirações urdidas pelos seus adversários. Com isso insuflam o ódio e a vingança. A Argentina vive presa ao espectro de Peron e sua amada Evita. Tudo que lá se faz, em termos de política, leva a marca desse mito. Lá, como no resto da América Latina, já se tentou a libertação com uma ditadura militar que só deixou dores e feridas mal curadas. No Brasil o fantasma de Hamlet chama-se Getúlio Vargas. Lula faz tudo para incorporar sua fama de “pai dos pobres” e Bolsonaro sua auréola autoritária. Nós, pobres seguidores de personagens patológicos, vivemos no eterno dilema do ser ou não ser, ora promovendo revoluções para corrigir o que achamos estar errado, e depois derrubando o que foi substituído porque a emenda se tornou pior que o soneto.
Dessa forma, nossa pobre América Latina vai vivendo sua solidão, que já passou. em muito, dos cem anos descritos por Garcia Marques.