Um mundo feito de Luz
O mundo real pode não ser como pensamos que é porque o que os nossos sentidos captam dele é uma ínfima parcela do que existe na sua totalidade. Mas além do significado que as palavras que o nosso sistema de linguagem consegue definir, existe um mundo que somente com as ferramentas que o nosso espírito possui podemos penetrar. É um mundo onde só o extraordinário, o maravilhoso e o fantástico têm a probabilidade de serem verdadeiros. Esse mundo não pode ser descrito em palavras, nem exposto em imagens de formatação lógica. Porque é um mundo onde o todo é maior do que a soma das suas partes e cada combinação entre os elementos que o formam resultam em algo novo que, no entanto, conserva todas as propriedades dos elementos que o constitui.
É o mundo que a Kabbalah chama de mundo da Luz. Nele não se fala em saber. Tudo gira em torno do crer. Não se procura a lógica presente nos termos das proposições, mas sim a Alma que elas contém. Por isso as imagens que se formam dessa sabedoria parecem caóticas, contraditórias, confusas, ininteligíveis. Mas elas são assim apenas porque queremos colocá-las na única forma que o nosso cérebro consegue conceber, que é a da consciência organizada. [1]
Como sabemos, a totalidade do universo é feito de Luz; essa Luz é produto de energias dispersas que emanam de um centro único de potência ilimitada e inesgotável. A Luz projetada desse centro constitui o verdadeiro estofo do universo, a partir do qual todas as realidades existentes no mundo – inclusive a vida que ele hospeda – são formatadas.
O mundo físico que podemos conhecer com os nossos sentidos é uma ínfima parcela da realidade universal que a Luz ilimitada que o envolve abarca. Constitui uma pequena mancha sombria num imenso espectro luminoso. Todavia, essa sombra tolda a nossa visão do verdadeiro estofo do universo e modela o nosso comportamento com limitações que nos trazem a infelicidade que toda ignorância provoca.
Daí podermos dizer que a infelicidade é a ausência da Luz. Por isso Jesus disse: deixe a sua luz brilhar. Ninguém acende uma vela para colocá-la em baixo da mesa, mas sim para fornecer luminosidade para o maior espaço possível. Luzes se penduram nos lugares mais altos, e quem as tem deve servir de guia para quem está na escuridão. Escuridão é sinônimo de medo, ignorância, fracasso, incapacidade, obstáculo. Já a Luz é rápida e não conhece fronteiras. Ela abre caminhos, mostra possibilidades, amplia a visão e espalha a sabedoria.
As dificuldades da vida, que são manchas escuras no caminho da nossa existência, desaparecem quando nos conectamos com essa Luz das origens, que brilha fora do escotoma material onde estamos encerrados.
Deus é Luz. A conexão do nosso pensamento com Ele é um encontro com ela. Porque nossas almas também são feitas dessa energia luminosa cuja origem manifesta é o Big Bang, a grande explosão que deu origem ao universo físico.
Mas a essência delas já existia antes desse acontecimento. Elas eram parte da Mônada Suprema que concentra em Si mesma toda a potência que constitui o universo. Essa Mônada é o que chamamos de Deus, Princípio Único, Ancião dos Anciões, Grande Arquiteto do Universo.
Quando Deus resolveu manifestar-se no plano físico, através da grande explosão de Luz que foi o Big Bang, ele primeiro concentrou-se em um ponto único de extrema densidade energética. Foi em razão dessa concentração de energia em um espaço tão pequeno que se deu o fenômeno que originou essa explosão. Incontáveis fragmentos de energia luminosa emanaram desse centro, preenchendo o espaço cósmico, que então passou a existir em consequência da própria força dessa explosão. Nasceu assim o universo físico, que foi sendo gradualmente preenchido com a matéria resultante das interações entre esses grãos de energia que a Mônada Suprema lançou no espaço cósmico.
Daí resulta que nossas almas também são grãos de luz cujas interações com as diversas forças que interagem no universo físico deram origem às diversas formas de vida. Entre elas a da nossa espécie.
A visão de Teilhard de Chardin
Esse pequeno excerto revela a visão cabalista da Criação, com os seus efeitos na vida do ser humano. Conquanto seja uma visão mística que pode chocar as mentalidades que buscam na positividade do universo conhecido a justificativa para as suas crenças, ela, no entanto, é compartilhada por muitos espíritos de qualidade que deixaram importantes legados no acervo de conhecimento que a humanidade contabilizou até o momento. Um deles é o filósofo Pierre Teilhard de Chardin, reconhecido como um dos maiores pensadores do século vinte. Vejamos um resumo do pensamento desse extraordinário filósofo, que causou um verdadeiro terremoto na teologia oficialmente aceita pelo pensamento católico até então. E depois façamos uma analogia com a visão cabalista do mesmo tema Teilhard de Chardin vê o universo físico como um processo ordenado numa série de grandezas distribuídas ao longo de uma escala, que é o eixo do espaço-tempo. Essas grandezas se distribuem em duas direções: uma, que caminha do ínfimo para o imenso, pode ser representada por um vetor de energia em constante expansão, formando as grandes massas estelares com suas galáxias e sistemas planetários; esse vetor parte de um ponto ínfimo de máxima densidade energética, que justamente por hospedar uma inconcebível concentração de energia, em algum momento, por uma razão inconcebível pela mente humana, vazou para além de si mesma. Esse “vazamento” pode ser identificado na grande explosão que os cientistas chamam de Big-Bang. Esse é o processo que resulta na massa do universo físico, tal qual o conhecemos.[2]
A outra direção que essa energia percorre é representada por um vetor que parte do imenso para o ínfimo, impulsionado pela tendência apresentada pela energia presente nos sistemas, de enrolar-se sobre si mesma. Esse enrolamento gera órbitas cada vez mais densas, concentradas em pontos cada vez menores. Esse é o processo que o espírito humano percorre no seu caminho de individuação. E assim é em virtude do fenômeno da complexificação cada vez maior dos processos organizacionais presentes no interior dos sistemas, um dos quais, o mais complexo, é o pensamento humano.
Na escala do imenso, que são as grandezas cósmicas, a força que impulsiona a criação é a relatividade. As massas estelares se formam por dispersão dessa energia expulsa pela grande explosão, partindo de um ponto inicial, que foi o centro punctiforme de máxima densidade energética que deu origem ao Big Bang. Por isso, o processo de organização dos corpos materiais é simples. Nesse processo a energia liberada realiza combinações atômicas primárias e as realidades materiais vão surgindo a partir delas, povoando o nada cósmico.
Na escala do ínfimo o processo é inverso. A energia se concentra em pontos cada vez menores, até praticamente desaparecer da dimensão da matéria. Nessa condição ela não pode ser detectada pelos nossos sentidos e só com os aparelhos extremamente sofisticados dos laboratórios da física nuclear ela ainda aparece.
Mas os seus efeitos são perfeitamente detectáveis. Assim também se entende o processo que corresponde ao que chamamos de espirito humano. Teilhard nos leva a entender que Espírito é energia concentrada sobre si mesma, e como tal ele é a fonte de todos os nossos pensamentos e o canal apropriado para realizarmos a conexão com o mundo luminoso das origens.
O universo material, para Teilhard, é simples, por isso ele vem sendo desvelado pela consciência humana em seu progressivo anelo pelo conhecimento. Ele acredita na ciência e no progresso do mundo através dela. Por isso, diz ele, a espiritualização progressiva do ser humano é um processo que deve ocorrer concomitantemente com o progresso da ciência. Porque o espírito, como exposto acima, é energia enrolada sobre si mesma.
Em termos científicos, o que Teilhard quer dizer é que na escala do ínfimo (ou seja, no mundo atômico), a energia concentrada nos menores fragmentos, obedece a um processo inverso ao da produção da matéria física. Neste domínio quem ordena o processo é o quanta.[3]
Nessa escala a concentração energética resulta em estruturas cada vez mais complexas, quanto mais ela se enrola sobre si mesma. Foi essa concentração energética em uma molécula que produziu, um dia, o primeiro organismo vivo. Esse organismo evoluiu até desembocar no homem, por um processo de centração cada vez mais complexo. Esse processo pode ser identificado nas próprias leis da seleção natural que a moderna ciência biológica aceita como apropriada para explicar a evolução da vida sobre a terra.
Essa concentração ocorre em virtude da atuação da lei da gravidade, cuja força leva as massas físicas a se agruparem em sistemas. O ser humano, nesse sentido, é um sistema energético que se organiza no imenso, em seu organismo, em razão da energia que se dispersa proporcionando o seu crescimento até um certo limite, determinado pelas leis biológicas, e por dentro, em seu espirito, por um processo de concentração energética em um determinado órgão, que o cérebro. Dessa forma, para Teilhard, espírito é a energia centralizada no cérebro humano, gerando pensamentos, os quais, no seu conjunto, formam uma camada de energia que aureola a terra e fornece à humanidade uma espécie de egrégora, onde cada indivíduo
pode se abastecer para aprimorar o seu próprio espírito.[4]
O que diz a ciência
Os cientistas se perguntam o que Deus fazia antes do Big Bang. Pois se houve uma grande explosão de energia que deu origem ao universo, essa energia já existia de alguma forma. Esse é o grande problema da ciência. Ela não consegue ir além do átomo inicial, chamado por eles de Grande Singularidade. Esse átomo, segundo Stephen Hawking, um dos maiores cientistas da atualidade, era uma região existente numa dimensão desconhecida, tão densamente carregada de energia, que por isso mesmo, em dado momento explodiu. Essa explosão, ocorrida há uns quinze bilhões de anos é o chamado Big Bang. A partir desse momento, o universo físico, que estava contido nessa região, tornou-se uma imensa bolha de gás que nunca mais deixou de se expandir
A visão é tentadora e merece reflexão. Porque ela é análoga ao que a Bíblia descreve no livro de Gênesis. Ali se diz que primeiro Deus criou o céu a terra. (Não seriam o éter e o átomo?) Mas a terra estava vazia e sem forma. Não estaria se referindo ao nada cósmico, que existia antes da grande explosão? Então ele fez aparecer a Luz, tirando-a das trevas. Haja luz, Ele disse. Isso quer dizer: a Luz já existia antes de o mundo ser feito. Ela estava presa nas trevas. O que Deus fez foi libertar a Luz das trevas.
Alguns cientistas inventaram um curioso nome para essa “Luz que estava presa nas trevas”, cuja libertação resultou no surgimento do universo. Elas a chamaram de “Luz interdita”. "Luz interdita", explicam os cientistas, é a energia que está presa dentro do núcleo do átomo de um material pesado como o urânio, por exemplo. Não é possível vê-la, nem detectar a sua existência, nem medir a sua potência, mas eles sabem que ela está lá por causa das projeções que emite: radiação, magnetismo, gravidade, etc. Quando esse núcleo é rompido, a energia liberada solta ondas de calor e radiação tão intensas que queima tudo que existe em quilômetros à sua volta. Isso é que conhecemos como explosão de uma bomba nuclear.[5]
"Luz interdita" é também a luz que fica presa num buraco negro. Buraco negro é uma região no espaço onde a gravidade é tão forte que nem a luz consegue escapar dela. Hawking diz que existem milhões de buracos negros no universo, feitos de estrelas que já morreram para este mundo há milhões de anos, mas sua luz só está chegando á terra agora.[6]
Ordem no Caos
Pode-se dizer que a visão bíblica é análoga às modernas teorias cientificas que mostram um universo nascendo de um átomo primordial que, não podendo conter em si a formidável densidade energética que acumulou, explodiu, enchendo de luz o vazio cósmico; e a luz, por um processo de condensação, foi se tornando cada vez mais densa, se transformado em massa, dando como resultado o universo como hoje o conhecemos. Daí a formidável intuição de Einstein, que resultou na equação fundamental do universo: E= mc².
Galáxias, estrelas, planetas, nesse sentido são condensações de luz, formadas pela ação da gravidade. De uma maneira geral, todos os cientistas concordam que se gravidade fosse retirada do universo, a luz também desapareceria e todo o universo desabaria sobre si mesmo. Essa hipótese foi colocada pelo físico teórico Werner Heisenberg, um dos pais da bomba atômica.[7]
Por seu turno, Hawking nos mostra que existem no universo duas leis que regem a sua formação: a lei da expansão e a lei da atração. Essas duas leis podem ser entendidas como relatividade e gravidade. A primeira se manifesta na forma de eletricidade e a segunda em forma de magnetismo.
A primeira é a energia primária que emanou do Big-Bang. A explosão inicial faz a energia liberada da explosão inicial viajar em todas as direções e desde então o universo está em constante expansão. Essa força, essa energia inicial, ao mesmo tempo em que fez nascer e faz crescer o universo em sua forma física, provocou também um imenso caos, pois essa energia, viajando em todas as direções, não tem direção nem organização. É como uma bomba que explode e atira fragmentos para todos os lados.
Por isso há uma outra lei que impede que o universo se torne um imenso caos sem sentido nem finalidade. É a lei da gravidade. Se não fosse ela, o universo se comportaria como uma manada de bois estourada, correndo em todas as direções. Graças à gravidade, a força inicial, que impele o universo a uma incontrolável expansão, é mitigada através de uma retração, ou seja, uma força que atua no sentido contrário à essa expansão, forçando corpos maiores a reter em suas órbitas os corpos menores, formando assim os sistemas, organizando o cosmo em galáxias e sistemas solares.
Dessa maneira a ordem é posta no cosmo, da mesma forma que a matéria bruta e a matéria orgânica também assim se organizam. A primeira é feita de átomos, os átomos se juntam para formar moléculas e as moléculas se juntam para formar os elementos químicos. Analogicamente, a matéria orgânica se forma a partir de células que se juntam para formar órgãos e estes se reúnem em sistemas. Assim, relatividade e gravidade são duas forças contrastantes que “lutam” no infinito cósmico, mas não são conflitantes, pois elas se complementam, promovendo o equilíbrio universal. Na filosofia chinesa essa energia é o chamado Tao, equilíbrio entre masculino/feminino, ou yang/yin, como são conhecidos. Essas forças são como as margens de um rio. Uma precisa da outra para manter a torrente em equilíbrio. Sem duas margens antagônicas não existe rio.
Isso mostra que só pode haver equilíbrio na presença de duas forças semelhantes. E Criação também. Na dinâmica da Bíblia, o Criador precisou de duas forças contrárias para dar início à criação. A Luz e as Trevas. E simbolizou uma delas como noite, outra como dia. Ou, para dar símbolos mais precisos à essas forças, deu o nome à uma de sol, á outra de lua.
Se a ciência só consegue chegar até o “átomo primordial”, ou seja, um “ponto de energia” tão densamente carregado, que dentro dele a relatividade deixa de existir, a Kabbalah, por seu turno, toma como ponto de partida do início do universo material uma séfira chamada Kether. Antes disso era a Existência Negativa do Grande Imanifesto. Essa séfira também é conhecida como Inteligência Admirável, Primeira Lei, Número Um, Vasto Semblante, Macroprosopo, etc. As tradições religiosas dos povos antigos representavam essa idéia através de uma circunferência cujos raios estão em toda parte e cujo centro está em lugar algum. Nas tradições gnósticas e na religião dos antigos egípcios era o chamado “Ovo Cósmico”.
Nessa visão estrutural do plano cósmico, fica mais simples encontrar um lugar para todas as intuições humanas, que a nossa mente, por falta de uma linguagem apropriada, não consegue explicar. As realidades da metafísica, que tanta perplexidade causa aos estudiosos, assumem contornos mais visíveis, mais inteligíveis e mais belos até, porque nesse caso elas vêm vestidas de uma simbologia que nos enche os olhos e uma poesia que nos alegra a alma.
[1] Na imagem, recriação do Big Bang, feita pelos cientistas, mostrando a grande explosão de luz que deu origem ao universo: fonte: Revista Galileu
[2] O Fenômeno Na imagem o filósofo Pierre Teilhard de Chardin: fonte O Fenômeno Humano: Ed. Cultrix, 1974
[3] Quanta, ou quantum, é a quantidade mínima de energia que é susceptível de transmissão através de um comprimento de onda. É o menor valor que pode adquirir um grão de energia no âmbito de um sistema físico em um processo de mudança de estado. Egrégora (do grego egregorein: velar, vigiar) é um termo usado na filosofia aristotélica para designar a força espiritual que pode ser eliciada a partir da soma de energias mentais despendidas pela congregação de duas ou mais pessoas.
[4] Essa intuição também pode ser encontrada no pensamento de Platão, por exemplo, com a sua teoria dos arquétipos, que para ele eram pensamentos emitidos pelos deuses para orientação dos homens. Uma analogia dessa intuição também pode ser feita com a noção expressa por Jung em suas obras, sobre o chamado Inconsciente Coletivo da humanidade, onde ele identifica as raízes das tradições comuns da cultura humana. Teilhard de Chardin dá o nome de Noosfera a essa concentração de energia psíquica em uma espécie de atmosfera que aureola a terra.
[5] Essa definição foi dada pelos cientistas Léon Brillouin e Robert Andrews Mullikan, cf. Pawels e Bergier, citado.
[6] Stephen Hawking- Uma Breve História do Tempo, São Paulo, Círculo do Livro, 1998.
[7] Werner Heisenberg (1901-1976), físico teórico alemão. Fonte: Enciclopédia Barsa;