João Anatalino

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A Cabalá e os Templários

 

É difícil dizer quando a Cabalá chegou à Europa. Há quem acredite que ela foi trazida ao Ocidente pelos Cavaleiros Templários, que a receberam diretamente de fontes judaicas, quando da sua estadia na Terra Santa. Essa hipótese é bem plausível considerando a história da Ordem do Templo e os acontecimentos nos quais essa Irmandade esteve envolvida ao longo da sua estranha e controvertida saga.

É bem possível, aliás, que o verdadeiro segredo dos Templários, e pelo qual essa Irmandade foi perseguida e extinta, tendo seus líderes queimados nas fogueiras da Inquisição, seja, na verdade, a prática da Cabalá. Tudo indica que as lendas sobre o Santo Graal, do qual se diz que eles eram os guardiões, bem como os estranhos rituais que eles praticavam em suas iniciações, o suposto culto ao ídolo Baphomet etc, nada mais eram que rituais e práticas cabalísticas que esses cavaleiros adotaram, juntamente com outras tradições de caráter gnóstico, alquímico e hermético, que eles incorporaram em seus rituais.

Historicamente, como bem demonstra Alexandrian em seu tratado sobre a filosofia oculta, o Sepher há - Zhoar, a bíblia cabalística, só aparece no Ocidente em fins do século XIII, revelado por um rabino judeu espanhol, chamado Moisés ben Schemtob (1250- 1305) mais conhecido como Moisés de León, que ensinou os princípios da Cabalá nos reinos de Leão e Castela.[1] Ou seja, exatamente na época em que os cruzados foram expulsos da Terra Santa pelos exércitos comandados pelo Sultão do Egito, Saladino. Os Templários, principal força militar dos cruzados, voltaram para a Europa e se tornaram uma espécie de estado dentro dos estados medievais. Dominaram a cena política, militar e econômica, provocando grande ciúme, inveja e preocupação entre as autoridades da época.

Reis, príncipes e autoridades eclesiásticas temiam os Templários. Nessa época, na região conhecida como Languedoc, ou Provença, que compreendia o sul da França e regiões hoje pertencentes à Espanha, florescia a chamada heresia albigense, religião praticada pela seita dos cátaros. A Provença foi um dos territórios onde os Templários tiveram uma grande atuação, auxiliando os monarcas locais nas suas lutas contra os mouros. Nessa região, havia também uma próspera colônia de judeus, o que proporcionava um caldo de cultura bastante propicia à prática da Cabalá.

Investigações conduzidas por vários estudiosos chegaram à conclusão que o Zhoar seria um trabalho compilado no século XIII, e dele teriam participado diversos autores, a maioria oriundos da região da Provença, liderados pelo rabino Moisés de Leon.[2] Entretanto, ainda que se aceite o pressuposto de que a Cabalá tenha sido introduzida na Europa somente no século XIII, não se pode negar que essa tradição já era de largo conhecimento junto à comunidade judaica do mundo inteiro e também entre os cristãos gnósticos, desde os primeiros séculos da era cristã.

Aliás, o que se conhece da filosofia ensinada por Moisés de Leon não deixa dúvidas que ele sofreu grande influência das doutrinas gnósticas e pitagóricas. Em uma de suas “revelações” ele diz que “o homem que está neste mundo aqui está pela associação dos três elementos que são um: são eles, alma racional, a alma vital e a alma sensível(...) E graças à essa unidade ela se torna o reflexo do que está acima, ou seja, a verdadeira imagem de Deus.[3]

Esse pressuposto é o mesmo encontrado na doutrina hermética, atribuída a Hermes Trismegisto, o lendário personagem que teria levado a civilização à Grécia e ao Egito. Na verdade, toda a doutrina exposta no Zhoar guarda uma perfeita correspondência com o pensamento gnóstico e incorpora também muitas teses do neoplatonismo, doutrinas que causaram grandes preocupações no Vaticano durante a Idade Média.

A Cabalá foi, talvez, a principal dessas doutrinas. Não só contaminou o comportamento do Templários e as crenças dos cátaros, como também uma plêiade de intelectuais que nela viriam a encontrar respostas para suas próprias dúvidas a respeito da religião. Sabe-se que na época de Moisés de Leon já existiam várias escolas de ensinamento cabalístico pelo continente europeu. Exemplos dessas escolas foi a de Isaac, o Cego, que ensinou a Cabalá entre 1160 e 1180 na Provença e seu aluno Ezra ben Salmon, que lecionou, na mesma época, essa disciplina na Espanha. Na Itália destacaram-se os sábios cabalistas Abraão Abulafia (1240-1291) e na Alemanha Yehuda Ben Samuel, o Piedoso, e Eliazar, rabino de Worms (1176-1238), os mais famosos cabalistas medievais. [4]

Isso mostra que a hipótese de envolvimento dos líderes da Ordem do Templo com a Cabalá, e que realmente tenha sido esse fato que provocou a condenação da Ordem é bastante plausível. Essas evidências ainda hoje são visíveis nas alegorias dos templos, edifícios e documentos que sobreviveram à devassa que a Igreja Católica e as autoridades seculares promoveram contra a Irmandade Templária. E do que se lê no processo que condenou seus principais líderes à fogueira se depreende que essa misteriosa Ordem de Cavaleiros esteve, de fato, muito envolvida com essa tradição.[5] E a sua larga utiliação nos rituais e nos ensinamentos da Maçonaria, bem como a estreita ligação que a chamada Arte Real tem com a tradição legada pelos Templários não nos deixa muitas dúvidas a respeito.

 


[1] Sarane Alexandrian, História da Filosofia Oculta, Esfinge, Lisboa, 1970.

[2] David Biale, (Cabala e Contra História, Ed. Objetiva, São Paulo, 1982

[3] Zhoar-O Livro do Esplendor. Passagens selecionadas pelo rabino Ariel Benson-Ed. Polar- São Paulo 2018

[4] Sarane Alexandrian, História da Filosofia Oculta, citado.

[5] A tradição sustenta que Jacques de Molay, o último Grão-Mestre templário, ao ser atado na fogueira, pronunciou uma maldição contra o rei da França, Filipe, o Belo e o Papa Clemente V, responsáveis pela sua condenação à morte. Essa maldição, feita com palavras cabalísticas (Nekan Adonai, Chol-begoal) significa uma invocação ao anjo da morte para que esse cobrasse das referidas autoridades uma vingança contra o crime que estava sendo cometido contra eles. Veja-se, a esse respeito a nossa obra Templários- Os Santos Malditos, Biblioteca Ed. 24x7-2020.

 

João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 21/03/2023
Alterado em 21/03/2023


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