A Cabalá e os Templários
Como sabemos, certos ramos da Maçonaria alegam ser uma continuação da Ordem dos Templários, Irmandade de monges cavaleiros extinta pela Igreja em 1312, sob a acusação de heresia. E nessa mesma esteira alguns historiadores acreditam que a Cabalá teria sido trazida ao Ocidente justamente pelos Templários, cujos mestres a teriam recebido diretamente das suas fontes judaicas.
É difícil dizer quando a Cabalá chegou à Europa. A hipótese de que ela tenha sido trazida pelos Cavaleiros Templários é bem plausível considerando a história da Ordem do Templo e os acontecimentos nos quais essa Irmandade esteve envolvida ao longo da sua estranha e controvertida saga.
É bem possível, aliás, que o verdadeiro segredo dos Templários, e pelo qual essa Irmandade foi perseguida e extinta, tendo seus líderes queimados nas fogueiras da Inquisição, seja, na verdade, a prática da Cabalá. Tudo indica que as lendas sobre o Santo Graal, do qual se diz que eles eram os guardiões, bem como os estranhos rituais que os Templários praticavam em suas iniciações, o suposto culto ao ídolo Baphomet etc, nada mais fossem que lendas, rituais e práticas cabalísticas que esses cavaleiros adotaram, juntamente com outras tradições de caráter gnóstico, alquímico e hermético, que eles incorporaram em suas práticas ritualísticas.[1]
Historicamente, como bem demonstra Alexandrian em seu tratado sobre a filosofia oculta, o Sefer há–Zhoar, a Bíblia cabalista, só aparece no Ocidente em fins do século XIII, revelado por um rabino judeu espanhol, chamado Moisés ben Schemtob (1250- 1305) mais conhecido como Moisés de León, que ensinou os princípios da Cabalá nos reinos de Leão e Castela. Ou seja, exatamente na época em que os cruzados foram expulsos da Terra Santa pelos exércitos comandados pelo Sultão do Egito, Saladino. Os Templários, principal força militar dos cruzados, voltaram para a Europa e se tornaram uma espécie de estado dentro dos reinos medievais. Dominaram a cena política, militar e econômica, provocando grande ciúme, inveja e preocupação entre as autoridades políticas e eclesiásticas da época.
Reis, príncipes e autoridades eclesiásticas europeias temiam que os Templários acabassem constituindo um estado próprio, semelhante ao que os Cavaleiros Teutônicos fizeram na Europa Central e que resultou mais tarde no reino da Prússia Oriental. Principalmente porque nessa época, na região conhecida como Languedoc, ou Provença, que compreendia o sul da França e regiões hoje pertencentes à Espanha, florescia a chamada heresia albigense, religião praticada pela seita dos cátaros. A Provença foi um dos territórios onde os Templários tiveram uma grande atuação, auxiliando os monarcas locais nas suas lutas contra os mouros. Nessa região havia também uma próspera colônia de judeus, o que proporcionava um caldo de cultura bastante propicia à prática da Cabalá.[2]
Investigações conduzidas por vários estudiosos chegaram à conclusão de que o Zhoar teria sido um trabalho compilado no século XIII e que dele teriam participado diversos autores, a maioria oriundos da região da Provença, liderados pelo rabino Moisés de Leon. Por isso se acredita que a Cabalá seja um produto exclusivo dos judeus sefarditas.[3] Entretanto, ainda que se aceite o pressuposto de que a Cabalá tenha sido introduzida na Europa somente no século XIII, não se pode negar que essa tradição já era de largo conhecimento da comunidade judaica por toda a Europa e também entre os cristãos gnósticos desde os primeiros séculos da era cristã.
Aliás, o que se conhece da filosofia ensinada por Moisés de Leon não deixa dúvidas que ele sofreu grande influência das doutrinas gnósticas e pitagóricas. Em uma de suas “revelações” ele diz que “o homem que está neste mundo aqui está pela associação dos três elementos que são um: são eles, alma racional, a alma vital e a alma sensível(...) E graças à essa uniDADE ela se torna o reflexo do que está acima, ou seja, a verdadeira imagem de Deus.[4]
Esse pressuposto é o mesmo encontrado na doutrina hermética, atribuída a Hermes Trismegisto, o lendário personagem que teria levado a civilização à Grécia e ao Egito. Na verdade, toda a doutrina exposta no Zhoar guarda uma perfeita correspondência com o pensamento gnóstico e incorpora também muitas teses do neoplatonismo, doutrinas que causaram grandes preocupações no Vaticano durante a Idade Média.
A Cabalá foi, reconhecidamente, a principal dessas doutrinas. Não só contaminou o comportamento dos Templários e as crenças dos cátaros, como também uma plêiade de intelectuais que nela viriam a encontrar respostas para suas próprias especulações a respeito das chamadas escrituras sagradas. [5]
Na época de Moisés de Leon já existiam várias escolas de ensinamento cabalístico pelo continente europeu. Exemplos dessas escolas foi a de Isaac, o Cego, que ensinou a Cabalá entre 1160 e 1180 na Provença e seu aluno Ezra ben Salmon, que lecionou, na mesma época, essa disciplina na Espanha. Na Itália destacaram-se os sábios cabalistas Abraão Abulafia (1240-1291) e na Alemanha Yehuda Ben Samuel, o Piedoso, e Eliazar, rabino de Worms (1176-1238), os mais famosos cabalistas medievais. [6]
De qualquer modo, a hipótese de envolvimento dos líderes da Ordem do Templo com a Cabalá parece ser um fato comprovado. Essas evidências ainda hoje são visíveis nas alegorias dos templos, edifícios e documentos que sobreviveram à devassa que a Igreja Católica e as autoridades seculares promoveram contra a Irmandade Templária. E do que se lê no processo que condenou seus principais líderes à fogueira se depreende que essa misteriosa Ordem de Cavaleiros do Templo do Rei Salomão esteve, de fato, muito envolvida com essa tradição.[7]
E a hipótese de envolvimento da Ordem do Templo com a Maçonaria pode, muito bem estar inserida nesse contexto, pois sabe-se que essa Irmandade mantinha uma complexa estrutura de profissionais que tinham por missão a construção de castelos, igrejas e outros edifícios que abrigavam a Organização. Esses profissionais, conhecidos como "os Homens dos Templários" eram agregados ao serviço do Templo, constituindo, muitas vezes, organizações paralelas, com seus próprios ritos e estatutos. Nessa interação talvez possamos encontrar o elo perdido que liga, historicamente a Ordem do Tempo com os Obreiros da Arte Real. Essa é uma hipotese que desenvolvemos em nosso livro Templários- Os Santos Malditos, publicado em 2020. (8)
[1] Sobre esse assunto ver a nossa obra Templários- Os Santos Malditos; ED. 24x7, 2020
[2] Na imagem, a provável figura do ídolo Baphomet, a quem os Templários toram acusados de adorar. Note-se que ele se assemelha claramente a um rabino com três rostos em uma só cabeça, algo semelhante à imagem do Ancião dos Dias, imagem cabalista de Deus, Criador do Tempo, olhando para o passado, o presente e o futuro.
[3] David Biale, Cabalá e Contra História, Ed. Objetiva, São Paulo, 1982
[4] Zhoar-O Livro do Esplendor. Passagens selecionadas pelo rabino Ariel Benson-Ed. Polar- São Paulo 2018
[5] Na imagem, o autor em visita ao Castelo de Tomar, sede dos Templários em Portugal- foto Maria Amélia Rodrigues
[6] História da Filosofia Oculta, pg 79 e ss.
[7] A tradição sustenta que Jacques de Molay, o último Grão-Mestre templário, ao ser atado na fogueira, pronunciou uma maldição contra o rei Filipe, o Belo e o Papa Clemente V, responsáveis pela sua condenação à morte. Essa maldição, proferida com palavras cabalísticas (Nekan Adonai, Chol-begoal) significa uma invocação ao anjo vingador da tradição cabalista, para que esse cobrasse das referidas autoridades uma vingança contra o crime que estava sendo cometido contra eles. Veja-se, a esse respeito, a nossa obra Templários- Os Santos Malditos, Biblioteca Ed. 24x7-2020.
8- Templários- Os Santos Malditos op. citado.