Um arquiteto e seus pedreiros
O mundo onde vivemos não saiu da Mente Divina como um produto pronto e acabado como antigamente se pensava. Na verdade, ele está sendo construído diariamente pela Energia emitida pelo Criador, que o veicula através da sua Luz Infinita, a qual é capturada e instrumentalizada pelas nossas consciências e mãos, através dos pensamentos que emitimos e das obras que realizamos.
Deus é o Grande Arquiteto do Universo e Ele o projetou na forma de um edifício que pudesse ser erguido de maneira perene e ordenada, com a matéria prima que sai da sua Essência, que é a Luz emanada pela Sua inesgotável Energia.[1]
Isso nos parece lógico. Nenhum edifício se faz sem uma mente para projetá-lo. Se o universo pode ser comparado à uma construção, então há que ter um Arquiteto que traça seus planos e administra a sua construção.
Nós somos os pedreiros dessa obra. Aqui estamos para erguê-la, segundo as disposições que Ele determinou e mandou Moisés escrever na Torá. Isso porque a Torá não se refere apenas ao povo de Israel. Ela é uma lei universal. Israel foi escolhida para recepcioná-la e transmiti-la à humanidade.
A Torá é a própria Luz Infinita de Deus, transposta para a linguagem humana, para que nós tivéssemos conhecimento da Sua Vontade. Como nem sempre o Pensamento de Deus é inteligível aos homens, Ele nos deu a Cabalá, para que pudéssemos, através de um recurso de imaginação, estabelecer comunicação com Ele. A nossa grande dificuldade nesse sentido é o fato de que nós ainda não conseguimos desenvolver uma linguagem suficientemente capaz de retratar o Pensamento Divino. Por isso Rosenroth diz que a Cabalá foi desenvolvida no céu, na linguagem dos anjos, e estes a comunicaram aos homens para que estes pudessem entender o que Deus requeria deles e assim poder fazer a Sua Vontade.[2] A Cabalá seria essa linguagem, daí a necessidade de estudá-la e procurar entendê-la.
A Cabalá nos ensina que Deus não nos colocou nessa obra somente para cumprir ordens, como se fôssemos simples marionetes manobradas por um indivíduo atrás das cortinas. Ao contrário. Ele nos deu liberdade de trabalho e de escolha para fazer o edifício segundo nossas necessidades e desejos. Porque somos nós que moramos nele e dele nos servimos para justificar a nossa existência.
Somos parte dessa construção. Por isso Ele colocou em nós uma centelha da Sua Luz, para que ela fosse uma espécie de receptora da Energia que Ele emana, a sua Luz Infinita, e com ela pudéssemos executar o nosso trabalho de construtores. Essa centelha é a nossa alma. Por isso, o mestre Shimon Ben Yochai, codificador da Cabalá diz: “Já não é tempo de temer o Senhor, mas de amá-Lo”. Quer dizer: Deus não quer que tenhamos medo Dele. Ele quer o nosso Amor, da mesma forma que Ele nos ama.
Somos a coroa da Criação, não por decreto divino, mas sim por complementaridade. Quer dizer: Deus não nos fez para ter em quem mandar, mas para ajudá-Lo em sua Obra. Isso significa que Ele não nos quer vivendo feito lacaios ou bonecos manipulados como marionetes, ou como escravos de uma obra que Ele projetou para ser construída, e nos colocou nela como operários sem consciência do que estão fazendo. Ao contrário, somos parceiros Dele na Criação.
Essa é razão de Ele nos ter legado a Torá, que além de ser a Lei pela qual devemos reger as nossas vidas, contém também o projeto que Ele traçou para a construção do universo. E através dos ensinamentos cabalísticos, nós podemos interpretá-la e cumpri-la, além de aprender as técnicas da nossa profissão de maçons (pedreiros).
Essa Lei e ensinamentos, com as devidas adaptações em respeito à cultura e à crença dos povos do Ocidente, é o que consta no catecismo maçônico, o qual, em sua maior parte, é inspirado na doutrina da Cabalá. Por isso a prática da Maçonaria jamais será devidamente entendida sem o conhecimento do que ensina essa grande tradição.
Energia: a matéria prima do edifício universal
A Energia do Criador é a matéria prima com a qual se constrói o universo. Por isso o termo Cabalá significa receber. Ou seja: receber a Luz do Criador ̶ a sabedoria ̶ através de um receptor, que é a nossa alma. A plenitude do ser humano acontece quando recebemos em abundância essa Luz e principalmente, a irradiamos pelo mundo. Essa é a razão de todas as doutrinas esotéricas falarem em “iluminação” como virtude a ser adquirida em sua prática. E as religiões oficiais também, porque a própria palavra “religião” significa religar, ou seja, restabelecer uma conexão com a Luz Divina, que foi perdida em algum tempo, por força de algum acontecimento que desconectou a alma do homem da Luz Infinita do Criador.
Assim, a iluminação nada mais é do que recepcionar, através das nossas almas, a Luz do Criador. Esse é o significado oculto atrás da metáfora maçônica que diz que Deus é o Grande Arquiteto do Universo e nós somos os seus pedreiros. Quer dizer: o mundo é construído com a Energia ̶ matéria prima fornecida pelo Criador ̶ em forma de Luz. E a nós, pelo canal das nossas almas, compete recepcioná-la e retransmiti-la ao mundo através das nossas obras. Nisso consiste o processo de construção universal, no simbolismo da Maçonaria. Por isso, em todas as seções da Loja maçônica é obrigatória a presença de uma Bíblia. Ela é a Luz consensada em linguagem. Ela corresponde à sefira Daath – a Sabedoria – que encontramos como esfera oculta na Árvore da Vida. [3]
Nós próprios somos parte dessa construção. Ao construirmos a nós mesmos estamos realizando a Obra do Criador. Para muitos cientistas e filósofos, a vida é um fenômeno que os incomoda porque eles não conseguem saber como ela começou e a que propósito se destina. Ela não se encaixa em nenhuma equação matemática, em nenhuma fórmula química, nem mesmo em qualquer especulação filosófica ou religiosa. Qualquer explicação que se queira dar a esse fenômeno sempre esbarrará em questionamentos irrespondíveis. Por que a vida tem propósitos, metas, estruturas, orientações que não são encontradas em nenhuma outra realidade universal. E a melhor explicação que se pode dar a ela ainda é a da Cabalá: Deus criou o mundo e a vida para que Ele pudesse ser conhecido através dos seus atributos. [4] E a vida é a melhor forma de manifestá-los. Por isso ele criou o homem e o revestiu de pompa e majestade, como diz o salmista: Fizeste-o um pouco menor que os anjos, de glória e de honra o coroastes”.[5]
Como tudo começou
Em nossas aulas de física clássica aprendemos que todas as coisas que existem no espaço cósmico são produtos de energia convertida em massa E a Luz é o veículo que a transporta. Por isso a Bíblia diz: “No princípio, ao criar Deus os céus e a terra, a terra era sem forma e vazia, e havia escuridão sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas. Deus viu que a Luz era boa, e separou entre a Luz e a escuridão.” [6]
A moderna ciência física e astrológica diz que o universo teve início com a explosão de uma estrela, ocorrida cerca de quinze bilhões de anos atrás. Uma explosão que ainda pode ser vista nos modernos telescópios dos laboratórios de pesquisas astronáuticas. Essas pesquisas mostram ainda que o universo começou como se fosse uma pequena bolha de gás que foi se inflando, inflando e ainda está em franca expansão. É como uma bexiga cheia de pontinhos luminosos ̶ as estrelas e os planetas ̶ que estão se afastando uns dos outros à uma velocidade extraordinária, igual à da luz. Quem diz isso é um dos mais famosos cientistas dos tempos modernos, o físico Stephen Hawking. “Há cerca de 15 bilhões de anos todas (as galáxias) teriam estado umas sobre as outras, e a densidade teria sido enorme. Esse estado foi denominado átomo primordial pelo sacerdote
católico Georges Lemaitre, o primeiro a investigar a origem do universo que agora chamamos de Big-Bang.” [7]
Como diz Hawking, essa teoria foi proposta em 1927 por Georges Edward Lemaitre, um sacerdote católico que se dedicava a pesquisas astrológicas. Nessa visão ele afirma que no tempo zero o universo era somente uma massa minúscula que ele denominou de “ovo cósmico” ou “super átomo”. Antes disso, diz ele, nada existia. O ovo cósmico estava sujeito a própria atração gravitacional. Contraia-se e comprimia-se cada vez mais, como um útero em processo de parto. Em dado momento, com uma temperatura elevadíssima e uma quantidade inexprimível de energia concentrada num volume mínimo de espaço, ocorreu uma grande explosão.
A teoria de Lemaitre foi aperfeiçoada por George Gamow em 1948 em um artigo intitulado: “A origem dos elementos químicos”, no qual ele utiliza pela primeira vez o termo Big Bang. Hoje essa teoria é a mais aceita pelos cientistas para explicar como nasceu o universo.
O parto do universo
O Big Bang foi uma explosão que lançou no vazio cósmico bilhões e bilhões de centelhas de energia luminosa, que depois foram se condensando, se combinando em múltiplas estruturas atômicas, até dar como resultado a massa física do universo.
E dentro dele, a vida. E no complexo da vida, o fenômeno humano. Hawking também retrata como isso aconteceu: “Se a relatividade geral estiver certa, o universo teria começado com temperatura e densidades infinitas na singularidade do Big-Bang” diz ele. “Á medida que o universo se expandiu, a temperatura da radiação diminuiu. Em cerca de um centésimo de segundo após o Big-Bang, a temperatura teria sido de 100 bilhões de graus, e o universo teria contido, na maior parte, fótons, elétrons e neutrinos (partículas extremamente leves) e suas antipartículas, além de alguns prótons e nêutrons. Nos três minutos seguintes, enquanto o universo resfriava para cerca de um bilhão de graus, prótons e nêutrons, não tendo mais energia suficiente para escapar da atração da força nuclear forte, teriam começado a se combinar para produzir os núcleos do hélio e outros elementos leves. Milhares de anos depois, quando a temperatura caiu para alguns milhares de graus, os elétrons diminuíram de velocidade até os núcleos leves poderem capturá-los para formar os átomos. No entanto, os elementos mais pesados dos quais somos constituídos, como carbono e oxigênio, só se formaram bilhões de anos mais tarde, pela queima de hélio no centro das estrelas”. [8]
Esse teria sido, portanto, o processo pelo qual o universo nasceu e cresceu, até onde podemos vê-lo e imaginar. O Big Bang foi o começo do universo material, como podemos entender, tanto na visão bíblica da Criação, quanto no discurso científico que tenta explicá-lo.
Mas como em toda criação, antes do parto, propriamente dito, a criatura já existia. No caso de um ser vivo ele é incubado através de uma semente masculina num útero feminino, e ali fica maturando até ser liberado para a vida individual, propriamente dita. Quanto ao universo podemos pensar em um processo semelhante. Ele foi gerado de alguma forma. Antes do seu parto, que foi o Big Bang dos cientistas, ou da liberação da luz que estava presa nas trevas, como diz a Bíblia, ele já existia em potencial. Primeiro no Pensamento do Criador, depois como Luz Infinita irradiada no vazio cósmico e em seguida como realidade materializada através da grande explosão luminosa a que os cientistas se referem. A Criação, portanto, é um maravilhoso romance cósmico que vale a pena ser lido.
Até porque, nele nós desempenhamos um papel fundamental. Nós somos os principais protagonistas desse espetáculo. Nele atuamos como num teatro de performance, construindo o enredo à medida em que o espetáculo se desenvolve.
[1] Imagem: gravura de William Blake. Fonte: O Matrimônio do Céu Com o Inferno- Iluminuras, s/d
[2] Knorr Von Rosenroth- A Kabbalah Revelada- Ed. Madras, 2015
[3] A esse respeito vide nossa obra “Cabala e Maçonaria”, citada.
[4] Sefer A hoar, op citado pg.82
[5] Salmos, 8:5
[6] Biblia Hebraica, por David Gorodovits e Jairo Findlin- Editora Séfer 2015
[7] Stephen Hawking- O Universo em Uma Casca de Noz pg. 78.
[8] Idem, pg. 80 - Imagem: Bibliblog-Wordress. com