O SOFISMA DA COMPOSIÇÃO
Confesso ter muita inveja dessas pessoas que, sendo muito mais jovens do que eu, já descobriram qual é o lado certo das coisas. Eu já estou beirando os oitenta e não faço a menor ideia dele. Apenas olho o mundo e vejo que ele é redondo. Ele não tem lados, apenas contornos. Se de dia acontece estarmos virados de cara para o sol, de noite o sol está nas nossas costas. Se de dia estou no oriente, quando a noite chega eu estou no ocidente. E na manhã seguinte volto ao lado onde estava na manhã anterior.
Talvez o mundo tenha sido construído dessa forma para nos mostrar que não existe uma verdade absoluta em nenhuma das concepções que nós fazemos da realidade. E que aliás, a propria verdade também é apenas um conceito, e ele só cabe inteiramente na cabeça de quem o elabora. Nas demais cabeças, por mais que elas tentem conformá-la aos seus padrões de pensamento ela sempre será incompleta, informe e passível de controvérsia.
Isso, pelo menos, é o que também deduziram muitos filósofos que se debruçaram sobre esse tema. Schopenhauer, por exemplo, sustentava que o mundo era feito de vontade e representação. Resumidamente, isso quer dizer que o mundo é aquele que cada um tem na sua cabeça. Aquilo que cada um quer que seja e imagina que é. Sartre, Nietszche e todos os demais existencialistas também diziam mais ou mesmo a mesma coisa. Que a realidade nada mais é que uma construção mental que fazemos para justificar uma existência, que sem ela, não teria sentido nenhum. Corroborando essas teorias, os modernos cientistas do átomo também estão descobrindo em suas experiências com a física quântica que a realidade só surge no mundo a partir da consciência que temos dela. Pois que ela é feita de energia que se converte em massa, e ela assume a forma que nós damos a ela.
Podemos exemplificar também esses conceitos com a metáfora da caverna, alegoria criada pelo filósofo grego Platão. Ela refere-se a um grupo de pessoas que estão presas dentro de uma caverna, de costas para a entrada dela. Eles só conseguem ver as sombras das coisas que acontecem lá fora, que são projetadas pela luz que entra nela. Quando um dos prisioneiros se liberta e sai da caverna ele se depara com o mundo real. Mas não pode demonstrár para os prisioneiros a realidade do mundo lá fora porque eles não conseguem vê-la como ele a viu.
Isso quer dizer: cada um tem sua própria verdade dentro da cabeça e a verdade dos outros não existe para ele. Daí ele luta, mata e morre pela sua ilusão de realidade que ele tem sem perceber que ela é tão ilusória quanto às das outras pessoas. Essa metáfora está na raiz do que os filósofos e psicólogos chamam de Sofisma da Composição.
Transpondo essas ideias para a política, não sei dizer se os chineses, que supostamente vivem em um regime taxado de comunista são mais ou menos felizes que os americanos, que vivem, também supostamente, num regime democrático-liberal. Ou se os suecos e dinamarqueses, que vivem em um regime que incentiva a iniciativa privada de uma forma francamente liberal, mas distribui o resultado de uma forma francamente socialista estão mais certos ou menos certos que os governos da Síria, Hungria, Turquia e outros países cujos ditadores – também supostamente de direita - praticam um capitalismo selvagem e concentrador.
Talvez a minha dificuldade em me colocar do “lado certo” seja o fato de ter aprendido a analisar os fatos pelos resultados que ele apresenta. Pelo bem que eles me fazem e não pelos conceitos ideológicos que existem sobre eles ou pelo que eu quero que sejam. Filosoficamente isso tem um nome: chama-se pragmatismo. Traduzindo, isso quer dizer: verdade é o que dá o resultado que me faz feliz e não o que outros acham que está certo. Se existe outra forma de ficar do “lado certo”, eu gostaria de aprender. Espero ainda ter tempo para isso.